Reflexões sobre Estratégias de Gestão de Conhecimento e e-Business nas Grandes Organizações: das Velhas Burocracias às e-Burocracias

As estratégias de Gestão de Conhecimento e e-Business que se estão a desenvolver na maioria das grandes organizações apontam para uma transformação do modelo de negócio e convidam os seus membros a mudar, partilhar conhecimento e a relacionarem-se entre si (E2E) e com a empresa (B2E), bem como com os clientes (B2C), e fornecedores e parceiros (B2B) através da Internet. A Internet e as novas tecnologias de informação e comunicação são fundamentais e fala-se de teletrabalho (e-work), e-learning e comércio electrónico (e-commerce). Iniciam-se alguns projectos estratégicos de mudança, mas ainda a procissão vai no adro. Os velhos e pesados dinossauros continuam a mover-se com demasiada lentidão e não são capazes de mudar ao ritmo ou à velocidade que se exige nesta era da Internet.

As tecnologias de informação trouxeram-nos a informatização das organizações e a melhoria dos processos, mas poucas coisas mudaram na estrutura organizacional e de comunicação das grandes organizações. A convergência das tecnologias da informação e da comunicação e o desenvolvimento da Internet trouxeram-nos a ‘webização’ e/ou a ‘Internetização’ das organizações, uma melhoria nas comunicações e uma maior facilidade de acesso à informação. Mas, mais uma vez, poucas coisas estão a mudar. As velhas burocracias tornaram-se e-burocracias mas continuam a ser burocracias. E de facto, ainda que apostando na gestão de conhecimento e no desenvolvimento de estratégias de e-business e transformação do modelo de negócio, as estruturas organizativas e relacionais destas grandes organizações continuam a ser desnecessariamente hierárquicas e burocratizadas. Salvo raras excepções, ainda persistem os modelos ‘tayloristas’ na sua forma de agir, organizar, comunicar, etc.. Ainda existe na maioria das organizações, apesar de estarmos na era da informação e do conhecimento, uma cultura organizativa muito burocratizada, departamentalizada, e baseada na desconfiança. Este contexto organizacional e cultural não contribui, de forma alguma, para a criação de conhecimento e/ou desenvolvimento pessoal, profissional ou organizacional. Ao invés, contribui para a criação de barreiras e obstáculos à aprendizagem, à inovação, e à criatividade. As novas formas de liderança, baseadas no conhecimento e na confiança, o trabalho em equipas pluri-disciplinares, e a implantação de novos modelos organizacionais baseados no poder dos projectos e na valorização das estruturas profissionais e de processos continuam a ser a grande mudança pendente nestas grandes organizações.

Estas, na maioria dos casos, ignoram e desperdiçam o conhecimento organizacional e o talento dos seus membros. Essa cultura encontra-se muito longe dos modelos das organizações aprendentes e do conhecimento, bem como das culturas organizacionais inovadoras que propiciam a criatividade e o desenvolvimento organizacional, pessoal e profissional dos seus membros no seio da organização e, definitivamente, o talento individual e colectivo. É também, curiosamente, essa a cultura organizacional que possuem, transmitem, e reproduzem, criando assim uma espécie de ambiente melancólico, que bloqueia e inibe a mudança.

Os discursos e as práticas

São as camadas directivas que continuamente pedem mudança, dizem aos seus membros que devem mudar, e desenvolvem enormes programas e projectos estratégicos de mudança. O engraçado da questão é que, depois, não tocam e não intervêm na cultura organizacional. Apregoam e realçam a importância do talento (individual e organizacional) como o elemento-chave e diferenciador na sustentação das vantagens competitivas da organização, mas não criam as condições favoráveis e sistemas de recompensa para que esse talento e conhecimento tácito surja.

Conservam as estruturas burocratizadas, ainda que um pouco menos; hierarquizadas, ainda que também um pouco menos; e as tradicionais formas de entender e fazer as coisas, ainda que também com ligeiros retoques. Por exemplo, introduzem e generalizam o uso do correio electrónico e os fóruns de debate virtual, disponibilizam a Internet, portais, canais, etc., onde podem encontrar e partilhar informação, nas continuam sem remover as barreiras organizacionais à aprendizagem e à mudança. Isto é, as velhas burocracias convertem-se em ‘e-burocracias’ mas continuam a ser burocracias.

E, ao conservarem tudo isto, é também isto que ensinam aos seus membros, convertendo-se, assim, na sua aprendizagem organizacional e na forma como entendem a organização. Assim, e porque a aprendizagem organizacional está associada à capacidade de mudança e transformação da organização, mudam pouco porque aprendem pouco e/ou mais do mesmo.

Estratégias de câmbio e aprendizagem organizacional

A questão em debate será se estas estratégias de mudança evolutiva e de aprendizagem adaptativa que comportam mudanças de reduzida envergadura na organização, ou pequenos ajustes no comportamento organizacional, e que não implicam o repensar das ‘teorias organizacionais em uso’ ou os pressupostos básicos que orientam a actividade organizacional, são as mais indicadas para a transformação destas grandes burocracias e para o desenvolvimento da aprendizagem e do talento dos seus membros, ou se, pelo contrário, se deverá adoptar uma estratégia de mudança meramente evolutiva e de aprendizagem generativa que provocaria necessariamente um repensar das teorias organizacionais e, consequentemente, mudanças profundas no comportamento organizacional.

Convém avisar que não se traria tanto de realizar mudanças revolucionárias, ainda que o pudesse parecer. Seria antes, perante as estratégias de mudança evolutiva e aprendizagem adaptativa que estão a surgir na maioria das grandes organizações (do meu ponto de vista, uma forma lenta de entender a mudança e as aprendizagens que não sei se serão possíveis na era da Internet) esboçar ou sugerir para reflexão e debate uma alternativa de mudança “não meramente evolutiva e de aprendizagem generativa”. Esta alternativa envolveria necessariamente o repensar das “teorías organizativas em uso” e, consequentemente, mudanças profundas no comportamento organizacional.

Isto não significa que toda a estrutura hierárquica das velhas burocracias deva desaparecer, nem muito menos a hierarquia. Esta irá sempre existir mas de forma diferente. Como defendem alguns autores, nas empresas do futuro a hierarquia deverá ser necessariamente multiforme, isto é, terá diversas formas, e não depender só do organigrama. Alguns gurus definem-nas como empresas heterárquicas, isto é, organizações com hierarquias de classes diferentes.

A verdade é que, se virmos bem, todas as organizações têm três estruturas ou sistemas que se sobrepõem. A posição que se vê nos organigramas da empresa, a profissional que nos oferece informação sobre as capacidades dos empregados, e a estrutura de processos que nos revela o que está a acontecer através de projectos e actividades.

O problema da maioria destas velhas burocracias é que apenas se reconhece hierarquia na estrutura de posição e não na profissional nem na de processos. Dependendo do lugar que se ocupe no organigrama ter-se-á mais ou menos obsessão pelo saber e pelo controlo. E este é o grande erro histórico, sobretudo das grandes das organizações, porque tendem a burocratizar-se, departamentalizar-se e a introduzir rigidez nos processos de mudança e, consecutivamente, barreiras à aprendizagem organizacional.

Não devemos esquecer que aprender é mudar. Toda a aprendizagem pressupõe uma mudança e vice-versa. Mas nem todas as mudanças equivalem à mesma aprendizagem, da mesma forma que nem todas as aprendizagens equivalem à mesma mudança.

A estratégia de mudança evolutiva e aprendizagem adaptativa que se está a levar a cabo na maioria das grandes organizações e/ou velhas burocracias é, do meu ponto de vista, errada e inadequada porque insiste no erro histórico de reconhecer hierarquia apenas na estrutura de posição. Isto é mais do mesmo. Por isso, e ainda que os líderes formais apelem à mudança e/ou à transformação para o futuro, nas estratégias de e-business que muitas delas estão a desenvolver, pouco vão mudar ainda que os seus membros comecem a fazer as coisas de outra forma, bem como a relacionar-se entre si, com os seus clientes e com os seus fornecedores através da rede.

Novos protagonistas: os trabalhadores do conhecimento

A estratégia de mudança que definia como “não meramente evolutiva” e de aprendizagem generativa deve intervir obrigatoriamente na estrutura de posição, isto é, na hierarquia e no peso do organigrama na organização. Tanto o organigrama como os directores ou líderes formais, ainda que continuem a desempenhar uma função essencial, já não devem ser os únicos actores, protagonistas ou estrelas. Agora, nas empresas do século XXI, existem outros protagonistas, ou melhor dizendo, co-protagonistas. São os trabalhadores do conhecimento, líderes informais, líderes emergentes estreitamente ligados às estruturas profissional e processual.

Como defende a maioria dos gurus da gestão, perante a crescente complexidade do panorama do conhecimento, é necessário reforçar o poder das estruturas profissionais e de processos. As empresas em geral, e as grandes empresas em particular, necessitam de líderes de projectos mais fortes, além de campeões intelectuais com suficiente poder.

Contudo, como também defendem alguns autores, temos que ser prudentes e muito cuidadosos para não passar da burocracia à ad-hocracia ou à meritocracia, tentando encontrar um sábio equilíbrio entre as três estruturas hierárquicas e o poder. Isto é o que alguns visionários chamam de empresas heterárquicas, e esta é a mudança “não meramente evolutiva” a que me referia. Quem sabe se a única capaz de produzir aprendizagens generativas na organização, derrubando as barreiras actuais para a aprendizagem organizacional e para a gestão de conhecimento, e acelerando o processo de mudança e transformação para ganhar no futuro e manter a liderança na nova economia.

(Originalmente publicado em http://www.gestiondelconocimiento.com/. Reproduzido com autorização. Tradução de Ana Neves.)

1 comment

  1. José Pereira 10 Novembro, 2010 at 10:48 Responder

    Bom dia,

    Gostei do seu artigo. Em duas palavras Inovação/Gestão.

    José Pereira

    Formado em Alta Direcção em Administração Pública

    Mestrando em Administração e Hestão Pública – Univ Aveiro

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