Gestão de Conhecimento no Sector Financeiro

A última vez que a revista Knowledge Management resolveu avaliar o progresso da GC no sector financeiro, em Setembro de 2000, era aparente que a indústria em geral estava atrasada comparativamente ao passo marcado pelas organizações noutros sectores económicos. Como Robert Taylor, director de soluções da Unisys, disse na altura: “Poucas instituições financeiras lançaram programas sérios de GC. Das que o fizeram, a maioria está nos primeiros estádios, e o seu enfoque tende a ser infra-estrutural e não estratégico.” Exactamente um ano depois, e à luz de um inquérito aprofundado sobre a GC no sector financeiro efectuada pela Chartered Institute of Bankers (CIB) and Xerox (“Winning through knowledge” na Financial World, Março 2001), é talvez uma boa altura para ver até onde a indústria evoluiu.

Inevitavelmente há excepções à regra, e certas instituições financeiras tiveram excelente desempenho no campo da gestão de conhecimento, liderando não só os seus parceiros mas também a maioria das organizações a operar fora do mercado financeiro. Mikko Arevuo, director da Delta Strategies, é um entre os muitos participantes deste mês a elogiar o trabalho pioneiro da Skandia, e em particular Leif Edvinsson, actualmente director do capital intelectual dessa empresa global de seguros. “O Intellectual Capital Navigator da Skandia foi a ferramenta pioneira para identificar, gerir e medir o mundo dos bens intangíveis e geradores de valor de uma organização”, diz Arevuo. Como a Skandia, também o World Bank, a outra única instituição financeira, apesar de não orientada ao consumidor, a entrar na lista das dez Mais Admiradas Empresas do Conhecimento da Teleos, é também reconhecida como sendo um líder na área. Ao mesmo tempo, Richard Cross, activista de conhecimento e director da Xerox Industry Solutions and Services, acredita que a IQ Port, o Knowledge Exchange proveniente da unidade de desenvolvimento de e-comércio da NatWest, foi e ainda é um conceito excepcional.

É difícil, sugere Arevuo, nomear um líder claro no campo da gestão de conhecimento, já que o sector financeiro é composto por numerosas entidades operando em negócios que vão desde os ciber-bancos, a empresas de gestão de investimento institucional, a “supermercados” financeiros, todas com programas e prioridades diversas no que diz respeito à GC. Contudo é também aparente que, à parte destas poucas notáveis excepções, a maioria das instituições financeiras ainda têm um longo caminho a percorrer nos seus esforços de GC. Taylor reafirma o que tinha dito: que o sector financeiro se encontra atrás de outras indústrias. Isto é suportado por Dilip Bhatt, consultor principal na ICL: “Motivações como a de responder às expectativas dos clientes da idade digital tomaram conta de todo o enfoque e esforço organizacional. Depois de completada a consolidação post-merge, as motivações de mercado e do consumidor vão forçar os bancos a oferecer serviços de alto valor. Contudo, ainda há um longo caminho para andar.” E enquanto que o relatório da CIB/Xerox descobriu que as companhias de seguros lideram o caminho da GC na indústria financeira, Nick Allen, consultor executivo na MMT Management Consultancy, viu poucas provas de que a GC tenha feito qualquer impacto significativo nas empresas seguradoras, embora ele mantenha que as mudanças nas estratégias de negócio estão a gerar cada vez mais discussão sobre gestão de conhecimento.

Não está ainda bem claro porque é que isso acontece num mercado tão dependente dos intangíveis. Como Taylor refere, o sector financeiro é uma indústria de IT e pessoas, por isso há imenso potencial para a GC. Contudo, há a opinião unânime que a adopção da GC tem sido marcadamente mais lenta no sector financeiro do que em muitas outras indústrias. Marcus Speh Birkenkrahe, gestor de conhecimento na Shell Finance Services, acredita que isto se deve em parte à ênfase reduzida na pesquisa e desenvolvimento no sector financeiro, que tem muitas vezes facilitado a adopção da GC noutras indústrias. Isto é ecoado por James Digges, consultor executivo da KPMG Consulting, que também culpa a falta de processos end-to-end bem definidos, comparados por exemplo com a indústria de manufactura, aliada à uma dependência exagerada na TI. Também parece haver uma confusão endémica sobre o que a GC realmente significa no sector financeiro, como Digges, Cross e Ibrahim Gogus, director da gestão de conhecimento na Oracle, referem. Como Gogus diz: “Porquê arriscar mudar processos de negócio, estruturas organizacionais e sistemas de legacy bem estabelecidos, que funcionaram bem durante décadas, sem especificar benefícios tangíveis? Organizações noutras indústrias intensivas em conhecimento, especialmente empresas de serviços profissionais, foram capazes de soletrar os benefícios tangíveis da GC e concretizá-los muito mais depressa.”

Considerando os potenciais benefícios que a GC tem para oferecer ao sector financeiro, é duplamente estranho que as instituições financeiras não liderem em termos de implementação de GC. A lista de benefícios sublinhados pelo inquérito da CIB/Xerox é encabeçada por “melhor aconselhamento e maior satisfação do cliente”, seguida pela capacidade de ultrapassar problemas causados por “demasiados formatos” e “nenhum repositório para toda a organização”. Como Speh sugere, isto suporta a ideia de que as definições da GC no sector financeiro são confusas, particularmente quando toca à diferença entre gestão de conhecimento e à gestão documental. De igual forma, parece que as instituições financeiras estão a falhar no estabelecimento de uma ligação entre as forças motrizes da indústria (identificadas por Gogus como “globalização, consolidação, eficiência operacional, lidar com os concorrentes, foco nos clientes, e canais e produtos alternativos”) e as oportunidades que um programa eficaz de GC pode oferecer. E mesmo assim a promessa da GC permanece tão viva para as instituições financeiras como para as organizações a operar noutras indústrias. Digges, por exemplo, lista a “redução de custos” (através da melhoria de processos e da redução de custos por mudança de pessoal); “criação de valor” (reduzindo a quantidade de tempo necessário para os empregados reaprenderem lições documentadas, e através da melhoria de relações com os accionistas); e “aumento de receitas” (na medida em que o conhecimento da empresa pode ser facilmente empacotado e vendido), como os potenciais benefícios chave da GC.

Talvez a relutância relativa do sector financeiro em abraçar a GC possa ser explicada pelos problemas específicos que os praticantes da GC têm de ultrapassar. Cross, por exemplo, mantém que a GC ainda está para conquistar a imaginação (e o dinheiro) dos executivos seniores, enquanto Allen sugere que a maior dificuldade reside na quebra das tradicionais barreiras culturais à partilha de conhecimento que ainda existem na indústria. Segundo Arevuo, isso é reflectido pela continuada ênfase, em muitas áreas da operação financeira, nos resultados individuais e nos resultados das equipas. “Entre em qualquer sala de negociação ou mesmo no escritório de um fiscal na altura do bónus anual, e irá perceber que os heróis são individuais, não colectivos”, diz ele. Na mesma linha, Bhatt acredita que os bancos, em particular, necessitam promover uma visão corporativa única de clientes individuais. O nível de fragmentação actual no que respeita a isso torna a venda cruzada extremamente difícil ao mesmo tempo que, na opinião de Bhatt, o conflito cultural e organização causado pela fusão ou take-over apenas agrava o problema. No topo disto, como Digges afirma, muitas organizações no sector financeiro também têm de lidar com os problemas colocados pela ligação de numerosas pessoas geograficamente dispersas, bem como numerosas restrições relacionadas com a partilha de conhecimento colocadas por regulamentações e questões de confidencialidade.

Segundo Arevuo, para que a gestão de conhecimento tenha um verdadeiro impacto, o ónus deve ser da gestão de topo para iniciar uma iniciativa de mudança bem programada. “Esta tem de tornar claros os benefícios de uma organização que partilha conhecimento: a partilha de conhecimento aumenta a vantagem competitiva; aumenta a eficácia de custos; leva a crescimento pessoal; e, sim, a partilha de conhecimento será um critério para avaliação de desempenho na altura de atribuição de bónus,” diz ele. Speh sublinha um conceito semelhante, onde para que a GC crie raízes na organização, a empresa deve lutar para criar um ambiento rico em conhecimento que ofereça oportunidades únicas para o crescimento pessoal e de lealdade. “Dificilmente há um lugar melhor para trabalhar do que um onde eu sinta que o meu conhecimento é querido e necessário, e da mesma forma, onde eu possa aprender porque tenho acesso à experiência e ao conhecimento de outros”, diz ele. Além disso, Speh acredita que as instituições financeiras devem focar mais directamente no cliente se quiserem ultrapassar as barreiras à GC: “Oferecer um serviço não é suficiente; o enfoque no produto não é suficiente; uma forte infra-estrutura de TI não é suficiente. O maior desafio advém dos clientes.” Isto é ecoado por Gogus que sugere que, ao focar mais no cliente, os organizações financeiras serão capazes de ultrapassar obstáculos de partilha de conhecimento que se levantam por estarem organizadas de forma mais tangível por produto, região ou unidade de negócio.

Como sempre, a tecnologia também tem um papel a desempenhar, contudo, uma vez mais, é consensual que demasiado enfoque foi dado às ferramentas de TI como representando uma cura para todos os males. “A implementação de TI no sector financeiro é provavelmente maior que em outras indústrias, mas não conseguiu juntar a indústria e os seus clientes,” diz Allen. “Houve um grande hype, mas não houve resultados tangíveis.” A verdadeira mudança, como diz Gogus, está no uso desta tecnologia para resolver reais problemas de negócio. Para isso, Speh acredita que o uso de taxonomias e uma boa arquitectura de informação são cruciais, enquanto o conteúdo é a chave para atrair e reter utilizadores do sistema de GC. Actualmente, de acordo com Cross, muitas das empresas a vender soluções de gestão de conhecimento fazem pouco mais do que construir sistemas para distribuição de informação. Mesmo assim, argumenta ele, serão as tecnologias que oferecem uma distribuição mais eficaz e eficiente de conhecimento (e não de informação) que irão vencer: “No mundo financeiro não devemos pensar que a solução está no digital. O trabalho do conhecimento é geralmente não estruturado, imprevisível, ad hoc, colaborativo e contextual. Mais do que nunca haverá necessidade de perícia na combinação, interpretação, chegada a conclusões e tomada de decisão baseada em informação de múltiplas fontes. Sensemaking e o trabalho de conhecimento é fundamentalmente um processo social. As tecnologias que nos ajudam a ser mais produtivos em situações colaborativas, ao invés de aumentar o intelecto individual, deveriam dominar.”

Talvez o maior perigo no progresso da gestão de conhecimento no sector financeiro é a continuada confusão sobre o que GC realmente significa. Por exemplo, como Cross diz: “Historicamente, o sector parece ter estado mais à vontade ao focar na tecnologia em vez de focar nas algo intangíveis e culturais implicações da GC.” Um recente inquérito da IDC estimava que os gastos em sistemas de GC no sector bancário Europeu iria crescer de $155.4 milhões este ano para $511.4 milhões em 2004 enquanto que o relatório da CIB/Xerox previa que um “crescimento exponencial em bases de conhecimento partilháveis parece provável”. Embora estas descobertas não sugiram por si só que as instituições financeiras estão a desenvolver um melhor entendimento sobre a GC – de facto, quase de certeza o oposto – parece ainda assim que o interesse e o empenho na gestão de conhecimento está a aumentar no sector financeiro. Cross, por exemplo, refere uma conferência recentemente organizada pela Xerox onde Lucia Dore, editora do relatório da CIB/Xerox, foi convidada a falar. A conferência, diz Cross, estava totalmente lotada – só havia lugares de pé. E como Taylor explica, em certa medida o único caminho possível a partir daqui é para cima: “Estamos tão em baixo que estou certo que o sector apenas poderá beneficiar mais da GC no futuro.”

(Texto originalmente publicado na revista Knowledge Management. Tradução de Ana Neves.)

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