O Brasil na Sociedade do Conhecimento

Muito se tem falado em todo o mundo, de uns anos para cá, sobre a sociedade e a economia do conhecimento, onde os tradicionais fatores de produção a terra, o capital e o trabalho deixam de ser o principal moto-gerador de riqueza sendo substituídos pelo conhecimento. Um exemplo disso é o número cada vez maior de empresas que produzem e distribuem informação e conhecimento estarem relacionadas na lista das 500 maiores da revista Fortune. Esta nova economia está baseada num conceito inverso à economia tradicional, visto que o conhecimento, ao contrário do que acontece com outros recursos, não diminui com o uso, mas sim aumenta. Indícios desta mudança são, entre outros: o aumento da participação do segmento de serviços na economia, o aumento do valor agregado de diversos produtos em função de uma considerável parcela de conhecimento embutido, bem como o aumento da riqueza mundial devido aos bens e produtos intangíveis (software, patentes, música, serviços de consultoria, etc.). Dados de organismos mundiais, como a OECD e o Institute for the Future, indicam que 50 a 60% do PIB dos países desenvolvidos advém do uso do conhecimento.

Atualmente o valor de serviços e produtos é cada vez mais dependente do seu conteúdo de tecnologia, inovação e inteligência. O que mostra um aumento relativo da quantidade de trabalho sobre a informação em relação à quantidade de trabalho sobre a matéria, ou seja, a desmaterialização ou informacionalização do trabalho (MARQUES, 1999). Isto se dá em função de cadeias cada vez mais longas entre a matéria-prima e o produto final, onde em cada etapa trabalha-se mais sobre a informação do que sobre a matéria, fazendo assim com que o valor agregado dependa menos desta.

Nos mercados emergentes da Ásia, Europa Ocidental e América Latina, onde se insere o Brasil, esta mudança também se faz presente. Os indicadores que dispomos no Brasil mostram que em apenas um século, o número de trabalhadores do setor de serviços passou de 10% para 70% e o setor industrial de 70% para menos de 30%. Como o conhecimento depende intrinsecamente do ser humano e da sociedade onde ele está inserido e, conseqüentemente, do seu grau de instrução, capacidade de pesquisa, e capacidade de relacionamento e comunicação com os outros, para que tenhamos uma análise mais fidedigna, é necessário avaliar-se também indicadores como: média de anos de estudo, número de concluintes do nível superior, número de mestres e doutores, acesso aos meios de comunicação digital como a Internet, produção técnico-científica do país e investimentos em pesquisa e desenvolvimento entre outros. Analisando-se todos estes indicadores nota-se que todos apresentam tendência de crescimento (CARDOSO, 2002), porém a uma taxa muito aquém do necessário para levar o Brasil a uma posição de destaque nesta nova economia. Isto decorre do fato de que somente com uma política de educação e de apoio à pesquisa e desenvolvimento, baseada em uma estratégia nacional muito clara é possível atingir-se a massa crítica necessária para alcançar o circulo virtuoso onde conhecimento gera cada vez mais conhecimento e, conseqüentemente, mais riqueza. Enquanto o Brasil e os países que formam os mercados emergentes não conseguirem atingir esta massa crítica, estes estarão fadados a assumir a posição de produtores e exportadores de produtos agrícolas e industriais de baixo valor agregado e importadores de produto intensivos em conhecimento. Desta forma, estes países dificilmente terão condições de fazerem a transição de sociedade industrial para a sociedade do conhecimento, ou quando muito farão uma inserção capenga nesta sociedade, aumentando a assim cada vez mais o abismo que existe entre os países desenvolvidos e os emergentes, além de agravar o estado de dependência de um em relação ao outro. A Coréia do Sul é um bom exemplo de país que conseguiu, com estratégia e políticas claras de médio e longo prazo reverter esta situação e começar a figurar como mais um ator importante na sociedade e economia do conhecimento.

Nesta perspectiva, como se encontra o Brasil posicionado? Cavalcanti et al, sugerem que o país pode ser um excelente mercado consumidor, uma vez que ainda não se encontra saturada a demanda por produtos, exemplo automóveis. Porém, perguntam, que papel o país quer ter neste processo? Dominante ou dominado? Seguir o roteiro já definido pelos centros hegemônicos do capitalismo ou uma inserção altaneira, de igual para igual? Potencial para uma posição mais positiva existe – exemplo das tecnologias de perfuração de petróleo, softwares, música e entretenimento. Porém, se seguirmos o que está sendo traçado, continuaremos no papel histórico de produtores / exportadores de bens de uma onda passada e importadores de produtos da nova onda. Exige-se, portanto, um esforço coordenado da parte da sociedade para definir prioridades claras para o favorecimento da inovação e o empreendedorismo.

Após uma análise do exposto fica a dúvida se estamos realmente entrando em uma sociedade igualitária baseada no conhecimento ou se estamos na realidade em uma sociedade da informação, visto que as novas tecnologias de comunicação ao mesmo tempo em que impactam fortemente a economia e a cultura trazem uma quantidade gigantesca de informações que poderia ser comparado ao dilúvio. É óbvio que sem a informação seria praticamente impossível governar um país ou gerar novo conhecimento, ou seja, sem ela não existiria a sociedade do conhecimento; portanto a informação pode ser considerada como facilitadora na criação do conhecimento. Também é claro que, apesar de uma grande quantidade da população ainda estar restrita à esfera da simples informação, o conhecimento técnico-científico, mesmo que limitado a uma elite, já se transformou na grande mola propulsora de nossa economia. Contudo, esta visão mais tecnológica nos induz a acreditar que o conhecimento pode ser medido, comparado e armazenado. Este enfoque acaba por comoditizar e desumanizar o conhecimento, além de torná-lo excessivamente tecnocrático. Por fim fica a pergunta: Será que a verdadeira sociedade do conhecimento não seria aquela na qual o conhecimento fosse considerado em sua totalidade, para incluir a filosofia e as ciências humanas, e não apenas a sua vertente técnico-científica, e que fosse acessível de forma igualitária a todas as classes sociais e determinasse a organização social e a distribuição da riqueza?

Podemos concluir que um longo caminho deverá ser percorrido pelo nosso país no sentido de se preparar para enfrentar os desafios de uma sociedade com as características apontadas. O que pode ser feito? Nossa opinião é de que é necessário um plano estratégico que contemple os seguintes elementos: educação, infra-estruturas, políticas públicas e regulamentação. O plano de educação deve abranger o desenvolvimento de novos conteúdos nas escolas, formação de professores, facilitadores e treinadores, produtores de conteúdos para uma educação baseada no uso da computação e das novas tecnologias de comunicação – e-learning. Esta formação é essencial para transformá-los em agentes de mudança que nos levem a atingir as metas da economia do conhecimento. No campo da infra-estrutura, deverá ser assegurado o acesso, através de um plano nacional, a preços acessíveis, à tecnologia da informação e de telecomunicações, incluindo banda larga. Também a integração entre as instituições de ensino e centros de pesquisa, públicos e privados permitindo que se tenha acesso a financiamentos, por parte das indústrias, aos projetos a serem desenvolvidos nessas instituições, como ocorre nos EUA, por exemplo. Em termos de políticas públicas, o governo necessita de desenvolver uma política abrangente para a educação e o treinamento, incluindo a pesquisa e o desenvolvimento, que apóiem a economia da informação e a sociedade do conhecimento. Políticas a todos os níveis (nacional, estadual e municipal) devem articular-se numa visão de futuro, prevendo um nível de investimentos para efetivar a mudança e promover equidade e acesso a todos, fazendo com que a indústria da educação e ensino sejam eficientes e competitivos nacional e internacionalmente.

Finalmente, é preciso criar uma série de regulamentações, na área das telecomunicações, propriedade intelectual, conteúdos on-line, comércio eletrônico e outras áreas afins, no sentido de se ter um esforço coordenado nacionalmente. É especialmente importante uma legislação clara sobre direitos autorais, que, na sociedade do conhecimento, é um dos maiores ativos. Essa legislação deve incorporar os desenvolvimentos e tendências internacionais, para permitir o desenvolvimento do país, e não, como sucede, fechar o país ao contato externo, como aconteceu no caso da informática em passado recente.

Bibliografia

  • Cardoso, F. H. O Brasil a caminho da sociedade do conhecimento. XIV Fórum Nacional. INAE – Instituto Nacional de Altos Estudos. Rio de Janeiro, 2002
  • Cavalcanti, M. C. B.; Gomes, E. B. P.; Pereira Neto, A. F. Gestão de Empresas na Sociedade do Conhecimento: um Roteiro para a Ação. Rio de Janeiro: Campus, 2001.
  • Kurz, R. A ignorância da sociedade do conhecimento – Caderno Mais!, Folha de São Paulo, 13 de janeiro de 2002
  • Lobo, F. A era da ignorância – Carta Capital, #137, 6 de dezembro de 2000
  • Marques, I. C. Informacionalização e mudanças estruturais – empregos e divisão do trabalho in Albagli, S. e Lastres, H. M. M. Informação e Globalização na Era do Conhecimento. Rio de Janeiro: Editora Campus, 1999.
  • Rouanet, S. P. Fato, ideologia, utopia – Caderno Mais!, Folha de São Paulo, 24 de março de 2002.

1 comment

  1. Mário A. Russo 12 Setembro, 2004 at 22:59 Responder

    Parabéns pela qualidade do V/ Portal.

    O artigo “O Brasil na Sociedade do Conhecimento”, é muito interessante e actual, tal como o é na Europa e para muitos mais países do que parece. A questão da educação para o conhecimento é fulcral e não é à tôa que se discute na União Europeia a Declaração de Bolonha, no sentido da criação de um espaço europeu do ensino superior em que mais do que os graus de ensino (licenciatura, mestrado ou doutorado) se discutem as competências e a validação de saberes/conhecimentos adquiridos fora do espaço formal de ensino.

    Uma questão pungente é o baixo nível de conhecimentos com que os alunos chegam hoje aos estabelecimentos de ensino superior para iniciarem uma formação.

    Parece-me que uma das causas radica nas próprias famílias que encaram o ensino como uma actividade lúdica, sem esforço. Em todos os níveis de ensino, após a iniciação, em que os educadores de infância ensinam e ajudam as crianças a brincar, os restantes níveis de ensino são preparados para não traumatizarem as crianças, chegando ao superior sem métodos de estudo, sem rigor, sem paciência para aprender, porque… simplesmente não adquiriram antes.

    Os alunos do superior são tão fracos que os docentes têm que baixar o nível de exigência para que o insucesso escolar não seja mais arrepiante. Assim, não há muita esperança que a tal sociedade do conhecimento floresça nos nossos países.

    Pergunta-se: e os “Tigres Asiáticos”? como superaram? Bem, desde a primeira hora foram rigorosos e não embarcaram no facilitismo característico dos educadores vindos da geração do Maio de 68 – a pior das gerações educadoras – as que confundiram liberdade com libertinagem e o que deu está à vista de todos.

    Mas é tudo ruim? claro que não, porque hoje há 10 vezes mais alunos no superior do que há 30 anos, pelo que bastam 10% desses alunos para se equivaler aos bons de outros tempos, salvando a honra do convento. Mas convenhamos, é pouco, e o pior, é que há pouca vontade política de acabar com a vergonha, de gastarem-se fortunas no ensino superior público com tão baixos resultados. Estamos, acima de tudo, a formar os ignorantes do futuro, outorgando-lhes um diploma (de incompetentes).

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