Tecnologia e Conhecimento Organizacional: a Necessidade de Integração

Introdução

Neste artigo, o nosso objectivo, é o de apresentar argumentos a favor de uma perspectiva organizacional para o estudo, o ensino e a prática de sistemas de informação nas organizações. Na base desta argumentação está o surgimento do conhecimento ou do capital intelectual, o qual é hoje reconhecido como factor central de diferenciação competitiva (Thurow, 1999).

Por outro lado, o papel dos sistemas e tecnologias de informação (SI/TI) na criação e construção do conhecimento organizacional é também universalmente reconhecido. Os SI/TI estão ligados a todos os aspectos de criação de conhecimento, por exemplo, no acesso à informação externa, na melhoria da comunicação interna, no tratamento da informação de marketing ou na velocidade de acesso quer aos clientes quer aos fornecedores.

Contudo, quando se fala em SI/TI, a tendência continua a ser pensar-se sobretudo em tecnologia e muito pouco em organização. Os cursos de organização e gestão de empresas reflectem esta realidade, o tipo de recrutamento para o posto de director de sistemas de informação, reforçam-na e a situação de fosso cultural entre tecnológos e “pessoas do negócio” nas empresas, confirmam-na.

Neste artigo é apresentado um modelo simultâneamente descritivo e prescritivo do crescimento da empresa, procurando realçar o papel dominante dos SI/TI, a chamada nova tecnologia organizacional, no processo de desenvolvimento do conhecimento organizacional.

O conhecimento da organização

O conhecimento ou o saber colectivo da organização é hoje um tema incontornável para a gestão empresarial. O conhecimento das organizações, pode dizer-se, é o conjunto de recursos intangíveis, que se foram desenvolvendo ao longo da história da organização e que definem a sustentabilidade do seu potencial competitivo. A base deste conjunto de recursos é, evidentemente, as pessoas, com as suas capacidades e o seu saber acumulado mas são, também, o conjunto das técnicas e métodos de gestão que permitem maximizar, para a organização, essas mesmas capacidades e esse mesmo saber acumulado, das pessoas.

Em termos de competitividade, há um reconhecimento generalizado de que o posicionamento das empresas no mercado competitivo não é suficiente para a manutenção de uma vantagem sustentada. Este reconhecimento advém do facto de que quase todas as movimentações conducentes a um qualquer posicionamento competitivo são, a prazo, copiáveis deixando assim de ter a eficácea inicial. O que não é copiável sendo, portanto, susceptível de manter a empresa numa posição competitiva vantajosa, são os seus recursos intangíveis os quais, no seu todo, constituem o conhecimento da organização.

Em 1994, aparece como grande catalizador do “movimento” da gestão do conhecimento e do capital intelectual, a empresa sueca Skandia. Esta empresa teve uma idéia verdadeiramente revolucionária ao publicar, como anexo ao relatório sobre o capital financeiro da empresa (isto é, ao relatório e contas anual), um relatório sobre o capital intelectual. Tal relatório era entitulado Vizualizing Intellectual Capital e destinava-se a começar a revelar o “valor escondido” que constitui todo o investimento realizado pela empresa em desenvolvimento dos recursos humanos, no melhoramento do relacionamentos com clientes, no desenvolvimento dos fluxos de trabalho através da optimização dos processos horizontais, bem como no esforço de inovação que não resultou, necessariamente, em novo produtos.

Temos, portanto, que o capital intelectual das empresas é, não só o somatório do conhecimento dos membros da organização, considerados individualmente, mas é também o conjunto do conhecimento adquirido através dos relacionamentos entre os membros da organização e dos dos relacionamentos destes com os clientes. O enfoque nos processos horizontais como fonte principal de valor acrescentado na actividade de empresa tráz para primeiro plano a questão dos relacionamentos, como se pode inferir do modelo de gestão da Skandia. Ao capital intelectual acumulado nestes relacionamentos pode chamar-se capital organizacional. O capital intelectual que resulta do somatório do conhecimento dos membros da organização, considerados individualmente é conhecido pelo capital humano.

No que diz respeito ao papel das tecnologias de informação, desde a década de 60 que volumes crescentes de informação nas organizações tem sido reduzido a texto e armazenada em memórias de computadores. Informação que, anteriormente, existia só em papel ou que nem sequer era registada em papel pela pouca flexibilidade oferecida por este suporte em termos da manipulação dos dados, pode agora ser recuperada, combinada, resumida ou transmitida com toda a facilidade através dos meios informáticos e das telecomunicações. É esta potencialidade com base tecnológica que agora atinge massa crítica nas organizações e possibilita trazer para a primeira linha da discussão, uma questão completamente nova. Já não se trata da gestão de dados, nem da gestão da informação, mas da gestão do conhecimento.

Um modelo de desenvolvimento do conhecimento na organização autopoetica

O diagrama que se segue fornece uma visão holística de um modelo de crescimento da empresa inspirado na metáfora da organização enquanto organismo vivo e autopoetico (i.e. auto-produtivo) (von Krogh and Roos, 1995). Neste modelo tenta também evidenciar-se a forma como os sistemas e tecnologias de informação e o capital humano se interpenetram no processo de criação do capital organizacional da empresa. O modelo é inspirado na analogia entre o crescimento da organização e o crescimento da árvore, sugerida por Edvison e Malone (1997). É feita referência a alguns tema da gestão a fim de facilitar a ligação do modelo quer ao mundo das empresas quer ao mundo das escolas de gestão.

Vejamos, então, quais são as três camadas que compõem o diagrama.

No centro, está o capital humano, isto é, as pessoas, bem como todas as circustâncias que as rodeiam – as suas funções, os seus relacionamentos, as suas motivações e aspirações. É a área da gestão dos comportamentos na organização, o crescimento da qual é o resultado de toda a actividade de gestão de recursos humanos. A camada intermédia – capital organizacional – é a área que fornece o sustentáculo para as áreas de negócios da organização – a produção e o marketing, com todos os seu sub-sectores. A gestão por processos, a gestão dos sistemas de informação, a gestão estratégica dos recursos humanos e a gestão da mudança organizacional formam um círculo de relações de causa e efeito, responsável pelo desenvolvimento do capital organizacional.

Modelo de crescimento orgânico

Modelo de crescimento orgânico da empresa com as principais áreas intervenientes no desenvolvimento dos capitais humano e organizacional

Na terceira camada a partir do centro está a área das infra e das super estruturas, a qual se torna, no longo prazo, o grande facilitador ou inibidor do crescimento da organização. Socorrendo-nos de uma imagem criada por Peter Drucker (1995) poderemos pensar nesta camada exterior simultâneamente como o corpo e o esqueleto da organização. O corpo é constituido pela comunicação e pelos relacionamento entre as pessoas os quais, por sua vez, são condicionados e regulamentados por estruturas, procedimentos e sistemas de controle. Mas este corpo, que em parte é visível e em parte é invisível, precisa de estar apoiado num “esqueleto”, mais palpável e sólido. Tal esqueleto é formado por uma infrastrutura de tecnologias de apoio às actividades de armazenamento, recuperação, manipulação e troca de dados e informação, isto é, uma infraestrutura de tecnologias de informação e comunicação. Assim, ao falar-se da organização enquanto organismo vivo é difícil dissociar o esqueleto do corpo, isto é, as infraestruturas de suporte, as regras e os procedimentos e da informação e da comunicação propriamente ditas.

Tal como numa árvore, na organização o crescimento acontece de dentro para fora. No caso da árvore, o desenvolvimento começa pelo cerne; na caso da organização, o desenvolvimento começa pelo capital humano. O cerne vai-se desenvolvendo em camadas sucessivas, que vão tornando a árvore mais firme e mais capaz de enfrentar todo o tipo de intempéries. Na organização, as camadas de capital organizacional que se vão desenvolvendo em cima do capital humano vão também determinando a sua capacidade de sobrevivência, de produção e de competitividade.

Na camada exterior, a árvore vai desenvolvendo uma casca que, com o correr do tempo se vai tornando cada vez mais grossa e impenetrável. Na organização, uma tal camada circundante também existe. Ela é composta, sobretudo, por dois elementos: um de índole comportamental e supraestrutural – a cultura organizacional – e outro de índole tecnológica – a infraestrutura de tecnologias de informação e comunicação. Tal como a figura mostra, estas duas camadas interpenetram-se e partilham de mais características do que, porventura, se pudesse imaginar.

Por fim, temos a ligação (coupling) estrutural da organização com a envolvente que a rodeia – a informação externa. Tal como a árvore precisa de ligações com a envolvente, que lhe permitam obter a energia necessária à sua a sobrevivência, a empresa também não pode viver sem inputs importantes da sua envolvente. São estes inputs que orientam, em grande medida, as opções estratégicas do negócio. Contudo, tal como na árvore os inputs externos não determinam a forma final que a árvore vai assumir, na empresa, a informação externa também não é a única determinante nem do desenho organizacional nem das capacidades geradas internamente.

Efectuada esta explicação relativamente ao diagrama no seu todo vamos, então, percorrer, sumariamente, as áreas componentes do modelo, começando pela informação externa e opções de estratégia.

As bases de dados consultáveis através de redes de comunicação interna permitem hoje que a informação externa relevante seja partilhada por todos os níveis da organização. Mas, no esforço da gestão para conhecer os dados em constante mudança vindos da envolvente externa, a constatação provavelmente mais importante é a emergência da Internet (ou “Net”) e o impacto da mesma, nos negócios. É o chamado e-commerce ou e-business. Segundo Dertouzos (1997), em média, metade de todos os negócios conduzidos no mundo industrial irão ser afectados por este “mercado da informação”.

A emergência destas novas formas de realização de negócios significa, para além da normal extensão da cadeia de valor das empresas pela redução/substituição dos processos de distribuição, também uma mudança fundamental no valor do serviço oferecido, pela incorporação cada vez maior de um valor “informacional” a este mesmo serviço. A competitividade destas empresas depende, na maioria dos casos, da capacidade destas “produzirem” ou “reproduzirem” informação.

Torna-se, portanto, claro que para estabelecer e manter ligações com a envolvente externa, a empresa necessita de uma infraestrutura tecnológica de informação e comunicação.

A infrastrutura de informação é comparável a uma infraestrutura pública (estradas, pontes, linhas férreas, combóios, aeroportos, etc), que serve as necessidades básicas de transporte da comunidade. Quer num caso quer noutro, tais infraestruturas são caracterizadas pela necessidade de grandes investimentos de longo prazo, difíceis de justificar através de uma simples análise de custo-benefício. Daqui decorre que, tal como nas infraestruturas públicas, não é fácil atingir, em termos de custos-benefícios, uma posição de equilíbrio nas infrastruturas de informação e comunicação das empresas. Assim, investimento a menos pode levar a todo o tipo de constrangimentos operacionais e investimento a mais pode levar a sub-utilização.

Tal como acontece com as infrastrutura de transportes de um país, a infrastrutura de informação, construída através de sucessivas aquisições de equipamentos (hardware, software e redes), vai-se tornando estruturante, para toda a actividade de uma organização. Esta característica estruturante é válida, quer no sentido de potencializar, quer no sentido de restringir a actividade, especialmente nova actividade, da organização. Vista desta forma, a infrastrutura de informação adquire um papel semelhante ao da cultura organizacional – a força invisível que molda, estrutura e define cada organização.

A terceira área é a gestão por processos. A viragem para o cliente, tão falada em todas as discussões sobre a qualidade total (TQM) e a reengenharia de processos (BPR), é o grande despertar da consciência dos gestores para o facto de que aquilo que cria valor e vantagem competitiva não são as funções verticais mas sim os processos horizontais. Em boa hora os gestores compreenderam que o trabalho em si não se desenvolve de acordo com funções verticais mas sim numa lógica de processos horizontais que atravessam muitas, por vezes todas, as funções verticais da empresa. Tal constatação trouxe, inevitavelmente, a necessidade de reorganizar o trabalho em torno dos processos, sem contudo abandonar completamente os métodos tradicionais de comando e controle.

Para atingir o objectivo de “estar próximo do cliente” íntimamente ligado à noção de gestão por processos, contribuem, de forma decisiva, as tecnologias de informação e comunicação. A disseminação de um novo tipo de aplicações começa a alterar, profundamente, não só o modo de trabalho de cada indivíduo, como também as ligações entre os membros da organização se vão transformando, de formas radicais. Tais sistemas podem ir do simples correio electrónico a aplicações muito sofisticadas, como é o caso do Lotus Notes, onde muitos utilizadores em qualquer ponto da organização podem aceder e alterar bases de dados comuns. Aplicações como esta última incorporam tecnologias workflow, as quais são um sustentáculo fundamental da gestão por processos.

Mais recentemente, surgiu uma outra forma de partilha de dados na empresa – as intranets, redes informáticas internas construídas com base na tecnologia da Internet, tornando a sua utilização muito amigável por variadas razões, entre as quais o simples facto de muitas pessoas estarem já familiarizadas com os écrans e os símbolos da Internet. Apesar de isoladamente estas ferramentas terem um impacto importante na forma de partilha de informação não estruturada, estas revelam o seu enorme potencial quando integradas com as aplicações críticas do negócio, o que lhes permite também a partilha de informação estruturada. As intranets permitem ainda a criação de grupos de discussão e um sem-número de formas de incrementar a cooperação e de potenciar a aprendizagem colectiva.

A quarta área é a área da gestão dos recursos de informação. As aplicações das TI às empresas não páram de aumentar. Há os sistemas de data warehousing, data marting e data mining, para apoio ao marketing; há os sistemas EIS (Executive Information Systems) para o apoio às decisões de gestão; há os sistemas de sales force automation, customer care, customer relationship management e marketing automation, para o apoio à gestão integrada da organização com os seus clientes e há, ainda, os sistemas de supply chain planning, para o apoio a todo a cadeia de produção, logística e distribuição.

O objectivo de todos estes sistemas é o de gerir os dados que a organização vai acumulando ao longo do tempo. Por sua vez, os dados, os sistemas e a infraestrutura tecnológica que os suporta necessitam também de ser geridos. Há questões de planeamento, de regras e procedimentos, de coordenação, de utilização e de avaliação dos sistemas e das tecnologias, tudo isto em estreito alinhamente com a estratégia de negócios da empresa. A todo este conjunto de questões convencionou chamar-se a gestão dos recursos de informação da empresa.

Tradicionalmente, a gestão de recursos de informação era da responsabilidade do Director de Sistemas de Informação ou mesmo do CIO (Chief Information Officer), um lugar de gestão de topo, utilizado em empresas norte-americanas. Hoje em dia,contudo, é reconhecido que o problema é de características tão horizontais, que a função não pode ser só de linha mas é, sobretudo, uma responsabilidade distribuída por muitas funções e muitos níveis hierárquicos. Neste sentido, é um problema muito semelhante ao da gestão horizontal dos recursos humanos.

O problema da aplicação das TI às organizações tornou-se tão complexo que a maior parte das empresas de alguma dimensão optou pelo outsourcing, isto é, pela sub-contratação dos serviços de desenvolvimento, implementação, manutenção e até gestão, dos seus sistemas e tecnologias de informação. As questões que se põem à gestão do outsourcing são múltiplas e variadas, contudo, um dos problemas mais complicados é precisamente a questão da perda ou da não aquisição de conhecimento interno à empresa, na área dos sistemas e tecnologias de informação.

Estando os sistemas e tecnologias de informação tão embrincadas nos processos, nas rotinas e até nos relacionamentos das pessoas, é difícil conceber um divórcio total entre esta área e o resto da organização, numa situação de outsourcing total. Assim, o problema da gestão dos sistemas e tecnologias de informação, estando intimamente ligado ao desenvolvimento do capital organizacional organização, é também um problema de gestão de competências.

A questão das competências centrais (core competencies), avançada pela primeira vez por Hamel e Prahalad (1994), tem sido eleita na literatura da gestão dos últimos anos como sendo a chave principal da estratégia competitiva de negócios. Todo o processo de recrutamento, selecção, formação e avaliação das pessoas precisa de estar sintonizado com o objectivo de desenvolvimento de competências centrais. Assim, a gestão estratégica das (ou pelas) competências é definida como um esforço de integração das políticas de recursos humanos da empresa com a estratégia de negócios e abarca o conjunto total de conhecimentos, aptidões e atitudes de que a empresa necessita para conseguir uma melhor eficácea no seu desempenho.

À medida que a economia da informação e do conhecimento coloca novos desafios à estratégia de negócios tais desafios vão-se transformando, rapidamente , em imperativos para a gestão pelas competências. Tais imperativos decorrem das novas formas de relacionamento com os clientes através da internet, das novas formas de comunicação através das redes locais e sistemas de trabalho em grupo ou dos próprios processos de trabalho, muitas vezes impostos pelos programas de software.

A gestão por processos, por exemplo, é assumida como um dado adquirido pela maior parte dos fabricantes dos chamados pacotes ERP (entreprise resource planning). Estes pacotes, criados para realizarem uma gestão completamente integradas das funções de back-office (contabilidade, finanças, logística e recursos humanos) são desenhos segundo um modelo de empresa a funcionar inteiramente por processos. Daqui resulta que a implementação dos ERP obriga a grandes alterações internas ao nível dos recursos humanos, das estruturas e dos procedimentos afectando mesmo, no longo prazo, a própria cultura da organização (Davenport, 1998).

Assim, uma gestão pelas competências, para além de estar intimamente articulada com a estratégia dos negócios, não pode ficar desligada dos constantes impactos e inovações oriundas das tecnologias de informação. Assim, o problema é, também, um problema de permanente gestão da mudança.

O tema da mudança aparece, hoje em dia, muito associado a todo e qualquer plano de implementação de novas tecnologias, novos processos ou novos métodos de trabalho. No que diz respeito à aplicação das tecnologias de informação às organizações, alguns autores são mesmo da opinião que a mesma se resume a dois grandes temas: desenvolvimento de sistemas e gestão da mudança (Checkland e Holwell, 1998).

Na sua generalidade, a literatura da gestão funciona segundo uma lógica vertical e de análise cronologicamente pontual. Ao invés, uma visão da gestão informada pela mudança organizacional oferece uma perspectiva horizontal e cronologicamente longitudinal dos acontecimentos. Uma tal abordagem tenta evidenciar o facto de que o fenómeno da mudança nas organizações é, necessáriamente, um processo lento, com passada própria, próprio dos sistemas sociais (Pettigrew e Whipp, 1991). De certo modo, saber gerir a mudança é também saber dar resposta às promessas de mudança ultra-sónica, muito próprias da cyber-linguagem dos nossos dias.

Gerir a mudança significa, em primeiro lugar, compreender o fenómeno, isto é, mudar porquê (qual é a visão que existe para a mudança e quais são os valores que a orientam); em segundo lugar, significa saber mudar para onde (qual é o novo posicionamento de mercado, quais são as novas competências ou quais são os novos comportamentos necessários para se chegar onde se quer); em terceiro lugar, significa saber mudar como (mudança estrutural, mudança cultural, mudança tecnológica, mudança de relacionamentos interpessoais). Subjacente a todo o processo e a todas as actividades de gestão da mudança está sempre o esforço de desenvolvimento do capital humano, o qual só é conseguido se houver acção liderante por parte dos gestores a todos os níveis da organização.

De uma forma crescente, todo o “receituário” da gestão dos últimos anos aponta para uma clara ligação entre os resultados do negócio, a cultura organizacional instalada e o tipo de liderança de topo. A liderança necessária à criação de uma cultura de desenvolvimento do conhecimento na organização é uma liderança cada vez mais virado para um novo tipo de relacionamento entre as pessoas, não só através da criação de contextos de participação mais activa na vida da empresa mas, especialmente, através de uma acção fomentadora de novas atitudes.

Tais contextos e tais atitudes aparecem como resultado da introdução de valores na gestão da empresa, como é o caso da confiança, valor fundamental em qualquer tentativa de instalação de um clima de partilha e troca de informação. Um clima de confiança (trust) complementado por alguns outros valores fundamentais como a disciplina, a exigência (stretch) e a entre-ajuda (support), são as pedras-chave para o desenvolvimento de contextos ou culturas de aprendizagem, cooperação e inovação, segundo Ghoshal e Bartlett (1998).

Ao invés de alguma literatura que trata o tema da cultura como qualquer coisa que a organização “tem” (Peters e Waterman, 1982) a tendência actual, inspirada nas ciências antropológicas considera a cultura como qualquer coisa que a organização “é” (Schein, 1992). Assim sendo a cultura não se distingue do conhecimento, em linguagem organizacional (Sackmann, 1991). Aquilo que a organização “sabe”, as suas competência e o seu know-how (i.e. o seu conhecimento) está intimamente ligado com aquilo que a organização “sente”, os seus valores, as suas formas de relacionamento (i.e. a sua cultura). Para autores como von Krogh e Roos (1995a), van der Heijden (1996), Czerniawsk (1997) ou Broekstra (1998) o elemento básico, constituinte da cultura/conhecimento da organização e do processo organizativo é a linguagem.

Assim, a organização enquanto entidade com cultura própria, materializa-se através de um processo de construção de realidade e significado, feito de diálogos, trocas de informação e discussões sobre idéias, entre os membros da organização. Esta concepção de organização, como uma rede vagamente conectada (loosely coupled) de múltiplas, simultâneas e sempre presentes micro conversas, tem suporte teórico na autopoiese ou teoria de sistemas autopoeticos (Maturana e Varela, 1980).

Conclusão

Analisando o problema à luz desta abordagem e voltando ao modelo de organização apresentado acima, é fácil de perceber como existe uma tão grande interpenetração entre a infraestrutura de sistemas e tecnologias de informação e a superestrutura cultural da organização. Ao darem corpo ao processo organizativo, os membros da organização comunicam e trocam informações sobre e através da infraestrutura de sistemas e tecnologias de informação existente. Assim, esta infraestrutura tecnológica vai marcando a passada da organização, quer termos da liguagem adaptada, quer em termos daquilo que é ou não permitido realizar, em termos de negócios. Por outras palavras, a construção da realidade da organização passa, inevitavelmente, por toda a panóplia de artefactos tecnológicos, que essa mesma organização vai adquirindo e implementando, ao longo da sua história.

São muitas as implicações do modelo de organização que acabamos de explanar. Em primeiro lugar, torna-se evidente a necessidade de pensar na gestão das empresas de uma forma muito mais integrada, em especial no que diz respeito a uma maior e melhor integração das áreas de gestão e das áreas de tecnologias de informação.

Os sistemas de informação continuam a ser vistos como “peças à parte” relativamente ao todo da organização. As empresas continuam a ser estruturadas da forma tradicional, aparecendo os SI como mais uma função ou departamento vertical; o pessoal afecto aos SI é alvo de uma avaliação de desempenho virado para dentro da sua função e desligado das implicações horizontais da mesma; os directores de SI preocupam-se (legitimamente) em defender a sua paróquia em detrimento da diocese. Os gestores dos negócios, pelo seu lado, preocupam-se com a atingir dos seus objectivos e não são sensíveis aos inúmeros constrangimentos que uma gestão racional dos sistemas e das tecnologias de informação coloca.

Esta integração das áreas de gestão e das áreas de tecnologias de informação deve ser pensada em duas sedes. Uma primeira, tem a ver com tudo o que é educação e formação em gestão e administração de empresas. As implicações de uma actuação a este nível são particularmente relevantes face ao efeito multiplicativo que a educação e a formação de gestores têm nas empresas, nos seviços públicos e na economia em geral. Uma outra sede, onde deve ser pensada a necessidade de integração da gestão com a tecnologia, é o sector da consultoria de gestão, dado que é aqui que começa o esforço de renovação e modernização não só de muitas empresas mas também das mentalidades de muitos gestores.

Quer na formação quer na consultoria é necessário estruturar as acções de forma a que o cliente compreenda que não possível separar as áreas estratégicas e comportamentais das áreas tecnológicas. O modelo de organização apresentado neste artigo permite mostrar, de uma forma simples e intutitiva, porque é que uma tal integração é inevitável, bem como fornecer algumas pistas sobre como passar da teoria à prática.

Bibliografia

  • BROEKSTRA, G. (1998) An Organization is a Conversation. In GRANT, KEENOY and OSWICK (ed) Discourse and Organization. London: Sage
  • CHECKLAND, P.; HOLWELL, S. (1998). Information, Systems and Information Systems: making sense of the field. Chichester, UK, J. Wiley
  • CZERNIAWSKA, F. (1997).Corporate Speak: the use of language in business. Houndmills, UK: Macmillan.
  • DRUCKER, P. (1995). “The Information Executives Truly Need.”Harvard Business Review(Jan-Feb): 54-62.
  • DAVENPORT, T.H. (1998). “Putting the Enterprise into the Enterprise System.” Harvard Business Review (July-August): 121-131.
  • DERTOUZOS, M. (1997).What Will Be: how the new world of information will change our lives. London: Piatkus.
  • EDVINSON, L.; MALONE, M.S. (1997).Intellectual Capital. London: Piatkus.
  • GHOSHAL, S.; BARTLETT, C.A. (1998).The Individualized Corporation: a fundamentally new approach to management. London: Heinemann.
  • HAMEL, G.; PRAHALAD, C.K. (1994).Competing for the Future. Boston, MA: Harvard Business School Press.
  • LONDON SCHOOL OF ECONOMICS (2000). The Web 2000 Top 100 Growth Report: exploring the links between company growth and electronic business
  • MATURANA, H.R.; VARELA, F.J. (1980). Autopoiesis and Cognition: the realization of the living. Dordrecht, Holland: D. Reidel Publishing.
  • PETERS, T.J.; WATERMAN, R.H. (1982).In Search of Excellence. N. York: Harper and Row
  • PETTIGREW, A.; WHIPP, R. (1991).Managing Change for Competitive Success. Oxford, UK: Blackwell.
  • SACKMANN, S. (1991).Cultural Knowledge in Organizations: exploring the collective mind. Newbury Park: Sage.
  • SCHEIN, E. (1992).Organizational Culture and Leadership. San Francisco: Jossey-Bass.
  • THUROW. L. (1999). Creating Wealth. London: N. Brealey
  • VAN DER HEIJDEN, K. (1996). Scenarios: the art of strategic conversation. Chichester, UK: J. Wiley.
  • VON KROGH, G.;ROSS, J. (1995).Organizational Epistemology. Basingstoke, UK: Macmillan.
  • VON KROGH, G.;ROOS, J. (1995a). “Conversation Management.” European Management Journal,13 (4): 390-394.

(Artigo originalmente publicado na Revista Portuguesa de Gestão, 16 (4), 2001.)

Leave a reply