O que é Conhecimento

O presente artigo propõe uma visão de Conhecimento que tenta, por um lado, ser conceitualmente consistente e, por outro, facilitar as discussões decorrentes, tais como aquelas referentes a Conhecimento tácito e explícito, Conhecimento coletivo, Conhecimento nas organizações, etc.. Como usual, ele parte dos conceitos de Dado e Informação.

Dado

É qualquer registro ou indício relacionável a alguma entidade ou evento.

  • “registro ou indício”: um Dado não é, necessariamente, resultado de uma intenção de registrar alguma coisa – o som produzido por um fenômeno natural, uma pegada, a sombra de um objeto, podem ser Dados.
  • O registro ou indício não precisa ser físico – uma imagem ou um valor guardados na memória de uma pessoa podem ser Dados.
  • “entidade” está representando qualquer coisa, concreta ou abstrata, sejam objetos, entes, idéias, fatos, situações, etc.

Exemplo: a Tabela abaixo constitui apenas um conjunto de Dados (supondo que alguém seja capaz de relaciona-los a alguma coisa), pois somente com ela não se pode estabelecer um contexto nem um significado. Podemos até imaginar alguns significados, mas não há como assegurar sua validade.

L Pr DV M P JN
A 10.000 10 6 1866,67 2
B 10.000 5 6 1792,21 3

Informação

É o sentido que um conjunto de Dados tem para alguém. Um conjunto de Dados representa uma Informação, para uma pessoa, quando ela consegue perceber suas relações com outros Dados, que lhe definem um contexto e, ainda, com outros Dados e Informações que já lhe são familiares, lembranças, impressões, experiências, etc., estabelecendo assim seu significado para ela.

  • Informação é uma visão pessoal sobre um conjunto de Dados – as relações percebidas associam ao Dado um significado próprio, na medida em que são específicas para cada indivíduo, pois dependem de suas capacidades e experiências anteriores. Assim, um mesmo conjunto de Dados não gera a mesma Informação para diferentes pessoas. Nos casos mais simples, envolvendo Dados e relações menos complexas, as Informações percebidas por diferentes pessoas poderão ser mais semelhantes. Quanto maior a complexidade da Informação, mais ela dependerá do repertório anterior e da capacidade de cada indivíduo e, portanto, mais pessoal será.
  • Informação é, portanto, a leitura que cada indivíduo faz de um conjunto de Dados, é o significado que lhe atribui ao “internalizar” esses Dados.
  • As relações mencionadas podem ser percebidas intuitivamente, e assim permanecerem, podem ser interpretadas posteriormente, ou podem ser estabelecidas pela reflexão. Em geral haverá uma mistura de todas essas situações. Quando as relações são predominantemente intuídas, e assim permanecem, podemos caracterizar a Informação como tácita. Quando grande parte das relações é determinada conscientemente, ou interpretada intelectualmente a partir da percepção inicial, ela é explicitável. Em geral a explicitação não pode ser total, pois raramente todas as relações serão determinadas ou interpretadas intelectualmente – algumas delas podem permanecer inconscientes ou difíceis de descrever, ou podem estar associadas a impressões, lembranças, etc., também difíceis de verbalizar.

Exemplo: na Tabela acima, se for esclarecido que se trata de uma comparação entre as condições de venda de um produto nas Lojas A e B, incluindo o Preço de Venda, Desconto à Vista, prazo em Meses, Valor da Prestação, Juro Nominal declarado, e se esses termos e conceitos fazem sentido para mim, passo a entender o contexto e o significado dos Dados, que passam a constituir uma Informação para mim. Para uma pessoa não habituada a compras a prazo, os Dados podem fazer menos sentido, não transmitindo a mesma Informação.

Comunicação da Informação

Sabemos que Dados podem transmitidos e recebidos com um grande grau de fidelidade. A comunicação de Dados é algo presente em muitos aspectos de nossa vida diária. E a Informação, pode também ser comunicada?

Se o detentor da Informação for capaz de explicitar a maioria das relações e dos decorrentes significados que estabeleceu na aquisição da Informação, poderá também comunicá-las a outros. Estes poderão assim adquirir uma Informação semelhante, mas certamente diferente da original, não só pelas limitações na explicitação das relações, como também pela impossibilidade de assegurar que as relações estabelecidas tenham o mesmo significado para cada receptor. Essa nova Informação, do receptor, poderá se aproximar daquela, na medida da precisão e abrangência da explicitação, da qualidade da comunicação e da equivalência das experiências pessoais do emissor e dos receptores, relacionadas ou não ao assunto (background geral e específico). Portanto, uma Informação só pode ser objeto de uma comunicação se suficientemente explicitada e, mesmo assim, sem garantias de fidelidade total.

Conhecimento

É a capacidade, adquirida por alguém, de interpretar e operar sobre um conjunto de Informações. Essa capacidade é criada a partir das relações que ele estabelece sobre o conjunto de Informações, e desse conjunto com outros conjuntos que já lhe são familiares (incluindo experiências, impressões, valores, crenças, etc.), que lhe permitem compreende-lo e tirar conclusões sobre ele e a partir dele.

  • É uma capacidade, pois o Conhecimento é dinâmico: quem conhece pode estabelecer novas relações, tirar novas conclusões, fazer novas inferências, agregar novas Informações, reformular significados. Ao exercitar o Conhecimento, ele se consolida e cresce. “Quando o conhecimento para de evoluir, ele se transforma numa opinião ou num dogma (Davenport/Prusak).”
  • As relações podem servir para estabelecer contextos para as Informações, realizar comparações, categorizações, classificações, associações, etc., que definirão sua compreensão e a capacidade operativa sobre elas.
  • Muitos fatores podem influir na facilidade do estabelecimento e na riqueza das relações percebidas: experiência, insight, intuição, raciocínio lógico, etc.
  • Quanto maior o volume de Conhecimentos de alguém, maior sua facilidade de amplia-lo, pois não só partirá de uma base mais rica de Informações e Conhecimentos, aumentando as referências para o estabelecimento de relações, como, provavelmente, conhecerá um repertório maior de relações e estará também mais “treinado” para reconhece-las.
  • Se as relações mencionadas forem predominantemente apenas intuídas, estabelecidas pela percepção e não trabalhadas conscientemente, temos um Conhecimento Tácito.
  • Se grande parte das relações for deduzida conscientemente, ou interpretadas intelectualmente a partir de sua percepção inicial, temos um Conhecimento Explicitável.

Exemplo: com referência à mesma Tabela acima, se tenho Conhecimentos sobre Juros e sobre as práticas usuais no comércio a prazo, sou capaz de interpretar as informações com maior profundidade, por exemplo, deduzindo como cada loja aplica os juros e calculando os juros reais cobrados por cada uma.

Explicitação do Conhecimento

Mais ainda que no caso de Informações, é possível explicitar apenas uma parte do Conhecimento, pois, além das limitações da linguagem verbal, muitas das relações que definem um Conhecimento são apenas intuídas, muitas das Informações que participam das relações também podem ser tácitas ou relacionadas a impressões, lembranças, valores, crenças, etc., aumentando ainda mais a dificuldade da explicitação.

Entretanto, da mesma forma que o método científico utiliza modelos para descrever a Natureza, ciente que está descrevendo uma abstração, uma visão parcial daquela, o Conhecimento explicitado descreve modelos (lógicas, regras, métodos, etc.) que “ensinam” a operar sobre determinados conjuntos de Informações, para obter pelo menos parte dos resultados que o detentor original do Conhecimento é capaz de conseguir a partir delas. Essa explicitação pode ir sendo depurada e desenvolvida, caminhando na mesma direção do Conhecimento original.

Observemos ainda que a explicitação do Conhecimento não o transforma em simples Informação, pois não estamos traduzindo apenas um significado, mas uma capacidade operativa.

Comunicação do Conhecimento

Da mesma forma que no caso da Informação, só um Conhecimento Explicitado pode ser objeto de comunicação, O nível de sucesso no processo de comunicação não será representado pelo grau de semelhança formal entre o Conhecimento original do transmissor e aquele adquirido pelo receptor no processo de comunicação, que não poderia ser medido, mas pelo grau em que esse processo facilite ao receptor o estabelecimento de capacidades operativas semelhantes sobre conjuntos de informações semelhantes, na criação do seu Conhecimento.

A tentativa de comunicar um Conhecimento, mesmo com suas dificuldades e limitações, pode ajudar a desenvolver e multiplicar esse Conhecimento – por um lado, o esforço para sua explicitação e comunicação, e para dar respostas a eventuais dúvidas e questionamentos podem resultar no seu aprofundamento ou refinamento por parte de seu detentor original – por outro, cada receptor, ao adquirir a sua versão daquele Conhecimento, pode também amplia-lo, estendê-lo, etc.

De qualquer forma, talvez a melhor maneira de comunicar um Conhecimento seja criar condições para que cada receptor reproduza e vivencie, real ou virtualmente, os caminhos que permitiram sua aquisição pelo detentor original.

Conhecimento coletivo

Toda a discussão acima associa claramente o conceito de Conhecimento apenas a indivíduos. Existiria Conhecimento Coletivo? (Não no sentido apenas de várias pessoas compartilhando o mesmo Conhecimento individual, mas no de um tipo de Conhecimento que permita a um grupo de indivíduos operar um conjunto de Informações e obter, coletivamente, um resultado a partir dos mesmos).

Olhando o exemplo de uma equipe esportiva bem treinada, podemos observar dois comportamentos característicos:

· posicionar-se e agir de forma determinada em cada situação de jogo, conforme as táticas ensaiadas;

· realizar rapidamente seqüências de jogadas que não são decorrentes de táticas, mas de um nível de entendimento e entrosamento muito grande entre os jogadores.

Nos dois casos podemos perceber que um conjunto de Informações (a situação do jogo, o posicionamento e a movimentação dos companheiros, etc.) é processado juntamente com outras informações previamente armazenadas e orienta as ações seguintes dos jogadores. Há uma capacidade operativa sendo utilizada de forma coletiva sobre aquelas Informações, caracterizando um Conhecimento coletivo.

No primeiro caso, podemos dizer que o resultado é fruto do esforço do treinador em explicitar seu Conhecimento sobre táticas de jogo e transforma-lo em Conhecimento dos jogadores.

No segundo, é um entrosamento derivado da prática conjunta em treinos e jogos. Ele permite aos jogadores intuírem, a cada momento, a posição e os próximos passos de seus companheiros. É um Conhecimento tácito da equipe.

Conhecimento Operacional

Toda atividade praticada repetidamente tende a estabelecer um padrão de procedimentos para cada situação. Ele é traduzido desde os simples “como fazemos as coisas por aqui” ou “este é o melhor jeito de fazer a coisa”, até os rigorosos procedimentos de documentação de processos, práticas, métodos, etc. que é um dos focos principais de todos os sistemas de qualidade baseados em padrões e conformidades.

Aqui, novamente percebemos um conjunto de Informações (ligadas aos insumos e controles do processo) sendo processadas e orientando ações. Assim, os padrões de procedimentos também traduzem uma capacidade operativa sobre Informações, caracterizando um Conhecimento, que podemos denominar Conhecimento operacional.

Conhecimento nas Organizações

Qual é o Conhecimento encontrado nas organizações? Apenas a soma dos Conhecimentos individuais de seus integrantes?

Podemos identificar dentro das organizações pelo menos três tipos de conhecimento:

  • Conhecimentos tácitos (individuais) de seus integrantes, em geral traduzidos pelas suas competências.
  • Conhecimentos operacionais da organização, representados por todos os seus processos, métodos, práticas, “cases”, etc., documentados ou não.
  • Conhecimentos tácitos de equipes de trabalho, não decorrentes diretamente de processos, métodos ou práticas, mas de relações e comportamentos desenvolvidos no trabalho conjunto.

Gestão do Conhecimento nas Organizações

A discussão acima, sobre o Conhecimento nas Organizações, nos sugere alguns tópicos para uma abordagem sobre Gestão do Conhecimento nas Organizações.

Assim, diríamos que ela deveria incluir, no mínimo:

  • Gestão do Conhecimento individual (Gestão de competências).
  • Gestão do Conhecimento operacional da organização (processos, rotinas, práticas, métodos, “cases”, etc.).
  • Gestão do Conhecimento coletivo de equipes de trabalho.

Para cada um desses tipos de Conhecimento, a primeira preocupação seria estabelecer:

  • Quais os Conhecimentos necessários (críticos, essenciais, importantes, etc.), presentes e futuros.
  • Quais os conhecimentos disponíveis internamente.

A análise da interseção desses dois conjuntos permitiria identificar:

· Conhecimentos necessários e disponíveis.

Esse grupo não representa, necessariamente, uma situação bem resolvida. É necessário se avaliar adequação da abrangência, profundidade, distribuição, atualização, etc.

· Conhecimentos necessários, mas não disponíveis.

Este grupo levanta a questão de como prover os Conhecimentos não disponíveis:

  • Adquirir (contratar diretamente pessoas ou serviços que possam prover esse Conhecimento).
  • Desenvolver pessoas/equipes com os Conhecimentos desejados. O desenvolvimento de pessoas/equipes pode abranger tanto atividades formais de treinamento/desenvolvimento, quanto iniciativas que visem a criação/disseminação do Conhecimento dentro da Organização.

Observe-se que, na Gestão do Conhecimento Operacional da Organização, aparece fortemente a questão da explicitação do Conhecimento, pois muitos dos processos, rotinas, práticas, métodos, “cases”, etc., podem não estar documentados, podendo ser facilmente perdidos no remanejamento ou saída das pessoas envolvidas.

Já na Gestão do Conhecimento individual, ou Gestão de Competências, a ênfase não estará na explicitação do Conhecimento dos indivíduos, traduzido pela sua competência, mas na sua identificação e na facilitação do seu acesso. Evidentemente, em muitas situações será possível identificar tipos de Conhecimentos individuais que se considerará desejável disseminar. Nesses casos, processos de aquisição, desenvolvimento ou compartilhamento de Conhecimento poderão ser utilizados.

Observe-se ainda que a Gestão do Conhecimento tem muitas interfaces com a Gestão dos Sistemas de Informação, mas não deve ser confundida com ela. Por exemplo, muito do que se convencionou chamar de Conhecimento sobre os Clientes são, na verdade, Bancos de Dados sobre o Clientes, que precisam ser interpretados para produzir Informações sobre eles. Essas Informações podem aumentar o Conhecimento dos Gerentes de Contas sobre seus Clientes, mas raramente são registrados e gerenciados como Conhecimento da Organização. Já no caso de haver o registro de diversos “cases” de sucesso, referentes a um cliente, eles poderiam ajudar a organização a identificar a forma mais eficaz de aborda-lo, constituindo assim um Conhecimento.

6 comments

  1. Alberto N. Hashimoto 16 Setembro, 2009 at 15:14 Responder

    Os conceitos de dado, informação e conhecimento foram revisados pelo autor e publicdos na Wikipédia sob o título “Dados, informação e conhecimento” em 09/09

  2. Alberto N. Hashimoto 21 Setembro, 2009 at 05:19 Responder

    Ana Neves, infelizmente meu artigo foi suprimido da Wikipédia, provavelmente por ter sido considerado opinativo (o que de fato ele é), o que fere as diretrizes da Wikipédia. Lamento, mas eles estão certos.

    Considerando que o artigo continha uma atualização dos conceitos básicos constantes neste artigo, consulto sobre a viabilidade de publicá-lo aqui, sob o mesmo título que usei na Wikipédia (“Dado, Informação e Conhecimento”), ou, alternativamente, publicar uma revisão do artigo completo.

    Grato, Alberto

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