Muito se fala sobre as mudanças no ambiente de negócios como sendo o principal motor da virada de era: estaríamos em um período de transição entre o modelo industrial e o modelo do conhecimento por conta das muitas alterações no cenário macro-econômico.
Embora isso seja verdade, é importante também discutir até que ponto as mudanças culturais afetam este processo. Trata-se de mais uma situação do tipo “quem nasceu primeiro, o ovo ou a galinha?”. Afinal, não é possível precisar se é a mudança cultural que leva a mudanças macro-econômicas ou o contrário (o mais provável é que seja uma situação complexa, em que ambas se retro-alimentam).
Um dos principais motores das mudanças culturais é, sem dúvida, a Internet, alterando radicalmente a forma como as pessoas se relacionam umas com as outras e também com as empresas e com o que se entende por “conteúdo”. De uma hora para outra, passamos de espectadores a atores, na medida em que trata-se de uma ferramenta bidirecional e construtivista. O poder de negociação e escolha também mudou bastante, bastando o famoso clique no mouse para ver outras opções.
É nesse cenário que surge o que os gurus chamam de “trabalhador do conhecimento”. Mas quem é ele, afinal?
Fazendo a diferença
Uma coisa é certa: trata-se de um profissional que tem incorporado na sua atividade diária o ato de pensar – e de agir.
É interessante notar que a reengenharia e o downsizing, que estiveram tão em voga, tinham como foco central a redução de custos e a busca de uma pretensa melhoria de produtividade, mas seu principal efeito foi colateral: com menos níveis gerenciais, mesmo os funcionários que antes realizavam tarefas burocráticas foram chamados a participar mais ativamente, incorporando atividades que necessitavam de conhecimentos mais amplos, fruto do acúmulo de funções.
Ou seja: a mesma pessoa que vai para o trabalho e passa a incorporar um processo decisório em sua rotina é aquela que, imersa ou afetada pela nova “cybercultura”, é chamada a posicionar-se com muito mais freqüência, seja para escolher quem vai ser o eliminado do Big Brother ou para decidir em que site de e-commerce irá comprar um novo CD (que, por sua vez, também traz uma “faixa interativa” para ser tocada no computador…).
O “trabalhador do conhecimento”, portanto, é sobretudo alguém que incorporou ao seu modelo mental e às suas atividades uma postura mais pró-ativa. É aquele também que, tendo em vista a complexidade do mundo em que vive, sabe que ninguém mais detém, sozinho, o conhecimento necessário para que as coisas aconteçam. Portanto, sua auto-imagem não é a de “mais uma peça na engrenagem”, um “recurso humano”, como acontecia na era industrial, mas sim a de alguém que faz a diferença.
Assim, todas as ordens cegas, sem justificativas ou metas claras, passam a ser vistas com resistência: ele não só está habituado a pensar por si próprio, como sabe que sua colaboração é indispensável. Portanto, quer ser ouvido, respeitado, considerado no processo. O reconhecimento, seja da empresa, seja dos seus pares, passa a ter um valor relativo muito maior do que tinha no modelo industrial.
Não por acaso, pesquisas na área de RH confirmam este novo perfil, embora não o expliquem.
Hierarquia x Matricialidade
Este cenário aponta para uma constatação que é vista comumente nos textos de Peter Senge, Peter Drucker e Charles Handy: o modelo hierárquico não mais é capaz de dar conta da nova realidade – que inclui criar um ambiente favorável ao trabalhador do conhecimento. Como também não é favorável ao dinamismo exigido pelos novos tempos.
A hierarquia parte do pressuposto de que um núcleo pensa e outro executa – mas o trabalhador do conhecimento pensa e executa… Nela, departamentos estanques concentram a expertise sobre determinados temas – mas o trabalhador do conhecimento já descobriu, na prática, que a inovação, em seu sentido amplo, depende sobretudo de um saber multidisciplinar, que ninguém domina sozinho…
Na hierarquia, você vale pelo peso do seu cargo – e o trabalhador do conhecimento quer valer pelo que agrega, independente de sua posição. Mais ainda: só respeita efetivamente quem admira intelectualmente, motivo pelo qual chefes precisam se transformar em líderes… O modelo industrial também gera, a despeito dos downsizings da vida, uma estrutura grande e complexa, criando um grau de impessoalidade que não favorece o reconhecimento… E por aí vai.
Não por acaso as soluções matriciais surgiram: unidades de negócio substituem os departamentos. Nelas, estão reunidas verdadeiras forças-tarefas multidisciplinares, com grande autonomia. Para o trabalhador do conhecimento, é sinônimo de possibilidade de influenciar – é a chance de ser ouvido e reconhecido nesse microcosmo. O comprometimento acontece de forma mais natural e substitui, com ampla vantagem, os controles excessivos, obsessivos e burros do mundo industrial. Os portais corporativos vêm auxiliar na criação do amálgama necessário para que essas partes autônomas conversem e ainda sintam-se integrantes de um todo. Trata-se, portanto, de uma estrutura confederada – bem diferente dos organogramas tradicionais e militares, portanto.
Empresas como Microsoft e Nokia, no mundo, e Magazine Luiza e Natura, no Brasil, comprovam o quanto estruturas inovadoras, que favorecem a gestão do conhecimento, são bem mais do que meros modismos. Não por acaso elas são líderes, despertando admiração e inveja na concorrência. Elas estão fazendo história, construindo novos paradigmas.
Esquizofrenia da transitoriedade
É interessante notar que essas mudanças estruturais não visam, de forma paternalista, “adequar a empresa ao seu funcionário”, como querem alguns críticos. Trata-se de uma adequação aos novos tempos, que inclui também considerar como facilitar e estimular a participação de seus colaboradores – o que, no final das contas, é um dos elementos fundamentais para a conquista do lucro e da liderança, como comprovam as empresas citadas anteriormente.
Infelizmente, ainda vemos a predominância do modelo industrial (o que é natural, visto que está prestes a completar um século de história), ao mesmo tempo em que ascende o novo perfil do colaborador, caracterizado como “trabalhador do conhecimento”. Com isso, surgem situações veladas de conflito, quando as expectativas da empresa e do funcionário são incompatíveis.
Estes talentos estão em busca do seu grupo, do seu local no mundo. Afinal, não pode haver situação pior do que a do colaborador que já possui a mentalidade nova, do “trabalhador do conhecimento”, e é obrigado a trabalhar no arquétipo industrial, que ainda domina amplamente esse momento de transição… Será um eterno incompreendido, visto como “mau soldado”, tendo que optar pela resignação ou pela revolta. E é sério candidato a portador da mais nova síndrome dessa virada de século: a esquizofrenia da transitoriedade…
Em função disso, as empresas mais avançadas, que baseiam sua estrutura na matricialidade, causam não apenas inveja na concorrência, mas também despertam o interesse destes profissionais. Assim, ganham mais uma vantagem sobre as demais, uma vez que estão também à frente na tarefa de buscar e reter talentos, algo tido como crucial na nova era.
Já é hora de encarar de frente e com coragem a realidade e seu dilema: mudanças de paradigmas evocam muito mais a idéia de “revolução” do que de “reforma”; entretanto, certamente não é fácil “trocar a roda com o carro andando”… Mas se é verdade que, em um mercado cada vez mais globalizado, a qualidade e a TI caminham para a condição de commodity, somente o capital intelectual será capaz de gerar a inovação que diferenciará os líderes dos demais. Não parece haver outro caminho.
Assim, mudar é o desafio que se impõe e retardar o processo pode significar, para as pessoas jurídicas, a diferença entre sobreviver ou não na nova era, que está apenas começando…