Fui recentemente convidada a assistir ao evento “Making A Difference” organizado pela Equipa Nacional de Desenvolvimento dos Cuidados de Saúde Primários (National Primary Care Development Team) da NHS Modernisation Agency.
A NHS Modernisation Agency é uma equipa, criada no seio do Department of Health (Ministério da Saúde) britânico. Os seus objectivos são identificar e desenvolver melhores práticas que possam ser distribuídas e usadas pelos hospitais, centros de saúde, etc., de forma a atingir as metas governamentais.
“Making A Difference” foi um evento para comemorar os dois anos de actividade e sucesso da equipa. Estiveram presentes 1100 pessoas em representação dos doentes, dos médicos, dos terapeutas, dos enfermeiros, do pessoal auxiliar e de administração. O evento contou com algumas sessões plenárias, com um discurso do primeiro-ministro britânico Tony Blair, e com algumas sessões paralelas. Entre estas sessões paralelas contaram-se temas como o papel dos doentes na melhoria dos serviços, a melhoria de acesso a cuidados de saúde, etc..
Para além destas, houve ainda duas sessões que visavam a partilha de práticas norte-americanas relacionadas com o serviço de saúde. Numa a que assisti, uma norte-americana e um inglês estabeleceram algumas comparações entre o sistema norte-americano e o sistema britânico, tentando relacionar alguns dos dados estatísticos com a forma de funcionar dos dois sistemas. Esta sessão foi, sem dúvida, uma boa oportunidade de partilha de conhecimento.
Errar é humano
“Errar é humano” foi uma sessão apresentada pelo Professor James Reason, fellow da British Psychological Society, da Royal Aeronautical Society e da British Academy, que já trabalhou em várias indústrias e que, recentemente, se tem concentrado na segurança dos doentes e na capacidade de adaptação das instituições de saúde.
Começou por falar nos possíveis modelos de erros:
- praga (o erro é visto como um desastre);
- pessoa (modelo que procura uma pessoa para culpar); e,
- sistema (o erro é visto como uma consequência do sistema).
O ideal seria sempre conseguir um balanço entre o modelo pessoa e o modelo sistema.
Depois de falar de cada um dos modelos, Reason falou dos vários mitos que se geram em torno dos erros:
- os erros são maus;
- os erros são aleatórios e altamente variáveis;
- a prática faz a perfeição;
- profissionais altamente treinados cometem poucos erros, mas estes são suficientes para causar situações adversas;
- é mais fácil mudar as pessoas do que as situações.
Reason passou depois à fase de desmistificação de todos eles, recorrendo a exemplos recolhidos durante a sua actividade profissional, a dados estatísticos, e à teoria que adquiriu.
Os erros são devidos, maioritariamente, a:
- acções automáticas;
- distracção;
- memória longa (quando os padrões que armazenamos diferem dos reais);
- especificação insuficiente;
- falta de conhecimento;
- falta de dados; e,
- esquecimento.
Os erros podem ser derivados de:
- capacidades / skills (a pessoa sabe o que fazer mas a acção não corre como planeado);
- regras (a pessoa sabe o que fazer mas não repara em contra-indicações, aplica as regras erradas, ou não aplica as regras correctas); e,
- conhecimento (a pessoa não sabe o que fazer).

Conhecimento, regras e capacidades
Posto tudo isto, fica claro que errar é uma condição humana e que resta apenas aprender a viver com ela, tirando dela o maior partido.
Algumas sugestões oferecidas por Reason foram:
- gerir os erros (identificá-los, identificar as causas, e fazer algo);
- pensar bem antes de retirar do ambiente do erro a pessoa que o cometeu (ela pode ajudar a identificar as causas);
- considerar os erros como um produto final de falhas menores nos bastidores (as pessoas são conduzidas ao erro pelas circunstâncias).
Mais importante do que isto, Reason diz que é vital considerar a cultura. A cultura é a única coisa que consegue permear e tocar todas as partes da organização de forma consistente. É então necessário criar a cultura certa para que se possa gerir os erros. A criação dessa cultura passa pela criação de uma cultura justa onde a organização se preocupa em distinguir os erros criminosos dos erros causados por algumas das razões anteriormente apontadas. Depois disso, é importante que se criem condições para uma cultura em que os indivíduos e as equipas se sintam bem em comunicar os erros cometidos. Eles serão usados para que se analisem as causas e que se tentem prevenir situações semelhantes no futuro. Com relatórios e análises feitas, é possível finalmente conseguir uma cultura de aprendizagem onde todos aprendam com os erros dos outros.
Finalmente, Reason falou dos sistemas resilientes e das suas características:
- estão constantemente conscientes da possibilidade de falhas;
- assumen que os erros acontecerão e treinam as pessoas para os antecipar e para que deles recuperem;
- generalisam os erros em vez de os localisar (para que outros possam também aprender);
- fazem sessões de “brainstorm” para pensar de que forma os sistemas podem falhar; e,
- lutam para conseguir que, tanto os indivíduos e os colectivos, estejam preparados.
Foi uma apresentação bastante interessante, com um orador bastante confiante na temática dos erros, mas que se mostrou um pouco inseguro quando tentou oferecer exemplos relacionados com os cuidados de saúde.
Lições do império Romano
Para finalizar o dia, assisti a uma outra sessão. Esta ficou a cargo de John Oldham, director da equipa aniversariante.
Apaixonado pela cultura e pelo império Romanos, Oldham decidiu confessar que sempre procurou neste povo inspiração para enfrentar os desafios que se colocam à equipa que dirige. Na verdade, um dos maiores desafios e que constitui tambem o seu principal objectivo, é conseguir identificar melhores práticas que possam ser transmitidas e utilizadas por equipas locais, tendo sempre em consideração as particularidades do contexto envolvente. Se olharmos para o império Romano, podemos observar que, sensivelmente na mesma altura, os Romanos conseguiram construir pontes, estradas, serviços de canalização, aquecimento central, etc., usando as mesmas técnicas em todas as partes do seu largo império. Com bastante piada, Oldham referiu que a forma como estas ideias e técnicas eram transmitidas não se podia dever ao e-mail ou ao roma.com e que isso o levou a investigar as razões.
Foi nessa investigação que ele se apercebeu de alguns aspectos muito interessantes da cultura Romana e que constituiram o segredo por trás dos seus feitos:
- o conhecimento era respeitado;
- os banhos eram usados como ocasiões sociais onde a “fofoca” servia como fonte de notícias e informação;
- as histórias eram escritas e representadas, nos teatros que os Romanos inventaram, como forma de transmitir importantes mensagens;
- os Romanos viajavam imenso, deslocando-se frequentemente de uma aldeia para outra, e levando consigo a experiência, as notícias e os processos que viam pelo caminho; e,
- havia uma autoridade clara.
Graças a estes factores, os Romanos conseguiram uma infra-estrutura de alastramento. Isso criou as condições necassárias à mudança e uma sistemática transferência de conhecimento, estimulando um ambiente de acolhimento e implementação de novas ideias.
Oldham terminou, dizendo que é necessário olhar para estes aspectos do império Romano e descobrir formas de os implementar nos dias de hoje para que se consigam criar infra-estruturas de comunicação e um espírito de inovação e descoberta.
Foi uma apresentação bastante poderosa e que me inspirou como nenhuma outra há muito tempo.
Outro post que não poderia ficar soterrado pelo tempo!
Ai, meu São Descartes! Perdoai-nos pelos pecados cognitivos.
Excelente conceituação sobre “o errar” do professor Reason. Esta questão está longe de estar resolvida em nosso conhecimento.
Porém não gosto da afirmação de que “Errar é humano.” Havemos de criar uma substituta com mais valor cognitivo.
( não vale a que se ouve por aí: Errar é humano! Botar a culpa nos outros mais humano ainda.)
Lições do Império Romano do Olham também está muito boa. Com certeza ela falou de muitos outros aspectos, tais como:
As conquistas eram um negócio.
Os soldados dividiam parte da pilhagem. Alguns ficavam ricos.
Eram reconhecidos os atos de bravura em batalha independentemente da selvageria e brutalidade com que agiam sobre os vencidos.
Estupravam as mulheres.
Tinham orgulho de pertencerem ao time dos vencedores.
E por aí vai, coisas ruins de montão, que preferem não mencionar. Ficaram coisas boas sim, e foram impostas, e a um elevado custo.