O capital intelectual de uma organização reside, essencialmente, no conhecimento de cada um dos indivíduos que a compõem. Este é um facto que ninguém é capaz de negar. Ninguém nega também que a rotatividade dos colaboradores nas ditas organizações do conhecimento (organizações que dependem essencialmente do conhecimento, empresas de advocacia, consultoras, media, etc..) é cada vez maior. Isto significa duas coisas: que os existentes colaboradores saem; e, que novos colaboradores chegam. Os primeiros levam consigo o conhecimento que adquiriram, os novos trazem o seu conhecimento mas desconhecem a identidade desta sua nova comunidade.
Embora a primeira situação seja insistentemente apontada como uma das principais motivações para iniciativas de gestão de conhecimento, considero que a segunda é tão ou mais pertinente.
Fluxo de conhecimento
Nas organizações pode identificar-se um fluxo de conhecimento bastante simplificado em que há passagem bi-direccional de conhecimento entre a organização e os seus colaboradores, e há passagem de conhecimento da organização para os novos colaboradores. A passagem de conhecimento para os novos colaboradores tem um auge na altura em que estes se juntam à organização. Contudo, a intensidade desse fluxo vai diminuindo, sendo quase nula nalgumas organizações. Isto significa que, para os colaboradores em geral, embora esse fluxo exista, ele não é significativo. Assim como não é também significativo o fluxo que ocorre entre os colaboradores e a organização.
Saber qual a causa e qual a consequência é um pouco discutir o ovo e a galinha. Se os colaboradores não alimentam a organização com o seu conhecimento, esta não os pode alimentar. Por sua vez, se a organização não os alimenta, os colaboradores dificilmente se sentirão tentados a premiá-la com o seu saber.
Há então que tentar quebrar este ciclo vicioso reduzindo o esforço inicial de familiarização a novos colaboradores, introduzindo-os rapidamente numa situação normal de fluxo intenso de conhecimento entre a organização e os colaboradores e vice-versa.
O papel de mordomo de conhecimento
Esta iniciativa tem de partir da organização que deve, antes de mais, reunir um conjunto de infra-estruturas para que esse fluxo tenha lugar. Essas infra-estruturas podem ser tão simples como colocar máquinas de café entre pisos, organizar encontros informais para discussão de assuntos de interesse geral, criar as páginas amarelas da organização, permitir listas electrónicas de discussão, etc..
Para além disto, as organizações podem optar por criar o papel de Mordomo de Conhecimento. O mordomo de conhecimento será o indivíduo responsável por capturar o conhecimento tácito e explícito que os colaboradores possuem, registá-lo e guardá-lo da forma mais adequada, torná-lo acessível, e informar da sua existência.
Uma questão que se coloca, porém, é quem devem ser os mordomos de conhecimento numa organização.
Quem devem ser
Sem dúvida alguma que estes indivíduos têm de reunir uma série de características: honestidade, sensibilidade, simpatia, abertura, etc.. Contudo, uma questão se levanta: devem os mordomos de conhecimento ser encontrados entre os actuais colaboradores da organização, devem ser novos colaboradores, ou devem ser pessoas contratadas (a título individual ou como elementos de uma consultora, por exemplo)?
Devo dizer que não tenho uma resposta, mas foi-me colocada esta questão há pouco tempo e pesando os pós e os contras de cada uma das opções cheguei àquilo a que apenas chamo “a minha opinião”.
Uma das vantagens de atribuir este cargo a um actual colaborador é o facto de ele já conhecer a identidade da organização e as pessoas que nela trabalham. Isso evita um trabalho inicial de familiarização e permite uma abordagem personalizada a cada indivíduo. Contudo, esta vantagem é também a sua maior desvantagem: ao conhecer a organização, é difícil a abstracção necessária para identificar problemas e falhas, e o conhecimento que existe mas que não reside na memória organizacional. Uma outra desvantagem é a probabilidade deste mordomo ser visto como uma ameaça pelos companheiros. Para muitos, este colega poderá apenas estar a “roubar” o conhecimento que lhes pertence, podendo mais tarde vir a usá-lo em seu proveito para progressão na organização.
Pensando no caso de um novo colaborador, eliminamos o condicionalismo causado pelo conhecimento da organização. Porém, deixamos, também, de ter as vantagem que traz. Mas, para além disso, o novo colaborador vai chegar à organização e, para que não caia rapidamente na situação anterior, não vai passar pelo habitual processo de introdução. Vai tornar-se um colaborador que não partilha todos os valores e a cultura da organização, e que aos poucos se irá tornar num colaborador actual “desenraizado”.
Finalmente, considerando o caso de um indivíduo externo contratado para essa função específica, temos uma situação em que a pessoa não conhece os colaboradores e, por isso, não sabe como os abordar. Contudo, é uma pessoa externa, que geralmente é vista com respeito (assim seja entendida a sua função) e que não está condicionada por tempo de trabalho na organização. Os colaboradores tendem a ceder o conhecimento que possuem sem medo deste ser “roubado” pelo seu interlocutor. As desvantagens principais desta situação são o custo mais elevado e o curto espaço de tempo durante o qual a pessoa fica na organização.
Conclusões
Pesando tudo isto, sinto-me inclinada a pensar que a terceira situação, em que a organização contrata alguém externo, é a preferida. Se uma organização está verdadeiramente empenhada em recolher o conhecimento dos seus colaboradores para o fazer circular, o custo mais elevado desta opção não deverá ser obstáculo. Além disso, embora os mordomos externos estejam na organização por pouco tempo, é possível garantir que eles recolhem o conhecimento vital e que abrem as portas para que alguém, interno à organização, possa prosseguir sem correr o risco de matar a iniciativa à nascença.
Para terminar, devo dizer que rejeitaria por completo a hipótese de um mordomo de conhecimento ser identificado num novo colaborador, mas não deixaria de considerar um colaborador actual.