Qual é a Sua Avaliação da Realidade?

No meu papel de consultor, deparo-me frequentemente com estratégias de (gestão de) conhecimento. Muitas estão bem escritas e apresentam uma lista sensata de estratégias baseadas naquilo que outros conseguiram com sucesso. De facto, muitas parecem ter saído directamente de um livro – talvez tenham! – identificando a necessidade de mudar a cultura, conduzir uma auditoria de conhecimento, implementar uma base e dados pericial, implementar um help-desk integrado, e por aí fora. Tudo coisas boas, mas porque razão são essas estratégias deitadas fora ou privadas dos recursos necessários à sua concretização? Vi estratégias aprovadas pelos quadros executivos e que um ano depois não foram a lado nenhum. Mas, afinal, o que corre mal?

Os comentários típicos são:

  • “é muito teórico”;
  • “nesta altura de cortes orçamentais não temos o suficiente para investir”;
  • “é uma grande lista de desejos, mas quais são as verdadeiras prioridades?”;
  • “o que podemos fazer para uma vitória rápida?”;
  • “ainda não demonstrou que impacto se sente a nível operacional”;
  • “é um relatório óptimo” (e depois nada acontece); e,
  • “eles gostaram e disseram para começar” (eu sozinho).

As duas linhas comuns nestes comentários, e outros semelhantes, é que a estratégia de gestão de conhecimento, embora construída em válidos princípios, omitiu um que é fundamental. Não está assente na realidade. Há várias realidades: as realidades da gestão e as realidades de implementação da gestão de conhecimento.

Realidades da gestão

O conhecimento tem de estar na agenda da gestão, e esta tem de o possuir de uma forma ou de outra. O consentimento da gestão, onde alguma coisa é aceite “em princípio”, mas onde nada acontece, é o beijo da morte de qualquer nova iniciativa.

Eis algumas realidades que a gestão de topo enfrenta todos os dias:

  • é bombardeada por imensos pedidos – quantos destes estão a construir o caso para a gestão de conhecimento?;
  • está ocupada, em reuniões e tomando decisões frente-a-frente – como reagirá a uma proposta estratégica de 10-20 páginas, mesmo que bem escrita?;
  • tem objectivos e aspirações – como é que uma estratégia de conhecimento os ajuda a ir ao seu encontro?;
  • quer ser bem sucedida – e sabe que uma mudança cultural é difícil e leva tempo, por isso é melhor deixá-la para o sucessor;
  • está ocupada – será que a gestão de conhecimento não será uma distracção?

Resumindo, quais são os benefícios para a gestão de topo aceitar o desafio da gestão de conhecimento, que cruza limites departamentais e que requer a cooperação activa de todos os gestores?

Realidades da gestão de conhecimento

Relativamente a algumas realidades da gestão de conhecimento:

  • os custos iniciais são muito visíveis (pessoas, tecnologia, treino, etc.), mas os benefícios vêm mais tarde (muitas vezes meses ou anos mais tarde) e é provável que sejam difusos;
  • é muito difícil demonstrar se uma determinada melhoria na linha da frente resulta de uma boa gestão de conhecimento ou de outros factores;
  • muitos peritos não têm tempo para partilhar conhecimento – é algo que têm de fazer para além do seu trabalho diário;
  • os processos e as pressões estabelecidos nas equipas não ajudam à partilham de conhecimento através das fronteiras organizacionais;
  • uma vez que muitos dos processos de conhecimento necessitam de envolver toda a organização (ou ser ainda mais envolventes) para ter impacto, estes têm de ser inseridos na infra-estrutura e não podem ser feitos isoladamente;
  • muitas das pessoas na origem de programas de conhecimento não são profissionais de conhecimento treinados, e por isso não usam as melhores ferramentas e técnicas disponíveis (conduzir uma auditoria de conhecimento – muitas vezes a primeira actividade séria num programa de GC – é um exemplo de uma área onde há métodos testados e que são frequentemente esquecidos);
  • não é tão excitante como o e-Comércio, o CRM ou qualquer uma das outras “novas” iniciativas que se vêem por aí (se bem que anda de mãos dadas com todas elas).

O centro do desafio

Como estas realidades indicam, a gestão de conhecimento necessita de um esforço concertado para se embrenhar nas actividades diárias de uma organização e obter a aceitação da gestão de topo. Se se deseja que a gestão de conhecimento tenha alguma relevância e impacto, tem de estar assente na realidade da organização, ser visível e mostrar-se um contributo para a linha da frente. Como um céptico executivo (e acreditem que ainda há muitos!) me disse uma vez “a gestão de conhecimento não é nada a não ser que ajude pessoas a sério a fazer trabalhos a sério”.

Aqui estão algumas sugestões para ajudar a assentar a sua estratégia de conhecimento ou proposta de investimento na realidade e obter o apoio e compromisso necessário para o sucesso:

  • comece com as preocupações da gestão de topo – o que os mantém acordados à noite?, o que são os seus assuntos quentes?, o que prejudica as suas carreiras?. Agora, identifique potenciais pontos onde um melhor acesso ao conhecimento possa fazer a diferença, por exemplo, reduzir riscos, aumentar eficiência, aumentar a satisfação dos clientes, ou lançar produtos inovadores no mercado;
  • olhe para o plano estratégico da organização e para o plano operacional. A contribuição da informação ou do conhecimento é reconhecida? Se não, comece com objectivos chave e resultados, e recue para ver que processos (tarefas, projectos, actividades) e entradas são necessárias para os atingir. Que entradas de conhecimento são necessárias? Como podem melhorias ao fluxo de informação e conhecimento contribuir?;
  • considere recentes falhas e desastres organizacionais, por exemplo, maus lançamentos de produtos, estratégias que falharam, custo de repetição de trabalho, etc.. Consegue identificar alguns exemplos onde a falta de conhecimento adequado foi uma das causas?;
  • examine cuidadosamente os relatórios de desempenho – tanto os relatórios financeiros como os de importantes indicadores de negócio. Há custos extra ou oportunidades perdidas provocadas por má utilização (reutilização) de conhecimento?;
  • fale com os clientes – qual é a experiência deles ao lidar com a empresa? Estão frustrados com o serviço a clientes? Eles queixam-se de que a mão esquerda não sabe o que a direita está a fazer? Eles comentam o facto de que a sua organização não fala a uma só voz ou não está unida ou não ouve as preocupações dos clientes? Tudo isto são sintomas de uma falha na partilha de conhecimento;
  • olhe para as análises das folhas de horas e para os relatórios mensais da gestão. Há amostras claras de tempo gasto no desenvolvimento de conhecimento que já existe noutro lugar? Infelizmente, muitas organizações que necessitam intensivamente de conhecimento não levam as folhas de horas a sério, e por isso não têm uma verdadeira noção de como os seus mais valiosos bens – as pessoas – estão a ser empregues;
  • olhe ainda mais a fundo ao sistema de gestão de desempenho da organização. Como é que ele considera o conhecimento (a actual versão do sistema EFQM tem uma subcategoria para a gestão de conhecimento) e como é que uma melhor gestão de conhecimento pode contribuir para os indicadores chave de desempenho?;
  • considere como é que as decisões importantes – aquelas que têm impacto na linha da frente – são tomadas. Como é que as pessoas responsáveis pela tomada de decisão são informadas? É através de documentos formais ou de fluxos informais de conhecimento? Como é que os mecanismos existentes, tais como a disposição do escritório ou as reuniões de colaboradores, contribuem para uma melhor tomada de decisões?

Por outras palavras, uma estratégia de conhecimento deve ter início nas estratégias, nos planos e no modus operandi já existentes numa organização. Ela deve apontar explicitamente áreas específicas de ineficácia, oportunidades perdidas, ou erros caros onde uma boa prática de GC poderia melhorar a produtividade e minimizar os riscos. Deveria suportar todas as pessoas da organização no desempenho eficaz e eficiente das suas tarefas diárias. Deveria identificar como é que o conhecimento pode criar novas oportunidades – em inovadoras soluções para os clientes, em processos de negócio ou em novos produtos e serviços. A não ser que a gestão de conhecimento esteja “ligada” a este mundo real de clientes, objectivos e estratégias, processos de negócio e gestão, e sistemas de desempenho, ela permanecerá teórica e isolada.

Lembro-me de um comentário feito por uma pessoa da BP sobre gestão de conhecimento: “onde está o petróleo?”. Faz parte do trabalho de um gestor de conhecimento mostrar onde está o “petróleo” na sua estratégia de GC.

(Tradução de Ana Neves.)

2 comments

  1. Ferdinand 21 Janeiro, 2011 at 22:09 Responder

    Não me surpreende mais. Fala-se da “realidade das organizações” e não menciona-se Maquiavel, Clausewitz ou Sun-Tzu! Só fico pensando se não estamos em universos paralelos, ou outro constructo mais moderno de Science Fiction.

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