Desmistificando a Gestão do Conhecimento: quem deve comprar Livros e frequentar Cursos de Gestão do Conhecimento?

Recentemente estive conversando com um empresário proprietário de uma editora de renome, que me disse que embora esteja muito interessado em publicar livros sobre gestão do conhecimento, este tipo de publicação desperta ainda pouco interesse do público. Na opinião dele, isso ocorre porque os profissionais não se identificam com o tema e com o problema. Para ele, muitas pessoas imaginam a gestão do conhecimento como algo distante da realidade de trabalho, não sendo responsabilidade delas aprender sobre o assunto. Rapidamente percebi o quanto isso pode ser prejudicial à expansão e aplicação das práticas de gestão do conhecimento nas empresas.

Desde então, passei a observar, pesquisar e conversar com outras pessoas sobre este assunto. Cheguei à conclusão que realmente muitas delas acabam entendendo a gestão do conhecimento como um tema meramente de interesse e responsabilidade do pessoal da área de informática. Certamente, a própria atuação mais agressiva da indústria de software colabora com a construção deste cenário.

Toda a agressividade de marketing focada no pilar tecnologia de informação (T.I.), embora necessária, por sua alta freqüência, acaba disseminando a gestão do conhecimento como um assunto de interesse apenas dos CIOs, diretores e gerentes de informática, logo, como um desafio empresarial a ser superado pela área de tecnologia de informação. Além do foco das empresas de software privilegiar predominantemente os gerentes e diretores de T.I., estes esforços repetitivos são facilitados e alavancados pelo alto volume de dinheiro que esta indústria destina a eventos que promove, campanhas publicitárias, web sites e revistas especializadas, fazendo com que alguns conceitos amplos e corporativos, se propaguem muito rapidamente, ganhando contextos absolutamente limitados, como é o caso da gestão do conhecimento quando é vista como um fim da T.I..

Na oportunidade, disse aquele empresário que a responsabilidade dos editores, professores, escolas, editoras, consultores, autores e profissionais em geral, é muito grande em relação ao esclarecimento sobre a gestão do conhecimento, pois o prejuízo da desinformação a esse respeito pode ser irreparável. Disse ao empresário que a má interpretação do conceito gestão do conhecimento, a baixa compreensão de sua extensão e benefícios, além das ofertas promovidas pela indústria de software que tendem a influenciar a compreensão de gestão do conhecimento como um mero pilar da tecnologia da informação, deturpando seu significado real, são os maiores responsáveis pela baixa criação de identidade pessoal e vinculação profissional de responsabilidade para com o tema.

Além de motivar iniciativas de gestão do conhecimento totalmente isoladas conduzidas pelos departamento de T.I., esses fatores também influenciam o comprometimento das pessoas em geral, o interesse pela pesquisa, pela busca e pelo aperfeiçoamento em gestão do conhecimento, afetam os resultados e a adoção de iniciativas de gestão do conhecimento nas empresas, além de influenciar negativamente os índices de vendas de livros e cursos de gestão do conhecimento, cuja clientela maior, predominantemente, passa a ser formada por gerentes e pessoas envolvidas com tecnologia da informação.

Quanto mais me aprofundo no estudo do tema gestão do conhecimento, mais me convenço tratar-se de uma orientação estratégica e competitiva e não somente um conjunto de itens do Plano Diretor de Informática. Lamentavelmente, se os funcionários das empresas não estiverem sensibilizados e conscientes de suas responsabilidades individuais em relação a gestão do conhecimento e não forem preparados para ela, isto será igualmente prejudicial à gestão do conhecimento, às companhias e a eles próprios.

De modo algum quero parecer contrário a esta disseminação agressiva, pois além de ser estratégica para a indústria de software, é também necessária e útil às empresas em geral. O fato é que se somente as pessoas envolvidas com T.I. estiverem sensibilizadas e preocupadas com gestão do conhecimento, certamente não veremos seus frutos e ela nunca ocorrerá de fato.

A intenção deste artigo, assim como do meu livro (ainda em revisão), é sensibilizar as pessoas em todos os níveis da empresa, sobre a responsabilidade e atuação em gestão do conhecimento. Nele afirmo repetidas vezes que a gestão do conhecimento é responsabilidade de todos na empresa e que principalmente os gerentes devem se comprometer com ela. Tento desmistificar o fato de que gestão do conhecimento só se faz com tecnologia de informação. Evidentemente trato os investimentos em tecnologia da informação como um passo essencial, contudo, sempre tomo o cuidado de dizer que não é o único passo importante. Neste livro, tenho o cuidado em mostrar iniciativas simples, implementadas com uso zero da tecnologia da informação.

Procuro mostrar que a gestão do conhecimento se estende a retenção dos talentos, à gestão de competências, à gestão da cultura organizacional, a gestão de idéias e inovação, a gestão da transparência e da visibilidade externa do conhecimento, a gestão de atração dos melhores talentos, todas funções gerenciais essências de gestão do conhecimento, e que em sua maioria, dispensam ou dependem pouco da tecnologia da informação.

Por tratar-se do ativo mais importante das companhias, todos os funcionários deveriam se preocupar em gerir o conhecimento, não sendo necessário explicar que só o conhecimento das pessoas pode garantir a competitividade e a sobrevivência às empresas. Todos deveriam se informar e praticar a gestão do conhecimento. Toda orientação e atuação em gestão do conhecimento é de responsabilidade dos executivos, diretores e gerentes em geral e deve despertar a atenção dos CIOS e CKOs, diretores de RH e de todos os profissionais da área de recursos humanos, profissionais da área de informática, pessoal de intenso relacionamento com clientes e fornecedores, pessoal da área de compras, inteligência competitiva, departamento financeiro e contábil, marketing, vendas, treinamento, além de outros profissionais e áreas da companhia.

Além disso, dentro do conceito de empregabilidade, acredito que muito em breve, as habilidades de gerenciamento do conhecimento serão as mais valorizadas quando das contratações. Isso é muito natural, pois com o reconhecimento cada vez maior do valor do conhecimento pelas empresas, a eficácia em saber geri-lo se tornará qualidade fundamental e vital, e será condição “sine qua non” tanto para a competitividade e sobrevivência das empresas quanto para obtenção e garantia de trabalho futuro das pessoas.

Por repetidas vezes, vimos grandes grupos de pessoas desempregadas e sem condições de retornar ou ocupar postos de trabalho, surpreendidos por sucessivas mudanças de alto impacto. O próximo grande grupo de pessoas sem emprego, possivelmente será constituído por pessoas sem competências para gestão dos ativos intelectuais e sem habilidades necessárias ao gerenciamento eficaz dos ativos intangíveis das empresas.

Não quero dizer com isso, que daqui a algum tempo deixaremos de gerir os recursos tangíveis das empresas. Eles certamente continuarão sendo importantes e merecedores de toda a atenção. O que ocorrerá é que pessoas deverão desenvolver novas habilidades ligadas agora a gestão do conhecimento (recursos intangíveis), e não poderão deixar de se aprimorar na prática da gestão dos recursos tangíveis.

Nesse mesmo contexto de relevância, enfatizo o importante papel do líder e sua função no engajamento de toda força criativa disponível nas ações e práticas de gestão do conhecimento, de manter e exigir a coerência entre o discurso e a prática de gestão do conhecimento, não abrindo mão deste comportamento exemplar em seu time. O líder da empresa do conhecimento deve criar, disseminar e conquistar uma cultura amiga do conhecimento e deve acreditar que as práticas de gestão do conhecimento podem fazer com que pessoas “comuns” passem a gerar resultados extraordinários. Deve estabelecer percepção generalizada de valores estratégicos e competitivos a partir do conhecimento. Deve fazer com que seus colaboradores, em todos os níveis da organização, passem a enxergar o aprendizado não como uma etapa da vida e sim como um modo de vida. E deve procurar impregnar em seus gerentes que antes do melhor software, os maiores aliados da gestão do conhecimento são a postura, a coerência, o respeito, as atitudes favoráveis e a própria estratégia do conhecimento.

É preciso entender e desejar que a gestão do conhecimento seja uma postura e prática generalizada. Compreender que a gestão do conhecimento necessita e é, ao mesmo tempo, um modo novo de ver e conduzir a empresa. Seus gerentes e funcionários devem aprender a ver a empresa, o mercado e todos os stakeholders a partir dos óculos da gestão do conhecimento e não mais somente sob as “lentes” da gestão dos ativos tangíveis tradicionais. A gestão do conhecimento não é, portanto, um projeto. Mais que isso, é uma maneira nova de olhar e conduzir a empresa.

Do lado das pessoas e principalmente dos gerentes, estes devem constantemente se perguntar: Como podemos ganhar mais dinheiro a partir do que sabemos? O que nossos clientes gostariam que soubéssemos? O que eles esperam do nosso conhecimento? Como poderíamos rentabilizar o conhecimento da empresa através de uma abordagem mais competitiva e humana do capital intelectual?

Estímulo à força inovadora, estratégia competitiva baseada no conhecimento, compartilhamento do conhecimento tácito e criação, um ambiente favorável ao conhecimento, embora sejam todos tão importantes a maioria das empresas e a própria gestão do conhecimento, em que eles dependeriam da melhor tecnologia da informação? Se a resposta for “em tudo”, isso é o mesmo que afirmar que uma pequena empresa que não possui uma rede, vários sistemas de informação e uma intranet não conseguiria praticar a gestão do conhecimento! E isso não é verdade. Concorda? Ela morreria se não fizesse sua gestão do conhecimento. Se ela vive é porque de algum modo, algum conhecimento é gerenciado.

A verdade, embora contrarie alguns, é que o enfoque da gestão do conhecimento seja, muito menos tecnológica e muito mais pessoal, variando percentualmente pouco entre empresas diferentes. Certamente, em companhias de médio e grande porte, a tecnologia da informação assume um papel fundamental, mas não é o único passo, como mencionei anteriormente. O sucesso de um passo em direção a tecnologia da informação depende de outros três ou mais passos em direção às pessoas.

A verdadeira prática de gestão do conhecimento está contida generalizadamente nos pequenos gestos e posturas, incorporada à cultura organizacional, incrustada nas práticas e posturas gerenciais, presente na coerência e atitudes, nas políticas de retenção, atração, motivação, reconhecimento e contratação de talentos, nas políticas sociais e de convivência com os recursos humanos, além de muito bem alinhada com planos de capacitação e pactos de aprendizagem.

Simplesmente passar a tratar o departamento de Recursos Humanos como área de “Talentos Humanos”, em síntese, não representa absolutamente nada. Comprar o melhor software do planeta de colaboração é essencial, más não basta. Isso porque a gestão do conhecimento não é algo que se compra e sim algo que se constrói. A gestão do conhecimento não se interrompe ou fica fora de operação quando a energia elétrica acaba. Ela não se anula ou extingue com a queda da rede de computadores. A gestão do conhecimento não deixa de existir e produzir seus frutos quando se encerra o expediente da empresa. A gestão do conhecimento genuína é muito forte.

Muito mais que o vislumbrado até agora, a gestão do conhecimento na empresa é fruto da adoção em todos os níveis, do porteiro ao presidente, de posturas coerentes, de um conjunto práticas e ações compatíveis e um compromisso contínuo com a aprendizagem e o ensino constante.

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