O interesse pelo tema compartilhamento de conhecimento no trabalho tem crescido e estimulado pesquisas buscando explicações para esse processo. Este artigo apresenta um estudo que visa exatamente ampliar o conhecimento sobre a questão, focando a variável atitudes. Que atitudes estão na base do comportamento de compartilhar conhecimento? O que poderá estimular ou inibir as ações de repassar e de receber conhecimento no trabalho? A escala que é apresentada ao final do artigo está sendo validada com o objetivo de clarificar o processo de compartilhar conhecimento no trabalho.
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Importância do compartilhamento de conhecimento
Muito já se tem escrito sobre a realidade das empresas contemporâneas, que estão sendo submetidas a pressões constantes para se manterem úteis e competitivas frente ao mercado de trabalho, que se mostra cada vez mais globalizado e exigente em decorrência de padrões impostos por clientes, competidores, colaboradores e parceiros. Entre as estratégias que a literatura registra para gerar as condições de que a empresa necessita para ser efetiva está a gestão do conhecimento, e em particular, o compartilhamento de conhecimento (Earl, 2001).
A evolução tecnológica e as mudanças sociais forçam a atualização constante do conhecimento de que as organizações precisam para se manterem produtivas e competitivas. A fonte do conhecimento são as pessoas, e somente o tempo e condições propícias permitem que o conhecimento migre do seu nascedouro natural para a organização, inserido em processos, produtos, patentes, cultura, estratégias de gestão, e outros elementos da realidade organizacional.
A realidade vem mostrando às organizações a necessidade de criar e reter o conhecimento demandado para o cumprimento dos propósitos organizacionais; e também, necessidade de estimular colaboradores e parceiros a compartilharem o conhecimento que possuem, e que as organizações precisam para apresentar bom desempenho organizacional (Szulanski, 2000; Huber, 1991). Os benefícios do compartilhamento de conhecimento já têm sido documentados em muitas áreas, mas a efetividade desse compartilhamento varia de uma organização para outra (Argote e outros, 2000), indicando a necessidade de estudos mais específicos que levem a uma compreensão maior da questão.
A habilidade da organização em fazer com que o conhecimento existente internamente seja transferido de uma unidade para outra tem sido entendida como uma contribuição chave para o desempenho da organização (Epple, Argote & Murphy, 1996), e as interações entre pessoas têm sido mencionadas como um caminho para viabilizar o compartilhamento de conhecimento no trabalho (Argote e outros 2000).
Nas organizações e no ambiente de trabalho as pessoas podem compartilhar conhecimento explícito ou tácito. Para Nonaka e Takeuchi (1997) o conhecimento explícito pode ser facilmente comunicado e compartilhado sob diferentes formas: fala, palavra escrita, gráficos e desenhos, gestos, etc.; está nos procedimentos codificados, nas normas, e nos princípios e valores postulados; passa de uma pessoa a outra, de uma unidade de trabalho a outra, através de diferentes mídias, como o CD-rom, filmes, fitas gravadas, textos impressos, e outros.
Já o conhecimento tácito, é altamente pessoal, difícil de formalizar e portanto, difícil de ser comunicado ou compartilhado com outros. Está relacionado com o comprometimento do indivíduo com um contexto específico, um ofício ou profissão, uma tecnologia particular ou com um grupo ou equipe de trabalho. Conclusões, insights e palpites subjetivos incluem-se nesse tipo de conhecimento; o seu compartilhamento é uma etapa crítica para criação do conhecimento organizacional, e exige a existência de um campo onde os indivíduos possam interagir uns com os outros por meio do diálogo. O conhecimento tácito está “enraizado nas ações e experiências de um indivíduo, bem como em suas emoções, valores ou ideais” (Nonaka e Takeuchi, 1997, p.7).
O compartilhamento de conhecimento nas organizações sofre diferentes influências, entre as quais estão as características do emissor e do receptor do conhecimento, do contexto organizacional, e do próprio conhecimento, que podem impactar de várias formas o processo de compartilhamento (Szulanski, 2000; Davenport e Prusak, 1998; Nonaka e Takeuchi, 1997). Assim, por exemplo, o emissor poderá relutar em transferir conhecimento por achar que irá perder ou reduzir seu “status” ao repassar o que sabe, ou por entender que não irá receber nenhum benefício ou vantagem pessoal; ou então, por não confiar nas pessoas a quem deverá repassar o conhecimento, ou simplesmente, por não estar interessado no compartilhamento.
Segundo Davenport e Prusak (1998) expectativas de recompensas estão positivamente relacionadas com o compartilhamento de conhecimento. Essa afirmação, entretanto, foi contestada por Bock e Kim (2002), em um estudo mostrando que a atitude voltada para compartilhar conhecimento é negativamente relacionada com a expectativa de recompensas, e que esta desencoraja a formação de uma atitude positiva direcionada para o compartilhamento. Os autores justificam o resultado do estudo que procederam valendo-se de pesquisas sobre pagamento por desempenho, que de uma forma geral têm mostrado que não existe relação entre recompensas e desempenho, ou que a relação existente é negativa (Kohn, 1998 e 1993).
Bock e Kim (2002) encontraram também relações positivas entre o compartilhamento de conhecimento e a expectativa que o emissor tem de poder contribuir para com o conhecimento da organização. Para Davenport e Prusak (1998), por outro lado, as pessoas poderão entesourar o que sabem, por acreditarem que terão maior parcela de poder frente aos demais, ao dominarem conhecimento que os outros desconhecem. ou então, por estarem desmotivados, inibidos ou incapacitados para o processo de compartilhamento.
O receptor do conhecimento poderá mostrar resistência a usar conhecimentos diferentes daqueles com os quais já está acostumado, ou acreditar que o conhecimento novo irá dificultar o trabalho que realiza, ou ainda, não ver vantagens pessoais na mudança. Poderá ocorrer também que o receptor não consiga apreender e reter o novo conhecimento por falta de qualificações básicas. Szulanski (1995) destaca dois aspectos relacionados ao receptor, que dificultam o compartilhamento do conhecimento: a baixa motivação apresentada para receber o conhecimento que está sendo compartilhado, e a baixa capacidade para absorvê-lo. Em seus estudos o autor encontrou também que o relacionamento entre receptor e emissor do conhecimento compartilhado interfere no processo, funcionando como barreira quando o relacionamento é difícil ou não amigável.
Atitudes das pessoas segundo uma visão teórica
As organizações dependem do interesse das pessoas em repassarem o conhecimento que possuem para os seus pares e demais pessoas com quem interagem no trabalho; dependem também, de que as pessoas queiram aprender continuamente, em particular, queiram assimilar os conhecimentos que são repassados no ambiente de trabalho, assimilar de outros as práticas já vivenciadas e que se mostraram úteis à organização; ou então, o inverso, evitar práticas que não deram certo, que acarretaram prejuízos, e que portanto deverão ser descartadas. Na base desse interesse estão as atitudes das pessoas, explicadas na psicologia por meio de componentes cognitivos, afetivos e comportamentais (Zanden, 1987).
As atitudes em relação a objetos, pessoas, situações e eventos decorrem de experiências pessoais, e são aprendidas ao longo da vida; uma vez desenvolvidas, será difícil identificar o que lhes deu origem, o que acarreta nos indivíduos um estado de inconsciência sobre as atitudes que possuem, atitudes essas que irão afetar os comportamentos que emitem. Embora sendo relativamente estáveis, as atitudes poderão ser modificadas por meio de processos de aprendizagem.
Conforme Eagly e Chaiken (1998), atitudes são tendências psicológicas que expressam uma avaliação de elementos específicos, com graus de favorabilidade ou desfavorabilidade. As pessoas demonstram atitudes quando amam ou odeiam, seja o que for, pessoas, objetos, organizações ou idéias. Além de serem expressas por meio do ódio ou da paixão, as atitudes também são evidenciadas por meio de graus intermediários de emoção, como interesse ou desprezo, atração ou repulsa, preferência ou aversão. Se a pessoa aprova o objeto de sua atitude, é dito que ela apresenta atitude positiva, e se reprova, que apresenta atitude negativa em relação a esse objeto.
As atitudes são formadas para atender a certas funções, de maneira a permitir o ajustamento do indivíduo ao contexto em que está inserido, funções essas que se apresentam como de avaliação do objeto, de ajustamento social, e de externalização. Assim, a função de avaliação do objeto, atribuída às atitudes, orienta as reações do indivíduo em relação aos objetos, pessoas ou eventos com os quais entra em contato; permite que as pessoas avaliem os estímulos deles recebidos, tendo como referência suas atitudes preestabelecidas, o que lhes permite agir de forma coerente com suas atitudes anteriores.
Já a função de ajustamento social atribuída às atitudes tem como papel facilitar as relações do indivíduo com outras pessoas; permite, por exemplo, que em situações de conflito, que poderão ter repercussões indesejáveis, o indivíduo adote atitudes que irão evitar tais repercussões.
A função de externalização atribuída às atitudes, por sua vez, consiste na clarificação de posicionamentos que poderão defender o indivíduo de ansiedades decorrentes de estados pessoais interiores; quando certos acontecimentos contrariam a expectativa do indivíduo, a função de externalização leva a formação de uma nova atitude, com a finalidade de reduzir a tensão provocada pela frustração ocorrida; assim, para conformar-se à situação contrária a suas expectativas, o indivíduo exterioriza uma nova atitude contra o objeto ou situação que o contrariou, reduzindo com isso a sua tensão interna.
As atitudes interferem em praticamente todos os processos psicológicos do indivíduo: influenciam a maneira do indivíduo perceber tanto o contexto a sua volta, como a si mesmo e suas relações com o contexto, sendo importantes na compreensão da percepção humana. Interferem também na motivação, e dessa forma se constituem em um elemento básico para a compreensão desse fenômeno. São também importantes no estudo dos processos de aprendizagem, o que leva Rodrigues (1989) a hipotetizar que “um material coerente com as atitudes de uma pessoa deve ser mais facilmente aprendido que um outro que com elas entre em choque”.
Teoria da ação racional – o modelo de Fishbein e Ajzen
As pessoas são as maiores responsáveis pelos resultados das organizações, e a forma como se comportam frente às demandas decorrentes de suas atribuições influencia o desempenho que apresentam, e potencialmente influencia também o desempenho de suas equipes e da organização. Idéias, metas pessoais, valores, crenças e atitudes influenciam o comportamento que emitem no trabalho; se acreditam, por exemplo, que compartilhar conhecimento lhes trará benefícios, tenderão a ser favoráveis ao compartilhamento (Davenport e Prusak, 1998); essa favorabilidade, segundo Fishbein e Ajzen (1975), poderá ser preditora do comportamento de compartilhar o conhecimento.Introduzida em 1967 a Teoria da Ação Racional – TRA foi testada, desenvolvida e refinada ao longo do tempo (Fishbein e Ajzen, 1975; Ajzen e Fishbein, 1980), mostrando a preocupação de seus autores em construir uma teoria que permitisse tanto predizer como compreender o comportamento. Entendem eles que a atitude é uma quantidade de afeto pró ou contra um objeto ou situação, e que a melhor maneira de medir a atitude é por meio de procedimentos que localizem o indivíduo em uma dimensão bipolar, de caráter avaliativo ou afetivo em relação a um dado objeto.
Assim, a atitude significa uma predisposição do indivíduo para responder de forma favorável ou de forma desfavorável a um dado objeto ou situação. Embora reconhecendo que essa forma de abordar a questão pode não cobrir toda a complexidade que envolve o conceito de atitude, Fishbein e Ajzen (1975) entendem que ela consegue abranger o caráter afetivo, que na visão dos autores, é a parte essencial do conceito. Segundo eles, existem dois componentes principais capazes de predizer as intenções das pessoas: (1) as atitudes que possuem em relação a um dado objeto ou situação, e (2) a percepção que possuem das expectativas de terceiros, para elas significativos, sobre como deverão proceder frente ao objeto ou situação em questão, e a motivação que possuem para agir de acordo com essas expectativas. A este segundo componente os autores denominam norma subjetiva. As atitudes e a norma subjetiva, por sua vez, permitirão predizer o comportamento das pessoas.
Assim, a TRA assevera que a intenção do comportamento decorre de dois estímulos: o primeiro, tem origem na avaliação da própria pessoa, sobre se deve ou não emitir o comportamento, e se caracteriza como a sua atitude em relação ao comportamento; o segundo é consequência da percepção da pessoa sobre as demandas e pressões a ela impostas pelo ambiente externo, e caracteriza a norma subjetiva. A influência desses dois estímulos sobre a intenção do comportamento ocorre em diferentes graus de intensidade, fazendo com que ora prevaleça mais a atitude pessoal em relação ao comportamento, ora prevaleça a norma subjetiva, ora as duas igualmente.
Configuração da escala de atitudes frente ao compartilhamento de conhecimento
Para medir as atitudes frente ao compartilhamento de conhecimento foi construída uma escala de 5 pontos, com 37 itens, que cobrem os principais aspectos do tema registrados na literatura específica sobre o compartilhamento, e que está ancorada na Teoria da Ação Racional, de Fishbein e Azjen (1975), para compreender e explicar as atitudes frente ao fenômeno.
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Referências bibliográficas
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Argote, L., Ingram , P., Levine, J. M., & Moreland, R. L. (2000). Knowledege transfer in organizations: Learning from the experience of others. Organizational Behavior and Human Decision Processes, 82(1), 1-8.
Bock, G.W., & Kim, Y.G. (2002). Breaking the myths of rewards: Na Exploratory study of attitudes about knowlwdgw sharing. Information Resources Management Journal, 15(2), 14-21.
Davenport, T. H., & Prusak, L. (1998). Conhecimento empresarial: como as organizações gerenciam o seu capital intelectual. (L. Peres, Trad.) Rio de Janeiro: Campus. (Trabalho original publicado em 1998).
Eagly, A. H., & Chaiken, S. (1998). Attitude structure and function. Handbook of Social Psichology, 1, 269-322.
Earl, M. (2001). Knowledge management strategies: Toward a taxonomy. Journal of Management Information Systems, 18 (1), 215-233.
Epple, D., Argote, L., & Murphy, K. (1996). An empirical investigation of the micro structure of knowledge acquisition and transfer trough learning by doing. Operations Research, 44(1), 77- 86.
Fishbein, M., & Ajzen, I. (1975). Belief, attitude , intention, and behaviour: An introduction to theory and research. Reading, MA: Addison-Wesley.
Huber, G. P. (1991). Organizational learning: The contributing processes and the literatures. Organization Sience, 2 (1), 88-115.
Kohn, A (1998). Punidos pelas recompensas: os problemas causados por prêmios por produtividade (Cecilia W. Bergamini e Maria H. Steiner, Trad.) São Paulo: Atlas. Edição original publicada em 1993
———–(1993). Why incentive plans cannot work. Harvard Business Review, sep-oct, 54-63.
Nonaka, I., & Takeuchi, H. (1997). Criação do conhecimento na empresa. (A. B. Rodrigues, Trad.) Rio de Janeiro: Campus.(Trabalho original publicado em 1995).
Rodrigues, A. (1989). Psicologia Social. Petrópolis: Vozes.
Szulanski, Gabriel (1995). Unpacking sticloness: un empirical investigation of the barriers to transfer best practice inside the firm. Academy of Management Journal. Briarcliff Manor, p. 437-441
Szulanski, G. (2000). The process of knowledge transfer: a diachronic analysis of Stickness. Organizational Behavior and Human Decision Processes, 82 (1), 9-27.
Zanden, J.W.V. (1987). Social Psychology. Ohio State University. New York: Random House.
Prezada Helena.
Gostaria de conhecer o resulado da validação de sua escala de atitudes frente ao compartilhamento de conhecimentos. Agradeço enormemente se me indicar onde foi publicada.
Abraços, e desde já agradecida,
Elen de Léo.