Síndrome da Batatinha-Frita

Alec Mackenzie, em seu livro “Tempo = $ucesso” (McGraw Hill, São Paulo: 1990), nos diz que existem sérios desperdiçadores de tempo e que na categoria “Barreiras humanas de tempo”, os destaques são para:

  • esforçar-se demais;
  • desorganização pessoal;
  • incapacidade de dizer “não”;
  • falta de autodisciplina;
  • procrastinação;
  • deixar tarefas inacabadas; e,
  • socializar.

Interessante que esse livro é bastante anterior à avalanche de informações que se seguiu à Internet e que causou a nós, pobres seres humanos da era da informação, a ansiedade da informação. Ao ver esses destaques, podemos pensar em como alguns deles tornaram-se ainda mais difíceis de serem tratados nos tempos atuais. A chamada “Síndrome de Deficiência de Atenção”, que faz com que as pessoas perambulem como loucas fazendo um monte de coisas e que no final do dia percebem que não fizeram nada, está por trás dessas barreiras citadas por Mackenzie.

Vivemos nos esforçando, mas nem sempre conseguimos ser produtivos e eficazes. Isso quer dizer que damos atenção e nos dedicamos a coisas demais e temos resultados de menos. Esforçar não é suficiente, é preciso atenção. Isso complica devido ao volume imenso de coisas que disputam nossa limitada atenção. O fato de muitos de nós sermos, por natureza, seres desorganizados, indolentes, que “empurramos as coisas com a barriga” (procrastinar), que gostamos de uma “prosa”, e ainda temos dificuldade em dizer “não”, nos faz começar coisas e muitas vezes as deixando inacabadas, e ainda dedicando nosso tempo e atenção a questões que não são importantes e muito menos urgentes.

Quando o assunto da gestão da informação vem à tona, a idéia de ter a informação certa, no lugar certo, na hora certa e na mão da pessoa certa, precisa ser vista sob o prisma das “barreiras humanas de tempo”. A informação só será efetivamente importante se for “digerida” pela pessoa e para tal, ela (informação) precisa ter sido capaz de despertar a atenção da pessoa, a ponto desta ter lhe dedicado tempo e concentração. Se as pessoas são indolentes, procrastinadoras, “fofoqueiras”, desorganizadas, etc., a chance de que a informação lhes desperte a atenção e elas estejam dedicadas a ponto de apreendê-la de forma eficaz é mínima.

Portanto, a gestão da informação, mais do que sistemas e tecnologias, passa pela questão da atenção e mais profundamente, pela questão do comportamento humano. Se não vemos a questão da atenção como sendo algo que “merece nossa atenção”, vamos vagando pelo dia e perdendo oportunidades de dedicação a coisas e questões importantes e significativas simplesmente porque deixamos nossa atenção fluir por vontade própria. Isso nos leva à “Síndrome da Batatinha-Frita”!

Imagine que você está sentado, pronto para almoçar. Uma pessoa lhe traz um prato com legumes, verduras, carne, arroz, feijão e batatas-fritas. Ela coloca o prato na sua frente e qual é a sua reação mais comum? Fisgar uma batatinha com o garfo ou pegá-la com a mão e comê-la imediatamente! Por que isso? É porque a batatinha é muito atrativa e saborosa. Sendo assim, sua atenção é direcionada para a batatinha e você nem vê o resto: quer imediatamente saboreá-la! Na vida, se não tomarmos cuidado, vamos “devorando batatinhas” e deixando de ver e absorver o que é importante e nutritivo para nossa realidade e futuro.

Precisamos ser diligentes com nossa atenção para não ficarmos obesos com as questões fast-food e deixarmos de absorver o conteúdo que nos fará saudáveis e equilibrados.

Toda organização precisa dar o devido valor à questão da atenção. Não basta crer que as ferramentas tecnológicas irão resolver as questões informacionais. Agir sobre a questão humana, seus hábitos e crenças é tão ou mais importante do que instalar um novo sistema de informação. Porém, não se deve desprezar de maneira nenhuma os benefícios que a tecnologia pode trazer, inclusive em questão de superação das “barreiras humanas de tempo”.

Boas ferramentas tecnológicas podem ajudar as pessoas a se organizarem. Podem diminuir o esforço das pessoas automatizando ou organizando tarefas de forma que a dedicação humana seja potencialmente explorada. Os softwares podem organizar os processos de modo que o fluxo seja simplificado, o dizer “não” seja algo simples e sem constrangimentos. Além disso, programas de fluxo de trabalho (workflow) podem ser úteis para disciplinar pessoas, evitando o procrastinamento e a realização parcial das tarefas. Ferramentas de comunicação instantânea permitem que pessoas se falem sem gastar com telefone, deslocamentos e conversas “fiadas”. Enfim, a tecnologia pode ajudar, mas o que ela não pode fazer é tornar as pessoas infelizes. Ela precisa ser uma aliada do bom profissional e ainda ser um elemento de socialização positiva, fazendo com que as pessoas se sintam parte de um grupo e livres para atuarem, porém, sem que isso seja algo improdutivo, redutor da criatividade e do prazer pessoal.

Essa necessidade de que a tecnologia seja positiva, que seja recebida como uma ferramenta que traz a liberdade, que amplia horizontes e potencializa talentos, exige “atenção” por parte das organizações. Não se deve implantar uma tecnologia e depois querer que ela seja “enfiada goela a baixo” nas pessoas. O plano tecnológico deve ser montado, discutido com parte ou todo o grupo de usuários (dependendo do tamanho da organização) e depois revisado para entrar em implementação. O envolvimento, participação e senso de “paternidade” devem estar presentes entre os usuários de modo que a receptividade e utilização das ferramentas seja natural, simples e desejada.

Para se obter esse envolvimento, além da participação na consecução do plano tecnológico, a área de recursos humanos em parceria com a de tecnologia, deve promover encontros, eventos e ou difundir material informativo que levem o plano, seus objetivos e ferramentas aos usuários, conscientizando-os da importância da iniciativa e principalmente da percepção de que os maiores beneficiários serão eles próprios.

Além de todo esse trabalho prévio, as ferramentas precisam ser de algum modo incorporadas às atividades da organização, de modo que se direcione a ação das pessoas para elas (ferramentas), evitando que se tenha um modo “não tecnológico” de se desenvolver aquela ação. Em outras palavras, a ferramenta precisa ser parte “inevitável” do trabalho. Assim, as pessoas a incorporarão com maior resignação, superando possíveis resistências e ações guerrilheiras de rejeição da tecnologia.

Há uma questão importante que precisa permear todas essas ações: as pessoas precisam ver a tecnologia e tudo que ela oferece como um meio de trabalho e que também serve como ferramenta de aprimoramento profissional. A tecnologia como lazer deve existir na casa das pessoas e em seus computadores pessoais e não no ambiente organizacional. Isso se deve em parte ao problema da atenção. Quanto mais elementos dispersivos forem agregados ao já dispersivo ambiente de trabalho maior será a possibilidade de distração e queda de produtividade.

Isso pode parecer antagônico à afirmação feita acima de que as pessoas precisam de uma socialização positiva e liberdade no trabalho, mas não o é na medida em que se está afastando do trabalho apenas os hábitos e questões que não agregam ao ambiente. É muito pouco provável que irá ser positivo para uma organização um funcionário ficar o dia inteiro em salas abertas de bate-papo, trocando mensagens instantâneas com possíveis namorados(as) ou jogando videogame pela Internet. Nada impede que se disponibilize para ele um software interno de mensagens instantâneas, salas de chat da empresa ou mesmo que se tenha na intranet um correio sentimental, mas tudo dentro de uma filosofia de convergência para com a atividade profissional (voltados para o trabalho) e com um grau baixo de dispersão de sua atenção.

É sabido que, mesmo que o pessoal de tecnologia não queira, os programas básicos da rede e sistemas operacionais retêm informação sobre o tráfego dos usuários da rede. Existem softwares que podem pegar essas informações e torná-las disponíveis sob forma de relatórios, planilhas e gráficos, apontando como se tem utilizado a rede de computadores na organização. Mesmo que não se vá utilizar essas informações, é bom que todos os usuários saibam que ela existe e que a organização tem todo o direito de “dar uma olhada” nelas quando achar conveniente ou quando ocorrer algum evento que suscite uma investigação. Isso é importante, pois é muito melhor o pessoal de tecnologia ficar cuidando da eficiência e eficácia das ferramentas do que ficar rastreando endereços inadequados e criando filtros para impedir o acesso a elas. Essa corrida não termina nunca. Basta bloquear um endereço pornográfico que os usuários acham outros cinco para visitarem. Então, a estratégia não deve ser a de bloqueio, mas de conscientização e educação.

Todas essas observações têm relação direta com a questão da atenção nas organizações e levantam temas que até pouco tempo eram periféricos e inexpressivos na pauta da alta direção. Hoje, é crucial a priorização da atenção nas agendas organizacionais, de modo que se dê a devida “atenção” ao tema, superando problemas que estão latentes, causando danos e que muitas organizações ainda não perceberam que tem como causa básica a falta de atenção das pessoas ou a má gestão da atenção por parte delas.

Este é um tema relativamente novo e que merece a devida atenção, ainda mais nas organizações brasileiras que possuem uma mão-de-obra criativa, adepta ao novo e altamente curiosa, fatores que incrementam de forma exponencial os problemas relacionados à atenção.

Se não dermos a devida “atenção” à questão da ATENÇÃO vamos acabar com organizações obesas, onde as pessoas passarão boa parte do tempo comendo batatinha-frita e deixando de se alimentarem do que é importante e nutritivo em termos de evolução pessoal e profissional.

1 comment

  1. Joaquim Felício Junior 23 Maio, 2004 at 22:49 Responder

    Interessante. Poucas pessoas devem parar para pensar sobre isto. Vejam só: Vocês sabiam que uma edição de domingo do jornal americano The New York Times traz um volume de informação maior do que todo o material impresso produzido no século 15? Naquela época, ninguém ousaria imaginar que poderíamos ler jornais de qualquer país do mundo numa tela de computador ou que teríamos acesso a imagens de qualquer ponto do planeta em tempo real. As possibilidades de transmitir informação hoje são infinitas e numa velocidade instantânea. No entanto, a capacidade de absorvê-las não cresceu na mesma medida. Apesar de toda a evolução, nossos dias continuam tendo 24 horas, e a vida de quem trabalha é cada vez mais atribulada.

    Não é por acaso que nossa ATENÇÃO a cada dia que passa está sendo desviada para assuntos que não nos levam a nada e ao mesmo tempo comprada a preço de ouro sem nos dar nenhuma garantia de retorno do investimento. Verdade seja dita…

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