Comunidades com Richard McDermott

Tive oportunidade de assistir a uma apresentação que não irei esquecer nos tempos mais próximos. O tema das comunidades de prática não me é desconhecido, mas, ao ouvir esta apresentação, senti-me um bebé a dar os primeiros passos num novo conceito.

Organisational designer por formação, Richard McDermott é um consultor experiente nos Estados Unidos, especializado na criação e gestão de comunidades de prática. Trabalhou com clientes como The European Commission, Shell Oil Company, Hewlett-Packard, Agilent Technologies, Schlumberger, Ericsson, Pfizer, Aventis Pharmaceuticals, The World Bank, Ben and Jerry’s, General Motors, etc.. É um dos co-autores do livro Cultivating Communities of Practice (Etienne Wenger et al.).

Autores e consultores conhecidos partilham geralmente uma característica: quando fazem apresentações em conferências e workshops, tudo o que pretendem é mostrar que são bons e fazer-nos pensar “preciso de pagar pelos seus serviços e ler todos os seus livros”. McDermott é diferente. Ele partilhou, partilhou, e partilhou. Falou sobre alguns dos seus clientes, sobre alguns dos seus sucessos e fracassos, sobre o que fazer e evitar, sobre factores críticos e sobre impactos. Quando a apresentação e a discussão terminaram, eu não queria propriamente pagar pelos seus serviços, mas ouvi-lo novamente. O que se segue é um sumário do que McDermott gentilmente partilhou.

As comunidades são óptimas! Criam tecidos organizacionais onde os elos entre equipas se juntam à divisão estrutural por departamentos. Elas suportam a partilha de processos e conhecimento não rotineiro, e deslocam o poder (da sua área de interesse) de cima para baixo, não enquanto indivíduos mas enquanto um colectivo.

Tipos de comunidades

Há quatro tipos de comunidades, num crescendo de estrutura:

  • redes periciais (peer-to-peer; inovação; sem fronteiras; voluntários; linhas que cruzam a organização);
  • comunidades informais (peer-to-peer; voluntários; liderança informal; orgânica);
  • comunidades estratégicas (peer-to-peer; com objectivos; para partilhar melhores práticas; tempo dedicado; liderada; ‘patrocinada’); e,
  • centros de perícia (expert-to-peer; com objectivos; partilha de melhores práticas; pessoas dedicadas; consultoria à comunidade e grupo de operação).

Os centros de perícia são grupos de indivíduos, reconhecidos pelo seu conhecimento e experiência, co-localizados (de forma a facilitar a partilha de conhecimento tácito) numa área também reconhecida pela alta qualidade dos seus resultados. O grande risco dos centros de perícia é que se desliguem da prática e da realidade do trabalho do dia-a-dia.

As comunidades estratégicas e os centros de perícia são maus em inovação. Reduzem-se ao vulgar e são usados para concentrar conhecimento.

A inovação encontra-se nos limites das disciplinas, onde várias disciplinas se sobrepõem.

Embora não aconselhadas para inovar, as comunidades estratégicas e os centros de perícia são óptimos para partilhar melhores práticas. Contudo, é importante garantir que o que é partilhado são mesmo melhores práticas e não apenas o que está documentado. Geralmente as melhores práticas residem na mente das pessoas, e apenas os procedimentos se encontram documentados. Alguém acredita que os procedimentos documentados são a história toda?

As redes periciais são óptimas para inovação. Estas redes são ainda menos estruturadas e mais informais que as comunidades informais. Ainda assim, podem beneficiar de suporte organizacional. Como é que as organizações podem ajudar? Analisando as redes sociais existentes, identificando os gaps, e encontrando pessoas para os fechar. As organizações podem também reconhecer as actividades das redes e permitir que os seus membros lhes dediquem algum tempo.

Factores críticos de sucesso para a criação de uma comunidade

1) Ter um propósito claro e importante

É importante que pelo menos algumas pessoas na organização estejam apaixonadas pelo domínio da comunidade. Faça entrevistas para perceber os interesses das pessoas. Geralmente os melhores tópicos são tópicos que dizem respeito à forma como trabalham ou que constituem um desafio.

Os tópicos podem ser tão improváveis quanto desejar, desde que se relacionem com uma necessidade organizacional e que as pessoas se interessem por ele. Por exemplo, pode ser interessante criar uma comunidade sobre jardinagem se isso ajudar a reduzir o número de pessoas que se despedem.

2) Crie fogo no centro

Uma comunidade tem sempre um núcleo de indivíduos, um grupo maior de membros menos activos, e um grande grupo de lurkers que raramente contribuem. É importante identificar o grupo nuclear e criar entretenimento (boas discussões, por exemplo) para que os outros se aproximem do centro. No entanto, os lurkers não constituem um problema.

3) Crie energia através de liderança

O líder tem de comunicar e interagir imenso. Apenas 30% da actividade de uma comunidade acontece em espaços públicos (reuniões, sites web, etc.). 70% acontece em contactos 1:1. Uma empresa estudou o valor que deriva de interacções em espaços públicos e privados, e chegou às mesmas figuras: 70% provém de interacções privadas de 1:1. Contudo, é preciso entender que, sem as comunidades, este contacto directo em espaços privados possivelmente não aconteceria.

4) Alinhe-se com os valores culturais da organização

O propósito, a motivação e o tipo de comunidade necessita estar alinhado com a cultura organizacional.

Numa dada organização, era habitual haver despedimentos quando um projecto falhasse. Mas mais despedimentos havia se fosse recebida uma proposta para iniciar um projecto igual ou semelhante a um que houvesse falhado no passado. Dado que a organização não possuía uma boa infra-estrutura de TI para aceder à informação, foram criadas comunidades para que as pessoas se protegessem. Os membros podiam discutir as suas ideias, reduzindo a hipótese de proporem algo já experimentado.

Dependendo da forma como são criadas, as comunidades podem ser mapeadas num dos quatro quadrantes que resultam do cruzamento de informal e estratégica no eixo vertical, e pouca visibilidade e muita visibilidade no outro.

Quando se cria uma comunidade é ainda importante considerar três tipos de conhecimento:

  • comum (conhecimento que todos devem ter; não constitui vantagem competitiva);
  • diferenciador; e,
  • sobre o cliente.

Factores críticos de sucesso para a manutenção de uma comunidade

As comunidades fracassam devido à forma como são desenhadas mas, essencialmente, por problemas de execução. Assim, para sustentar uma comunidade é essencial considerar:

  • expectativas da direcção;
  • liderança;
  • suporte;
  • integração; e,
  • ritmo.

Se o seu coração apenas batesse uma vez por ano, não seria capaz de sobreviver. Como é que as comunidades podem sobreviver com encontros anuais? Certifique-se que as comunidades se envolvem em actividades regulares para que mantenham vivas.

A liderança é um aspecto chave. O líder da comunidade necessita:

  • comunicar, comunicar, comunicar;
  • entender as comunidades como constelações de conhecimento (não olhar para os indivíduos mas para a forma como interagem entre si); e,
  • gerir as fronteiras (convidar pessoas, criar parcerias, etc.).

Indivíduos considerados especialistas numa matéria geralmente são péssimos líderes. São frequentemente demasiado arrogantes e não percebem a importância de estabelecer ligações entre os membros. Julgam-se o centro em torno de quem todos os outros devem gravitar.

Os líderes devem ser visto pelos outros como networkers e não como uma autoridade. Dependendo da cultura da organização, líder pode nem sequer ser um bom nome. Animadores e moderadores são alternativas comuns.

Se uma comunidade está a desfalecer mas ainda é importante para a estratégia da organização, pode valer a pena encontrar um novo líder, novas ideias e/ou novos membros. Por vezes também ajuda dividir a comunidade em comunidades mais pequenas e com um âmbito menos alargado.

As comunidades têm maior probabilidade de sucesso em organizações com uma equipa dedicada à gestão de conhecimento. Esta equipa precisa apoiar as comunidades ao longo de toda a sua vida. Por exemplo, cabe à equipa de gestão de conhecimento fazer algum do trabalho administrativo de suporte para aliviar a carga do líder da comunidade que vê este trabalho como um desperdício do seu tempo e como mais uma tarefa a acrescer ao seu trabalho.

Demonstrar valor

Algumas comunidades começam por que alguém tem fé. Porém, a certa altura, todas têm de demonstrar o seu valor. Uma das maneiras mais fáceis é através da pirâmide de valor desenhada por McDermott. De acordo com a pirâmide, as comunidades desenvolvem conhecimento pessoal (capital humano), relações (capital social), e acesso a documentos (capital estrutural). Elas ajudam indivíduos (reduzir o tempo gasto em tarefas irrelevantes), equipas e projectos (criando processos mais eficazes), e capacidade organizacional (reduzindo o time to market).

Se a comunidade não tem objectivos explícitos e tangíveis, é essencial entrevistar membros da comunidade para recolher histórias que demonstrem alguns dos benefícios (a nível individual, de equipa e da capacidade organizacional). Tal deve ser feito logo desde o início de forma a que as pessoas, membros ou não, continuamente se apercebam do impacto da comunidade.

McDermott gosta da ideia de usar histórias. Contudo discorda de David Snowden. McDermott pensa que as histórias requerem números para que se tornem verdadeiramente poderosas. Não chega dizer “um membro da comunidade perguntou aos outros como usar uma broca numa nova situação e as respostas que recebeu permitiram-lhe fazê-lo. Foi óptimo!”. A história tem muito mais impacto se puder acrescentar no final “por causa disso, as brocas existentes puderam ser reutilizadas e isso poupou à empresa $2 milhões”.

As pessoas e as organizações continuam a ver o trabalho do conhecimento como uma tarefa isolada, algo que tem de ser feito para além de tudo o resto. É importante que se apercebam que os comportamentos associados ao conhecimento devem estar integrados em tudo o que fazem.

Mais…

As melhores comunidades no que diz respeito à partilha com o exterior são também as melhores a absorver e aprender com outras comunidades.

Pessoas com muitos contactos produzem melhor do que as outras.

Numa empresa petrolífera, um estudo revelou que engenheiros a trabalhar simultaneamente em dois projectos conseguiam um pico no desempenho, enquanto que engenheiros a trabalhar em cinco projectos tinham um péssimo desempenho. A razão, óbvia, é que tem dificuldade em alternar entre projectos, mudando a sua atenção, e quase tendo de começar de novo. Mas, então, porque é que o pico de desempenho acontece com o trabalho em dois projectos e não em apenas um? Os projectos têm os seus altos e baixos. Com dois projectos concorrentes, os engenheiros podem constantemente canalizar a sua atenção e energia.

Quando questionado sobre a realidade das comunidades de prática na função pública onde as pessoas estão sempre preocupadas com quem vai ser responsável, McDermott respondeu que no contexto das comunidades, a responsabilidade é partilhada pelo colectivo dos seus membros.

Dicas

1. Organize reuniões que não pareçam agendadas porque já é tempo mas porque há assuntos importantes a discutir

2. As pessoas precisam de comer e relaxam enquanto comem – organize encontros informais durante o pequeno-almoço ou lanche, no café ou na cantina

3. Atribua pequenas tarefas aos membros da comunidade e elogie-os bastante pela sua realização – verão essas tarefas como um pequeno investimento com grandes resultados

4. Uma nota manuscrita do presidente da organização reconhecendo e agradecendo a participação dos membros na comunidade é um grande incentivo.

Exemplos

Exemplo 1

Numa certa empresa, um grupo de pessoas reconheceu a necessidade e os benefícios de reuniões periódicas para discutir alguns dos seus projectos, recolher ideias e trocar opiniões. As reuniões eram realizadas todas as terças-feiras às 7.30 da manhã. Havia donuts, os slides PowerPoint eram proibidos, e os chefes não podiam entrar. Depois de algum tempo, aperceberam-se do quão útil seria criar uma biblioteca partilhada dos seus ficheiros pessoais. Cedo começaram a reunir-se na sua biblioteca: o centro do seu conhecimento documentado. Este é um exemplo de uma comunidade que se auto-formou e auto-geriu.

Exemplo 2

Uma empresa hospeda uma comunidade com 2000 membros, organizados em pequenas sub-comunidades em torno de tópicos relacionados. Quando um membro envia uma questão para a comunidade, recebem uma média de 4.5 respostas. Algumas contêm documentos e/ou links, outras apenas disponibilizam o seu emissor para contactos directos (reuniões, telefonemas, etc.).

Quando a empresa estava prestes a implementar uma dispendiosa base de dados para armazenar informação relacionada com o tópico da comunidade, decidiu-se perguntar aos membros sobre a proveniência das suas ideias. 70% respondeu “contacto directo 1:1”. Apenas 30% apontou bases de dados como a fonte principal das suas ideias. Porquê, então, investir numa base de dados melhor?

A base de dados existe. Contém conhecimento documentado e o contacto do autor. A empresa reconhece que o único propósito dos documentos arquivados é ajudar as pessoas a fazer melhores perguntas quando contactam o autor.

Exemplo 3

Numa empresa, a direcção decidiu criar comunidades estratégicas. Inicialmente com uma tarefa a realizar (geralmente relacionada com a criação de policy), os membros eram convidados e encorajados a ficar e a continuar na comunidade.

Todos os líderes de comunidades frequentaram um curso de 3 dias. (A empresa concluiu mais tarde que todos os gestores de projecto devem também possuir as mesmas skills, e o curso é agora obrigatório para a formação de qualquer gestor.)

Cada comunidade é apoiada por um vice-presidente que, individualmente, convida membros da organização dizendo “esta comunidade é importante para a organização, é importante para o nosso trabalho, e você é um dos melhores”. Quem é que, no seu perfeito juízo, vai recusar?

Esta iniciativa teve bastante visibilidade e era suportada por uma visão que declarava que a empresa deveria produzir usando a gestão de conhecimento como uma ferramenta.

Depois de ter algumas destas comunidades criadas e a funcionar (elas eram chamadas centros de conhecimento), foi decidido arrancar com algumas comunidades informais (bases de conhecimento). O Director de Conhecimento (CKO) visitou cada um dos 150 escritórios da empresa em todo o mundo, fez uma apresentação sobre partilha de conhecimento e comunidades de prática, e encorajou as pessoas a iniciar a sua própria comunidade. Foram criadas 110 comunidades durante os primeiros doze meses. As comunidades estratégicas existentes funcionaram como uma inspiração e como um modelo para as novas.

Exemplo 4

Uma empresa decidiu criar uma comunidade para reunir dois grupos de cientistas de especialidades diferentes. Dado que os dois grupos não queriam falar, partilhar ou aprender com os outros, a comunidade não passou da sua fase de inicialização.

Exemplo 5

Uma organização iniciou comunidades de prática sem o verbalizar. A organização reconheceu a necessidade de reunir gestores de projectos e, na altura, identificou um assunto importante. Convidou, então, um grupo de gestores de projecto sugerindo uma reunião para discutir esse assunto. No final da reunião, perguntaram-lhes da utilidade da reunião e que outros tópicos gostariam de discutir em conjunto. Foi criada uma lista de assuntos e marcou-se uma data para a reunião seguinte.

Entre as reuniões, a equipa de gestão de conhecimento trabalhou arduamente para concretizar alguns dos aspectos discutidos e realizar algumas das tarefas identificadas.

Para os gestores de projecto isto era óptimo!: encontravam-se mensalmente, discutiam os seus problemas, e esses problemas apareciam resolvidos (ou pelo menos eram tidos em consideração). Começaram a sentir-se parte de uma comunidade e rapidamente começaram com reuniões periódicas espontâneas e intitularam-se Fórum de Gestão de Projectos.

Esta sequência de eventos havia sido planeada e prevista desde o início. Contudo, os gestores de projecto não estavam cientes disso e sentiram-se condutores do destino do grupo.

Exemplo 6

Antes de ter tido tanto sucesso e se ter tornado num reconhecido caso de estudo em torno das comunidades de prática, o Banco Mundial fracassou. A direcção criou quatro comunidades, cada uma da responsabilidade de um vice-presidente. As quatro comunidades tinham uma estrutura interna de chefia, e passavam a grande maioria do tempo a escrever policy. Todas se extinguiram no prazo de um ano.

O Banco Mundial aprendeu a lição e decidiu reservar um orçamento de $7 milhões para comunidades de prática. As pessoas eram convidadas a criar as suas comunidades. Para isso tinham de redigir uma proposta listando os resultados previstos. Estes resultados podiam ser intangíveis como a criação de novo conhecimento, ou tangíveis como a redução de custos de uma determinada actividade. Se a proposta fosse aceite, a comunidade recebia um fundo monetário e tornava-se responsável por demonstrar os resultados que havia previsto. Não havia qualquer outros controlo sobre estas comunidades.

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