Criando Ligações: o Papel dos Intermediários do Conhecimento

A maior parte das organizações aprenderam que a tecnologia, só por si, não assegura o sucesso de iniciativas de GC. Como resultado, muitas organizações redireccionaram a sua atenção para os aspectos sociais da GC, alimentando uma cultura de partilha de conhecimento e desenvolvendo planos de incentivo para encorajar trocas formais e informais de conhecimento. Porém, e apesar de bem intencionados, estes esforços sabem a pouco enquanto as pessoas e os papéis adequados não forem considerados. Assim, um aspecto chave de qualquer programa de GC passa por equipá-lo com as pessoas certas que ajudem a balancear e sustentar os esforços de gestão de conhecimento da organização. Em muitos casos, contudo, o recrutamento de pessoas para GC é conduzido de forma ad-hoc com pouco conhecimento de como desenhar e estruturar estes papéis de suporte. O plano estratégico e a colocação dos ‘intermediários humanos do conhecimento’ – facilitadores de conhecimento que trabalham para identificar, capturar e transferir o conhecimento organizacional – podem ajudar as organizações a minimizar o tempo que os empregados gastam à procura de informação vital e a reduzir a repetição de trabalho e a redundância de esforço. Tornar as funções e capacidades específicas dos intermediários de conhecimento úteis à organização assegura que a responsabilidade de gestão de conhecimento permanece uma alta prioridade.

Mais trabalho e frustração ao navegar repositórios de conhecimento conduziram várias vezes promissores programas de GC numa espiral de desuso e descrédito. Dado que os empregados têm pouco tempo para capturar o seu próprio conhecimento ou para vaguear por repositórios para encontrar informação útil, as organizações começaram a pensar como assegurar que o conhecimento é capturado e partilhado dentro da organização.

Investigadores no Instituto de Gestão de Conhecimento da IBM revelaram três categorias de intermediários de conhecimento: mordomos (stewards), investigadores (researchers) e corretores (brokers). Cada um destes papéis oferece diferentes serviços e requer um conjunto de capacidades e atributos específico para dar resposta ao desafio. Encaixar as necessidades de conhecimento específicas de uma organização com o papel adequado é uma tarefa difícil.

Depois de cuidadosa consideração e reflexão, as organizações podem identificar o tipo de conhecimento de que, actualmente, não se tira partido a nível interno. Por exemplo, algumas organizações negligenciam o valioso conhecimento tácito (conhecimento que reside na cabeça das pessoas) dos empregados e, como resultado, apenas informação explícita, documentada, está disponível para referência. Noutros casos, tanto o conhecimento explícito como o tácito são partilhados informalmente entre os empregados mas pouco (ou nenhum) tempo é dedicado a assegurar que este conhecimento é distribuído por toda a organização. Para cada um destes casos, entre muitos outros cenários, um investigador, um mordomo ou um corretor de conhecimento podem endereçar estes problemas e aproximar a organização de um método mais eficaz e eficiente para capturar, partilhar e reutilizar conhecimento.

Mordomos de conhecimento

Quando a General Motors (GM) identificou, no seu processo de desenvolvimento de veículos, um engarrafamento que evitava a saída dos seus veículos para o mercado mais rapidamente que os concorrentes, decidiu olhar com mais atenção para descobrir a raiz do problema. Os vice-presidentes dos Grupos de Carros e Camiões atribuíram ao Departamento de Desenvolvimento de Estratégia e Conhecimento Corporativo a tarefa de “aprender como desenvolver carros e camiões mais depressa”. Para o director do departamento tornou-se claro que muitas equipas trans-organizacionais do programa de veículos se estavam a debater com problemas semelhantes. Se, pelo menos, as equipas pudessem aprender com os seus erros passados e incorporar soluções inovadoras descobertas por outras equipas, talvez os carros pudessem ser desenvolvidos de forma mais eficiente. Mas como se capturam e partilham as boas ideias? Será que as lições capturadas podem ajudar o processo de desenvolvimento de veículos? Como é que os membros das equipas podem aprender com os erros sem pôr em cheque a que equipa que os cometeu? Parecia valer a pena enfrentar o desafio de desbloquear o fluxo de desenvolvimento.

A GM rapidamente percebeu que criar acesso ao conhecimento tácito dos seus empregados poderia ser uma solução para desbloquear engarrafamentos na organização. A própria natureza do conhecimento tácito – conhecimento embutido nas mentes, experiências e intuições das pessoas – torna o seu acesso e captura uma tarefa assustadora. Deparando-se com este desafio, a GM criou uma posição com o título de “ajudante de aprendizagem”. Equivalente ao mordomo de conhecimento, o ajudante de aprendizagem estava encarregue da difícil tarefa de captura do conhecimento tácito.

As organizações que reconhecem o esquecido valor do conhecimento tácito dos seus empregados optam por mordomos de conhecimento que pro-activamente capturam esse conhecimento e facilitam a sua transferência por toda a organização. Em quase todas as organizações, os empregados estão demasiado ocupados para partilhar as suas experiências ou para aplicar a aprendizagem dos seus colegas no seu próprio trabalho. Os mordomos de conhecimento endereçam estas questões capturando o conhecimento tácito através de entrevistas e da observação de pessoas no seu ambiente de trabalho. Os resultados são documentados e são depois disponibilizados para toda a organização através de um repositório de conhecimento activo. A publicação de informação nesse repositório sem a intervenção de um mordomo de conhecimento é, contudo, limitada como forma de manter a qualidade do conhecimento. Atribuindo-lhes a tarefa de garantir a actualidade, a qualidade, e a usabilidade do conteúdo, preserva-se a continuação da iniciativa de GC.

Para além disso, criar a consciência de que existe uma base de conhecimento é outro papel essencial para os mordomos. Quando existe um repositório de conhecimento, estes ajudam os empregados a encontrar a informação. Logo que se sintam confortáveis a navegar no repositório, os empregados rapidamente se apercebem das vantagens de aceder e aplicar o conhecimento interno ao seu próprio trabalho. Contudo, em algumas organizações, são os próprios mordomos que fazem o conhecimento capturado circular pela organização. Por exemplo, porque a falta de tempo exerce grande pressão sobre as equipas, os ajudantes de aprendizagem da GM ajudam, em tempo real, a incorporar lições aprendidas no processo de desenvolvimento de veículos, ao invés de apenas as incluir num repositório. Para serem eficazes, as ajudantes de aprendizagem têm de ajustar as suas técnicas às necessidades da sua equipa. Desta forma, as lições por si capturadas são postas em acção imediatamente, e é criada uma percepção do conhecimento aplicando estas lições directamente ao processo de trabalho.

Corretores de conhecimento

Ganhar negócios é o principal objectivo da maior parte das empresas de consultoria. Numa destas empresas, quando um novo empregado identificou um potencial cliente numa grande empresa de publishing, ele começou a trabalhar numa proposta direccionada à melhoria dos processos de resposta a encomendas e de entregas dessa empresa. O novo consultor rapidamente se apercebeu de que o seu escasso conhecimento da área lhe iria dificultar a elaboração da proposta. Contudo, como novo empregado, ele desconhecia se, no passado, teriam sido feitos projectos semelhantes e, em caso afirmativo, quem foram os consultores envolvidos. Se ao menos ele pudesse identificar as pessoas certas para com elas aprender e rever os documentos relevantes, a sua proposta poderia ter uma hipótese de vencer. Dada a natureza competitiva de atracção de novos clientes, o consultor tinha pouco tempo para navegar pelas bases de dados da empresa à procura de informação relacionada. O que ele precisava era de rapidamente localizar e conversar com a pessoa certa de forma a beneficiar do seu conhecimento tácito. Em casos destes, e em especial nas grandes empresas, o acesso a uma única pessoa com um extenso conhecimento sobre a empresa e sobre os seus empregados pode acelerar a identificação de informação e conhecimento relevantes.

Em resposta, muitas organizações formalmente atribuíram, a pessoas bem relacionadas, o papel de corretor de conhecimento, ligando quem procura conhecimento às fontes de conhecimento tácito (isto é, pessoas com experiência ou peritos num determinado tópico). Em algumas organizações, porém, estes indivíduos desempenham este papel informalmente, sem qualquer reconhecimento por parte da organização. Neste caso particular, um colega sugeriu ao novo consultor que falasse com uma determinada pessoa que costumava ter um grande conhecimento sobre os projectos em que outros estiveram envolvidos e quais as áreas em que se especializaram. O consultor abordou este corretor informal que concordou usar o seu conhecimento da organização e a sua rede de contactos para oferecer ao novo empregado nomes dentro da empresa. Uma vez na direcção certa, o consultor foi capaz de contactar directamente essas pessoas e de beneficiar do seu conhecimento tácito e explícito, produzindo uma proposta de melhor qualidade que ganhou o negócio para a sua empresa.

Os corretores de conhecimento oferecem às organizações um serviço de grande valor, assegurando que o conhecimento é partilhado no contexto pretendido através da ligação directa de pessoas. Por exemplo, aceder a documentos sem uma explicação dos seus autores acarreta o risco da informação ser entendida fora do seu contexto, prejudicando a qualidade do produto final. Além disso, como já foi referido anteriormente, a experiência, os pontos de vista e outros tipos de conhecimento tácito são difíceis de documentar, sendo mais facilmente partilhados através de contactos directos. Muitas vezes, a única forma de tirar partido do que os outros sabem é conversando com eles, pessoalmente, por telefone ou mesmo por correio electrónico. Em grandes organizações, os corretores fazem as apresentações iniciais para que estas importantes interacções aconteçam.

Muitas pessoas se questionam sobre o que leva os corretores de conhecimento a sacrificar o seu tempo ligando pessoas, especialmente se isso não faz formalmente parte do seu trabalho. De facto, muitos corretores desempenham este papel para além dos seus deveres ‘oficiais’, muitas vezes em posições em nada relacionadas com a gestão de conhecimento. Em muitos casos, eles desempenham este papel informalmente sem qualquer recompensa directa e sem recursos (humanos, de tempo, tecnológicos, de energia e/ou financeiros). Apesar disso, eles acabam por migrar para este papel como resultado das suas capacidades e dos seus atributos pessoais. Os corretores são, geralmente, pessoas receptivas e amigáveis, verdadeiramente interessadas em ajudar os outros. Assim, uma extensa rede de contactos em parceria com um particular tipo de personalidade e um conjunto de capacidades contribuem para o seu sucesso. É também importante que eles sejam vistos como de confiança e credíveis para assegurar que as partes a relacionar partilham interesses compatíveis.

As empresas que são capazes de identificar corretores informais dentro da organização podem muitas vezes beneficiar formalizando esse papel. Oferecendo a estes intermediários maior exposição, mais empregados podem ter acesso aos seus serviços e a organização, enquanto um todo, pode beneficiar de tomadas de decisão mais rápidas, trabalho de maior qualidade, menores curvas de aprendizagem e uma redução na redundância de esforço.

Investigadores de conhecimento

Sendo uma organização internacional empenhada na redução da pobreza e na melhoria da qualidade de vida através de um crescimento sustentável e de um investimento nas pessoas, o Banco Mundial depara-se com inúmeros desafios. Um deles é garantir que os seus membros têm acesso rápido à informação mais actualizada durante a realização das suas tarefas. Numa determinada situação, um membro do Banco Mundial foi convidado a trabalhar em Timor Leste (pouco depois de este país ter conquistado a sua independência) para reconstruir o seu sistema de educação. Embora anteriormente fizesse parte da Indonésia, Timor Leste estava a considerar adoptar o Português como língua para a instrução no seu sistema educativo (Portugal colonizou Timor Leste antes da Indonésia). Por forma a enfrentar o desafio de adopção de uma nova língua e desenhar um programa educativo em seu torno, foi necessário um grande trabalho de pesquisa. Certamente que alguém do Banco Mundial já tem experiência de situações semelhantes. Talvez até alguns projectos tenham envolvido o Português. Mas como localizar esse conhecimento? Se ao menos ele pudessem aceder a documentos relevantes sobre como semelhantes esforços foram geridos no passado, talvez ele pudesse ser capaz de ajudar o governo e as pessoas de Timor Leste a reconstruir o seu sistema educativo.

Não sabendo onde começar a sua pesquisa, aquele elemento do Banco Mundial resolveu contactar o Serviço de Aconselhamento para a Educação (EAS). O EAS é composto por investigadores de conhecimento que respondem a pedidos de informação relacionados com educação vindos de mais de 250 profissionais do Banco Mundial em todo o mundo. Os investigadores de conhecimento procuram, recolhem, e transferem conhecimento explícito ou codificado dentro e fora da organização.

Os investigadores de conhecimento evoluíram, do tradicional papel de bibliotecário organizativo, para um trabalhador de conhecimento mais pró-activo que levanta, de uma variedade de fontes, informação e conhecimento potencialmente valiosos e os distribui pelos empregados com interesses relacionados.

Os empregados do EAS tiram partido do seu repositório de “pepitas de conhecimento”, ou de recursos de conhecimento existentes, resultantes de pesquisas já efectuadas, para além de explorarem uma vasta rede de contactos. Muitas vezes, eles também consultam uma das muitas comunidades de prática do Banco Mundial. Quando nenhum destes recursos é suficiente, os empregados do EAS pedem ajuda aos escritórios regionais e nacionais ou mesmo a grupos externos. Uma pessoa do EAS explicou: “Estamos sempre a alargar o nosso âmbito de procura para localizar respostas.” O papel dos empregados do EAS distingue-se do habitual papel dos bibliotecários já que não se preocupa apenas em dar resposta aos pedidos. Construir uma base de clientes, criar relações com potenciais fontes de conhecimento, e educar as pessoas a usar a base de conhecimento do Banco Mundial são tudo importantes responsabilidades dos investigadores de conhecimento desta instituição.

Neste caso particular, a pessoa contactou o EAS e pediu informação sobre outros países a usar o Português como língua de instrução, bem como amostras de material de ensino desses países. Para além disso, ele indicou ainda que estava interessado em aprender sobre o processo como as ex-colónias regressam à sua língua colonial. O EAS foi capaz de lhe providenciar a informação existente no Banco sobre este tópico. Além disso, através da sua rede, o EAS pôs aquele empregado em contacto com pessoas com conhecimento relevante, tal como um membro com um passado no desenvolvimento de políticas de língua, e um membro do grupo temático de educação de adultos, que recentemente visitara Moçambique (outra ex-colónia portuguesa). Com a ajuda dos serviços do EAS, o empregado foi capaz de aceder tanto a conhecimento explícito como tácito que pode aplicar na reconstrução do sistema de educação de Timor Leste.

Papéis híbridos

Os membros do EAS são um exemplo do que se chama um papel híbrido de investigador/corretor de conhecimento. Usamos o termo híbrido para referir casos em que uma combinação de dois papéis diferentes é evidente. Como é muitas vezes o caso, os investigadores de conhecimento no Banco Mundial demonstraram algumas funções e capacidades de corretores de conhecimento: não só encontraram fontes internas de conhecimento explícito, como também usaram a sua vasta rede para encaminhar pessoas até outras, assegurando que o conhecimento tácito também é partilhado.

Outros papéis híbridos incluem os mordomos/corretores de conhecimento e os mordomos/investigadores de conhecimento. Porque os mordomos de conhecimento têm uma grande exposição dentro das suas organizações, estes indivíduos tendem naturalmente a adoptar responsabilidades de corretores ao longo do tempo. Por exemplo, à medida que os mordomos de conhecimento de uma firma de consultoria observam e entrevistam indivíduos para coleccionar e codificar as melhores práticas das suas equipas, os mordomos desenvolvem um conhecimento sobre, por exemplo, “quem sabe o quê” dentro da organização. Os mordomos tornam-se depois um valioso recurso para ligar pessoas. De forma similar, os mordomos de conhecimento também desempenham algumas responsabilidades de investigadores ao conduzir intensivas funções de pesquisa e recolha. Os mordomos desenvolvem um íntimo conhecimento sobre o conteúdo e a organização das bases de conhecimento da empresa. À medida que essas bases se expandem, os mordomos passam cada vez mais tempo pesquisando e recolhendo o conteúdo arquivado. Como resultado, eles familiarizam-se com o conteúdo dos repositórios de conhecimento bem como com as pessoas que para ele contribuíram. Assim, os mordomos unem as suas capacidades de captura de conhecimento, e de rapidamente a ele aceder, para ajudar as pessoas a localizar informação e conhecimento de que necessitam para os seus projectos.

Entender que papel é melhor para a sua organização

Os papéis de intermediários de conhecimento que identificámos no nosso estudo descrevem funções distintas numa organização – capturar, relacionar, e pesquisar conhecimento. Mas como saber qual o melhor papel para a sua organização? O primeiro passo na identificação do papel mais adequado é pensar no seu problema de negócio. De que tipo de conhecimento necessita a sua organização tirar partido (tácito versus explícito)? Por exemplo, se a sua organização é composta essencialmente por peritos altamente especializados numa matéria, então um mordomo ou um corretor é o mais adequado para elevar o conhecimento tácito destes peritos. Mas como saber se se necessita de um mordomo ou de um corretor ?

O segundo passo é considerar quão prontamente é esse conhecimento necessário. Se este conhecimento tácito é necessário rapidamente, e não há tempo para investir na captura de conhecimento tácito, então o corretor é o papel mais apropriado para provocar contactos imediatos frente-a-frente. Por outro lado, em algumas organizações, onde há frequentes alterações no corpo de empregados, capturar o seu conhecimento tácito com a ajuda de mordomos de conhecimento é a abordagem mais eficaz a longo prazo.

Os mordomos de conhecimento são o melhor quando a organização necessita elevar, tanto o conhecimento explícito interno, como o externo. Através das suas capacidades de pesquisa, recolha, e transferência de conhecimento, os investigadores de conhecimento oferecem a informação mais relevante quando as pessoas dela necessitam. Claro está, que os papéis híbridos endereçam situações em que as organizações se deparam com múltiplas necessidades em sobreposição.

Com um entendimento de cada um destes papéis, bem como da sua aplicação em cenários reais, as organizações podem eficazmente balancear e sustentar os seus programas de GC. Os intermediários de conhecimento oferecem valor às organizações de variadas formas, incluindo na redução de repetição de esforços, na diminuição do tempo que os empregados gastam à procura de informação, e ajudando processos mais rápidos de tomada de decisão. Para que os programas de GC amadureçam, as pessoas e as funções certas devem ser identificadas. Adicionar este suporte ao seu programa de GC não ajuda apenas as pessoas a realizar melhor o seu trabalho, como também traz grande valor para a organização.

(Texto orginalmente publicado na revista Knowledge Management, i8 v4, Maio 2001. Tradução de Ana Neves.)

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