Vislumbrando uma “Fórmula” para a Gestão do Conhecimento

Com relativa freqüência tenho observado pessoas envolvidas em gestão do conhecimento concentrarem demasiadamente suas atenções em discussões em torno das diferenças entre dado, informação e conhecimento. Muitas delas perdem muito tempo julgando funcionários e cobrando o emprego correto dos termos, defendendo que isto ou aquilo não é conhecimento e sim é informação. Parte delas tentam inutilmente obter consenso generalizado em torno dos conceitos, procurando demonstrar a relação existente entre dado, informação e conhecimento. Se não bastasse, se arriscam, limitando suas iniciativas que são projetadas sob o paradigma de uma hierarquia que evolui dos dados à informação e da informação ao conhecimento e acabam criando a identidade de gestão do conhecimento em torno somente destes elementos.

Você acha que a compreensão deste tripé e até mesmo seu uso, seriam suficientes para prover a melhor gestão do conhecimento? Que outros elementos complementariam a gestão do conhecimento e estão fora desta tríade? Quais os riscos que a empresa corre ao focar seu programa de gestão do conhecimento apenas na gestão dos dados, informações e conhecimentos? O que mais está por trás desta visão?

Particularmente defendo a idéia que discussões demasiadas, focadas nestas diferenças revelam um sintoma perigoso. Além disso, devemos reconhecer que conclusões a respeito do significado das terminologias dados, informação e conhecimento, embora importantes, não são suficientes para a compreensão da própria gestão do conhecimento e nem mesmo tornaria a companhia melhor preparada para os seus desafios.

De maneira também comum, observo que muitos dos profissionais envolvidos com os desafios de gestão do conhecimento, ainda olham para o tema como uma razão para projetos e investimentos na área de tecnologia da informação. Estes comportamentos – até naturais em função da gestão do conhecimento ser um tema muito novo – revelam em sua essência, compreensão ainda parcial em relação a gestão do conhecimento e sua real abrangência e demonstram o quanto temos que aprender e amadurecer sobre este assunto. Mas qual seria a relação existente entre estas duas constatações?

Discussões acentuadas em torno do emprego adequado das terminologias dado, informação e conhecimento, de maneira bem pragmática, às vezes criam barreiras, inibem a espontaneidade e se tornam improdutivas. Principalmente porque muitos na companhia lidarão com todos eles ao mesmo tempo e em se tratando de aprendizagem, produção e uso do conhecimento, costumamos lidar com todos eles de maneira natural, sem se importar muito com as diferenças entre eles. Além disso, após algum empenho e esforço, todos acabam aprendendo a tirar proveito deles potencialmente, não devendo a empresa optar pela gestão de um, em detrimento do outro.

Pense em um grupo de pintores de arte discutindo as cores e suas preferências pessoais. Imagine que interessados em descobrir as diferenças entre o verde, o azul, o vermelho, suas variantes e tons, decidam parar de pintar para discutir o assunto? Imagine que a metade deles, decida não pintar mais até obter consenso em torno das cores mais importantes e bonitas. Pense que a outra parcela de pintores decida continuar pintando, porém deixando de utilizar cores que contrariam suas preferências. Você tem idéia dos prejuízos causados por estas conclusões? Seria terrível a arte! Certamente um bom pintor, quase sempre necessitará de muitas cores para concluir uma boa obra. Não seria também assim com a gestão do conhecimento?

Preservadas as proporções, prejuízos semelhantes são causados a gestão do conhecimento por posturas similares adotadas em torno de discussões das diferenças entre dado, informação e conhecimento. Como um bom pintor, o gerente do conhecimento deve assim – e precisa -, utilizar-se de todas as cores da gestão do conhecimento (dado, informação, conhecimento, inteligência, sabedoria, insight, criatividade, inovação, inteligência e muitas outras).

Todavia, o ponto mais importante que pretendo enfatizar não é este. A outra faceta desta questão é a constatação de que este tipo de abordagem focada na pirâmide do conhecimento e sua hierarquia, que tem da sua base ao topo, o dado, a informação, o conhecimento e a sabedoria, revela também uma maneira deficiente de olhar, conceber e guiar a gestão do conhecimento nas empresas. Ao analisarmos aqueles que adotam esta abordagem focada no tripé dado, informação e conhecimento, percebemos também que se limitam ao emprego da tecnologia da informação e observamos que tendem a desconsiderar uma série de outras iniciativas relevantes à gestão do conhecimento, fato que introduz um muro divisor entre os dois “Modelos de KM”, que pretendo ilustrar a frente.

A separação provocada por este muro, muitas vezes invisível, estimula a divisão de esforços, conduz à distância dos objetivos e resultados, leva à criação de dois grupos distintos de especialistas em gestão do conhecimento, à falta de integração entre eles e uma certa divisão de opinião também. Do lado de cá do muro, existe um grupo que semeia e acredita na gestão do conhecimento 110 volts, ou seja, movida por eletricidade. Este grupo adora atuar e conversar sobre portais corporativos, bases e mapas de conhecimento, software para discussão e chats eletrônicos, conhecimento tácito e explícito, data mining, gerenciamento de documentos e muitas outras coisas afins.

Este primeiro grupo se apega a estoques de informações digitais e preocupa-se em armazenar informações, descrição sobre processos, melhores práticas e experiências, minimizando impactos em futuras saídas de funcionários da empresa. Na verdade, tudo isso é muito importante à gestão do conhecimento, mas passa a ser grave quando as atenções da empresa se limitam a isso, desprezando outros assuntos e iniciativas fundamentais à boa prática da gestão do conhecimento.

Embora fundamental, o fato é que este primeiro grupo isolado muito possivelmente, tem pouca chances de produzir bons frutos sem a atuação integrada com o segundo grupo e sem a adoção das iniciativas de gestão do conhecimento defendidas por aqueles que “do outro lado do muro”, apostam na gestão do conhecimento também como uma conduta pautada em atitudes, como um meio de alavancar a competitividade e o sucesso da empresa a partir de pessoas e como um modelo gerencial essencialmente novo, calcado em posturas adequadas e atitudes coerentes.

Este segundo grupo que atua na outra face da gestão do conhecimento, se preocupa com a retenção dos talentos, se antecipa aos processos de demissões, planeja suas aposentadorias com antecedência para que os conhecimentos sejam repassados aos novatos, refina seus processos seletivos de modo a resgatar os melhores profissionais do mercado de acordo com os desafios de negócio e com a estratégia de conhecimento adotada, preocupa-se com os cuidados para gerar admiração no público alvo de talentos e assim conquistar a atenção e atrair as pessoas mais competentes que o mercado dispõe, valoriza os processos de inovação, estimula a criatividade, aprecia a intuição, as deduções acertadas, as trocas expontâneas de conhecimento, o aprender fazendo, protegem informações e conhecimentos estratégicos e uma infinidade de coisas menos dependentes da eletricidade.

Você deve estar se perguntando: Mas qual será a abordagem correta? A abordagem A ou a B?

Qualquer que seja a abordagem, um grande erro seria adotar somente uma delas. Escolher uma abordagem em detrimento da outra, pode ser um erro grave em gestão do conhecimento e pode custar caro. É importante que os executivos e os gerentes compreendam o quanto ambas são importantes. Diria que na existência deste muro, o ideal seria a empresa destruí-lo completamente, adotando e integrando os dois enfoques em um único programa de gestão do conhecimento. Esta é mais uma das razões porque eu defenda a gestão do conhecimento a partir da adoção de um programa.

Olhar a gestão do conhecimento simplesmente como uma abordagem ou outra é uma doença que precisa ser curada. Optar exclusivamente pela primeira ou pela segunda abordagem, tornando-se incapaz de enxergar e reconhecer a importância da outra, pode ser comparado a um quadro clínico grave.

Enquanto isso, do lado da atuação em gestão do conhecimento, o profissional ideal é justamente aquele que consegue compreender e conciliar as duas visões e extrair o que há de melhor em cada uma delas, atuando simultaneamente com os dois modelos em benefício da empresa. Contudo, quando as discussões em torno da gestão do conhecimento na empresa se concentram principalmente em torno de elementos como dados, documentos, conteúdos e informações, temos um sinal importante, indicando que a empresa pode ter limitado sua atuação. A concentração nestes elementos pode revelar um importante sintoma: O sintoma da empresa que tem sua estratégia de gestão do conhecimento limitada, doente e comprometida. Neste caso, é o sintoma da companhia que optou apenas pela primeira abordagem e escolheu a Gestão de Conhecimento 110 volts.

Não quero dizer que este modelo deva ser evitado. As empresas continuam e continuarão precisando muito da abordagem 110 volts, mas certamente não terão êxito em gestão do conhecimento sem a aplicação também do segundo enfoque. Elas fatalmente também dependerão dessa capacidade de enxergar a gestão do conhecimento como um processo gerencial, fruto da consciência e das posturas favoráveis em todos os aspectos, zelando acima de tudo da multiplicação e preservação dos ativos intelectuais e pela criação de riquezas a partir deles.

O fato é que as empresas hoje em dia, em função do alto valor do conhecimento e da intensa competição, não podem se dar ao luxo de adotar um modelo de gestão do conhecimento que simplesmente deixe de existir com a interrupção do fornecimento de energia elétrica. Concorda? O quadro a seguir tem a intenção de caracterizar um pouco melhor estas duas abordagens igualmente importantes.

110 volts MC2 – Mudanças Comportamentais
Gestão do conhecimento como estratégia da Tecnologia da Informação (T.I.) Gestão do conhecimento como estratégia comportamental
T.I. como um fim da gestão do conhecimento T.I. como um meio da gestão do conhecimento
Depende da eletricidade Movido a peopleware
Dado, informação e conhecimento Experiência, conversa, intuição, criatividade, inovação, conhecimento, etc…
Comprada Conquistada
Não funciona sem a rede de computadores Funciona além da rede de computadores
Focada na codificação Focada na personalização
Acaba no final do expediente Se estende. Vai além do expediente
Foco na informação Foco nas pessoas
Tendência a comoditização Tendência a tornar-se diferencial competitivo de médio e longo prazo
Baseado em bits e bytes Baseado no contato humano, sinapses, raciocínio, inteligência, relacionamento, etc…
Aprender lendo e interpretando Aprender fazendo junto
Alavanca conhecimento explícito Alavanca conhecimento tácito
Privilegia e-learning Privilegia treinamento presencial

Este artigo pretende assim, sensibilizar as pessoas sobre a responsabilidade e a atuação integrada destas duas abordagens. E chamar a atenção sobre uma gestão do conhecimento que é responsabilidade de todos na empresa. Embora considere a infra-estrutura de tecnologia de informação fundamental ao sucesso da empresa e da gestão do conhecimento, sempre tomo o cuidado de dizer que este não é o único passo importante. Sempre tenho o cuidado de falar também sobre iniciativas simples, implementadas com baixo ou zero uso da tecnologia da informação.

Procuro demostrar em meus exemplos, que a gestão do conhecimento se estende a retenção dos talentos, à gestão de competências, à gestão da cultura organizacional, a gestão de idéias e inovação, a gestão da transparência e da visibilidade externa do conhecimento, a gestão de atração dos melhores profissionais, todas importantes iniciativas que não dependem diretamente da tecnologia da informação.

No mesmo contexto de relevância, enfatizo o importante papel de engajamento de toda força criativa disponível nas ações e práticas de gestão do conhecimento, de lutar por comportamentos exemplares, manter coerência entre o discurso e a prática de gestão do conhecimento, não deixando jamais de exigir dos talentos da empresa estes valores. Enfatizo a importância da criação, disseminação e conquista da cultura amiga do conhecimento, acreditando que as práticas de gestão do conhecimento podem fazer com que pessoas “comuns” passem a gerar resultados extraordinários. Lembro da importância de se estabelecer percepção generalizada dos valores estratégicos e competitivos a partir do conhecimento e conseguir com que os colaboradores, em todos os níveis da organização, passem a enxergar o aprendizado não como uma etapa da vida e sim como um modo de vida. E principalmente, disseminar entre os gerentes que antes do melhor software, os maiores aliados da gestão do conhecimento são a postura, a coerência, o respeito, as atitudes favoráveis e a própria estratégia do conhecimento.

Minha proposta é entender e desejar que a gestão do conhecimento seja uma postura e prática generalizada. É compreender que a gestão do conhecimento necessita e é, ao mesmo tempo, um modo novo de ver e conduzir a empresa. Nesta visão, gerentes e funcionários aprendem a ver a empresa, o mercado e todos os stakeholders a partir dos óculos da gestão do conhecimento e não mais somente sob as “lentes” da gestão dos ativos tangíveis tradicionais e deixam de ver a gestão do conhecimento como um projeto. Mais que isso, passam a entendê-la como uma maneira nova de olhar e conduzir a empresa.

Nesta cultura, gerentes e funcionários com maior freqüência se perguntam: Como podemos ganhar mais dinheiro a partir do que sabemos? O que nossos clientes gostariam que soubéssemos? O que eles esperam do nosso conhecimento? Como poderíamos rentabilizar o conhecimento da empresa através de uma abordagem mais competitiva e humana do capital intelectual? Estímulo à força inovadora, estratégia competitiva baseada no conhecimento, compartilhamento do conhecimento tácito e criação de um ambiente favorável ao conhecimento, embora sejam todos tão importantes a maioria das empresas e à própria gestão do conhecimento, dependeriam cem por cento da tecnologia da informação?

Embora contrarie alguns, o enfoque da gestão do conhecimento é muito menos tecnológica e muito mais pessoal, variando percentualmente pouco entre empresas diferentes. Certamente, em companhias de médio e grande porte, a tecnologia da informação assuma um papel fundamental. Contudo, o sucesso de um passo em direção a tecnologia da informação depende de outros três ou mais passos em direção às pessoas, independentemente do porte da empresa. A verdadeira prática de gestão do conhecimento está contida generalizadamente nos pequenos gestos e posturas, incorporada na cultura organizacional, incrustada nas práticas e posturas gerenciais, presente na coerência e atitudes, nas políticas de retenção, atração, motivação, reconhecimento e contratação de talentos, nas políticas sociais e de convivência com os recursos humanos, além de muito bem alinhada com planos de capacitação e pactos de aprendizagem.

Assim como comprar o melhor software de colaboração do planeta, embora essencial, não seja suficiente ao sucesso, simplesmente trocar o nome do departamento de recursos humanos e passar a chamá-lo de “área de talentos”, em síntese, também não representa absolutamente nada. Para felicidade de uns e tristeza de outros, a gestão do conhecimento não é algo que se compra e sim algo que se constrói. A gestão do conhecimento não se interrompe ou fica fora de operação quando a energia elétrica acaba. Ela não se anula ou extingue com a queda da rede de computadores. A gestão do conhecimento não deixa de existir e produzir seus frutos quando se encerra o expediente da empresa. E ela não se resume a uma poderosa estrutura de T.I. Ela faz sim uso dessa poderosa infra-estrutura de tecnologia de informação. A gestão do conhecimento genuína é grandiosa e muito forte.

Muito mais que o vislumbrado até agora, a gestão do conhecimento na empresa é fruto da adoção em todos os níveis – do porteiro ao presidente – de posturas coerentes, de um conjunto de práticas e ações compatíveis e um compromisso contínuo com a aprendizagem e o ensino constante. A essência da gestão do conhecimento é, portanto, constituída de comportamentos, coerência e posturas favoráveis.

(Este artigo foi extraído do livro Estratégias Competitivas para Criação e Mobilização do Conhecimento na Empresa (em revisão), cuja autoria é de Saulo P. Figueiredo)

2 comments

  1. Rosangela Maciel 12 Julho, 2003 at 22:33 Responder

    BRI-LHAN-TE o artigo do Saulo Porfírio Figueiredo. Esse é o nosso pensamento desde 1996. Temos encontrado inúmeras dificuldades para que os empresários compreendam a importância da Gestão do Conhecimento não somente enquanto tecnologia (dados, informação…), mas sobretudo como Construção do Conhecimento.

    Torna-se necessário aprender a pescar, como nos ensina o provérbio, entretanto muitos ainda preferem o “peixe” – pescado, limpinho, temperado e se possível cozido. Fórmulas mágicas!

    Estamos trabalhando incansavelmente para que as organizações se abram ao significado mais aprofundado da Gestão do Conhecimento e se disponham a desenvolver um longo e prazeiroso trabalho voltado para o saber e o fazer.

    Determinação, ação e trabalhos coordenados e contínuos poderão gerar nas organizações os resultados extraordinários que elas tanto pretendem.

    Para isso é preciso perseverarmos em nosso trabalho de conscientização e aguardar – o momento de cada um.

    Mais uma vez parabéns ao Saulo Porfírio e ao portal KMOL.

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