O que os Deuses Gregos sempre souberam a respeito de Criatividade

Não é incomum comparar-se a criatividade com uma planta que brota da terra. Mais freqüente ainda é a imagem da lampadinha, quase um ícone para ilustrar uma idéia. Idéias e inovações brilham, são fáceis de serem percebidas. Mas como chegar a elas?

Há um lado que as pessoas e as organizações deveriam conhecer melhor que é, por enquanto, o lado misterioso do processo criativo.

O mundo subterrâneo

Uma semente que brota vem de um Mundo Subterrâneo. Na mitologia grega este é o Mundo de Hades, deus do desconhecido e de tudo o que se processa dentro de nós de maneira nebulosa ou incerta.

Podemos dizer que o reino de Hades simboliza o inconsciente, tanto o individual como o coletivo. O Subterrâneo de nossas mentes é a moradia do pensamento, da memória, de nossos anseios e receios. Imagino que é neste mundo que a incubação, a intuição e as sinapses criativas acontecem antes de se tornarem visíveis.

O insight – a compreensão profunda de uma situação – ou o “a-há” de uma idéia mostram-nos quase fisicamente esse pulo de dentro para fora de nossas mentes.

Mas o mundo de fora é outro.

O mundo da luz

O Mundo da Luz é o reino do brilho e do poder. É também o domínio de Zeus, deus supremo do Olimpo. A construção de seu reinado foi feita por meio de conquistas, visão estratégica e alianças.

Psicologicamente, o domínio do céu representa o consciente, o raciocínio lógico, a supremacia e a visão panorâmica.

Zeus, portanto, simboliza o sucesso e o controle. Pessoas que vivem esse arquétipo são estrategistas, sabem administrar riscos e tendem a ser vitoriosos. Assim são percebidas as idéias, as oportunidades e as inovações. Há um lado da criatividade que brilha, mas que não existiria sem a matéria-prima que está no subterrâneo.

Cegos de tanta luz

No mundo das organizações só se reconhece Zeus, onde o poder, a assertividade, o marketing pessoal e o controle são altamente favorecidos. Qualquer comportamento diferente desse arquétipo é visto com estranheza, ou pior, como característica dos lunáticos.

No mundo de Zeus, tudo aquilo que não é visível não é digno de existir.

Entendemos bem os aspectos iluminados da Criatividade. Sabemos avaliar uma boa idéia , valorizamos a persuasão e a força de vontade que a implementação de uma idéia demanda. Sobretudo, amamos a certeza.

Não é de se estranhar que nossa cultura identifique o mundo de Hades, por ser incerto, como o inferno. Zeus adora o controle e, portanto, detesta tudo o que não é absolutamente preto ou branco e mais ainda o imprevisto, o desconhecido.

O trânsito entre os dois mundos

Quero falar sobre Perséfone, também conhecida como a Guia do Mundo Inconsciente, a deusa das estações do ano, dos ciclos e da renovação. Essa é a deusa que nos ensina a transitar entre os dois mundos citados acima.

O seu grande poder é o domínio de quando e como visitar o inconsciente e como retomar o controle. Perséfone sabe buscar a sabedoria que se encontra na mente profunda e trazê-la à tona.

Pensemos, por exemplo, nos instrumentos de Geração de Idéias. O Brainstorming, um dos mais conhecidos, inicia com um livre fluxo de idéias que não deve ser interrompido e posteriormente, as muitas idéias resultantes são avaliadas.

O Pensamento Lateral convida a uma fuga temporária do pensamento lógico. Sua prática consiste na passagem pelos caminhos do absurdo antes de voltar para a trilha habitual. Devido a esses estágios, é possível obter-se idéias novas e válidas.

Synetics, outra técnica, fala em “fazer o familiar ser estranho e o estranho tornar-se familiar”. Trata-se, portanto de transportar-se de um problema, produto ou situação para um outro universo, para posterior retorno.

O que esses instrumentos têm em comum? Todos alternam momentos de fuga do pensamento tradicional com a volta à lógica e à avaliação racional.

Não seriam estes instrumentos formas seguras para fazermos pequenos mergulhos no Mundo de Hades? Controlado, permitido e com hora marcada. Portanto aceito no Mundo de Zeus.

A sábia Perséfone, como uma mãe que segura os braços de seu filho quando ele dá seus primeiros passos, criou formas seguras para retirar sabedoria do inconsciente.

As boas idéias das empresas que utilizam instrumentos como os citados são as provas vivas de que funcionam e, as empresas e institutos especializados, não param de estudar a respeito.

Muitas boas idéias partem do “e se…”, da livre especulação pelo universo das possibilidades, mas o paradigma organizacional quer nos prender à certeza dos bons resultados desde o início do processo.

É difícil conviver com a desordem e a insegurança de não saber aonde vamos chegar. Também é trabalhoso abandonar crenças e procedimentos que um dia nos foram úteis. Entretanto, desordem e revisão são etapas obrigatórias da inovação, da mudança e da aprendizagem. Já diziam os gregos.

4 comments

  1. Roberto Miranda 5 Abril, 2005 at 23:06 Responder

    Excelente o artigo de Gisela Kassoy, felicíssima ao fazer a analogia entre a mitologia grega e a GC. Parabéns.

  2. Manoel Jesus 12 Maio, 2005 at 23:09 Responder

    Parabéns pelo artigo. Gisela Kassoy foi muito feliz na clareza da argumentação e nas analogias estabelecidas. Vou utilizá-lo em sala de aula para alunos de Relações Públicas, na disciplina de Gestão em Conhecimento e Negociação.

  3. Ferdinand 4 Fevereiro, 2011 at 23:11 Responder

    Excelente metáfora.

    Muito bom também em indicar a fuga do pensamento comum como catalizadora de novas idéias. Quando se abandona a idéia corrente, a que se apoderou de nossa mente, abre-se espaço para a formulação de novas hipóteses. Me identifico mais com este processo do que com o processo de “conversão” entre tácito e explícito para a geração de novas idéias/conhecimentos.

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