Conhecimento é um idéia importante em muitas áreas, sendo por isso conceituado de diversas formas, mas em nenhuma delas parece ter surgido uma conceituação capaz de se tornar uma referência, se não universal, pelo menos capaz de satisfazer diferentes áreas. O presente artigo certamente não tem essa pretensão, mas tem a ambição de ser útil pelo menos na área de Gestão do Conhecimento, dentro da qual foi elaborado o artigo original(1) onde esse conceito começou a ser trabalhado.
O conceito proposto, que se pretende muito mais operacional do que filosófico, pois não tem nenhuma fundamentação filosófica explícita, faz uma forte vinculação entre Dados, Informação e Conhecimento. Por isso a necessidade de conceituar cada um deles. Observe-se que os conceitos propostos não buscam qualquer vinculação com aqueles usualmente empregados na área de Tecnologia da Informação, apesar da forte ligação desta com as implementações de Gestão do Conhecimento.
Dado
É qualquer indício ou registro que permita identificar alguma característica de uma entidade ou evento.
- “indício ou registro”: por que um dado não é, necessariamente, resultado de uma intenção de registrar alguma coisa – um som qualquer, uma pegada, a sombra de um objeto, o aspecto de uma rocha, podem ser dados;
- o dado não precisa ser um registro físico – uma imagem ou um valor, guardados na memória de uma pessoa, ou transmitidos verbalmente, podem ser dados;
- “entidade” está representando qualquer coisa, concreta ou abstrata, sejam objetos, entes, idéias, fatos, situações, etc.
Informação
É o significado que um conjunto de dados tem para alguém.
Um conjunto de dados representa uma Informação, para uma pessoa, quando ela consegue perceber as relações entre os elementos do conjunto, que lhe definem um contexto, e suas relações com outros dados e informações que já lhe são familiares, lembranças, impressões, experiências, etc., estabelecendo assim seu significado para ela.
- Informação é uma visão pessoal sobre um conjunto de dados – as relações percebidas associam ao dado um significado próprio, na medida em que são específicas para cada indivíduo, pois dependem de suas experiências anteriores, do que ele tem armazenado em sua memória e de sua capacidade de estabelecer essas relações. Assim, um mesmo conjunto de dados não gera a mesma informação para diferentes pessoas. Nos casos mais simples, envolvendo dados e relações menos complexas, as informações percebidas por diferentes pessoas poderão ser mais semelhantes. Quanto maior a complexidade da Informação, mais ela dependerá do repertório anterior e da capacidade de cada indivíduo de estabelecer essas relações e, portanto, mais pessoal será.
- Informação é, portanto, a leitura que cada indivíduo faz de um conjunto de dados, é o significado que lhe atribui ao “internalizar” esses dados.
- As relações mencionadas podem ser percebidas intuitivamente, e assim permanecerem, podem ser interpretadas posteriormente, ou podem ser estabelecidas pela reflexão. Em geral haverá uma mistura de todas essas situações. Quando as relações são predominantemente intuídas, e assim permanecem, podemos caracterizar a informação como tácita. Quando grande parte das relações é determinada conscientemente, ou interpretada conscientemente a partir da percepção inicial, ela é explicitável. Em geral a explicitação não pode ser total, pois raramente todas as relações serão determinadas ou interpretadas conscientemente – algumas delas podem permanecer inconscientes ou difíceis de descrever, ou podem estar associadas a impressões, lembranças, etc., também difíceis de verbalizar.
Poderíamos representar as informações armazenadas na memória como uma complexa rede, onde os nós representariam dados, e as ligações seriam as relações estabelecidas entre eles. Um nó com alta densidade de ligações representaria uma Informação mais rica. Um nó isolado seria um dado memorizado sem um significado associado. Qualquer novo dado introduzido nessa rede, como informação, ao estabelecer suas relações, seria colocado na região onde se concentrasse a maior densidade de suas relações. Essa posição, junto com as relações, representaria seu significado, pois o localizaria junto a informações afins e evidenciaria suas conexões com elas. Perceberíamos, então, que a introdução de uma nova informação sempre afetaria de alguma forma a rede, isto é, modificaria informações e significados previamente existentes.
Poderíamos identificar, dentro da rede, diferentes áreas de concentração de conexões. Elas poderiam estar representando assuntos, isto é, áreas de informações mais relacionadas entre si.
Poderíamos ainda perceber segmentos com certas configurações espaciais semelhantes, indicando a presença de diferentes estruturas de aquisição de informações. As estruturas já existentes poderiam facilitar a aquisição de novas informações, pois o estabelecimento de suas relações seria facilitado pelo uso dessas estruturas como “modelos”. Por outro lado, uma ênfase excessiva nessas estruturas pré-existentes poderia acarretar uma certa rigidez ao processo, dificultando a criação de novas estruturas e, portanto, a aquisição de informações com características muito diferentes das já possuídas.
Comunicação da Informação
Sabemos que dados podem transmitidos e recebidos com um grande grau de fidelidade. A comunicação de dados é algo presente em muitos aspectos de nossa vida diária. E a informação, poderia também ser comunicada?
Se o detentor da informação for capaz de explicitar a maioria das relações que estabeleceu na aquisição da informação, poderá eventualmente comunicá-las a outros. Estes poderão, assim, adquirir uma informação semelhante, mas certamente diferente da original, não só pelas limitações na identificação e explicitação das relações, como também pela impossibilidade de assegurar que as relações estabelecidas tenham o mesmo significado para cada receptor. Essa nova informação, do receptor, poderá se aproximar daquela, na medida da precisão e abrangência da explicitação, da qualidade da comunicação e da equivalência das experiências pessoais do emissor e dos receptores, relacionadas diretamente ou não ao assunto (background geral e específico). Portanto, uma informação só pode ser objeto de uma comunicação se suficientemente explicitada e, mesmo assim, sem garantias de fidelidade.
Conhecimento
Ao conceituar “informação” acima, mencionamos a necessidade de seu detentor possuir uma capacidade de estabelecer relações dentro de um conjunto de dados e desse conjunto com outros conjuntos de dados e informações já existentes em sua memória, para estabelecer seu significado. É a essa capacidade, desenvolvida por alguém, que chamamos de conhecimento.
- É uma capacidade, pois o conhecimento é dinâmico: quem conhece pode estabelecer novas relações, tirar novas conclusões, fazer novas inferências, agregar novas informações, reformular significados. Ao exercitar o conhecimento, ele se consolida e cresce.
- As relações podem servir para estabelecer contextos para as informações, realizar comparações, categorizações, classificações, associações, etc., que definirão seu significado e a capacidade operativa sobre elas.
- Muitos fatores podem influir na facilidade do estabelecimento e na riqueza das relações percebidas: experiência, insight, intuição, raciocínio lógico, etc.
- Quanto maior o volume de informações e conhecimentos de alguém, maior sua facilidade de ampliá-los, pois não só partirá de uma base mais rica de informações e conhecimentos, aumentando as referências para o estabelecimento de novas relações, como, provavelmente, conhecerá um repertório maior de tipos de relações e estará também mais “treinado” para reconhecê-las.
- Se as relações mencionadas forem predominantemente apenas intuídas, estabelecidas pela percepção e não trabalhadas conscientemente, teremos um conhecimento Tácito.
- Se grande parte das relações for deduzida conscientemente, ou interpretadas conscientemente a partir de sua percepção inicial, teremos um conhecimento Explícito.
Explicitação do conhecimento
Mais ainda que no caso de informações, é possível explicitar apenas uma parte do conhecimento, pois, além das limitações da linguagem verbal, muitas das relações que esse conhecimento permite estabelecer são apenas intuídas, muitas das informações que participam das relações também podem ser tácitas ou relacionadas a impressões, lembranças, valores, crenças, etc., aumentando ainda mais a dificuldade da explicitação.
Entretanto, da mesma forma que a ciência utiliza modelos para descrever a Natureza, ciente que está descrevendo uma abstração, uma visão parcial e idealizada daquela, o conhecimento explicitado pode descrever modelos (lógicas, regras, métodos, analogias, etc.) que “ensinam” a operar sobre determinados conjuntos de dados, para obter pelo menos parte das informações que o detentor original do conhecimento é capaz de conseguir a partir deles. Essa explicitação pode ir sendo depurada e desenvolvida, caminhando na mesma direção do conhecimento original.
Graus de conhecimento
Do que foi dito acima, podemos conceituar conhecimento (sobre um assunto) como:
É a capacidade, adquirida por alguém, de reconhecer um conjunto de dados como pertencente ou relacionado ao assunto, interpretar e operar sobre eles, extraindo deles significados, isto é, informações. Essa capacidade vai sendo desenvolvida através da aquisição de mais informações sobre o assunto, isto é, do exercício reiterado de estabelecer relações sobre diferentes conjuntos de dados, e desses conjuntos com outros conjuntos que já lhe são familiares (incluindo outras informações, experiências, impressões, valores, crenças, etc.), que lhe permitem atribuir-lhes um significado e tirar conclusões sobre eles, e a partir deles.
Podemos reconhecer que a posse de um conjunto significativo de informações (mas não apenas de dados) sobre um assunto já indica um conhecimento, pois pressupõe necessariamente que houve a capacidade de extrair essas informações de conjuntos de dados.
A capacidade de explicitar um conhecimento seria o grau mais elevado desse conhecimento, não necessariamente relacionado à sua extensão ou profundidade, mas à compreensão de seus mecanismos.
Comunicação do conhecimento
Da mesma forma que no caso da informação, só um conhecimento explicitado pode ser objeto de comunicação, O nível de sucesso no processo de comunicação não será representado pelo grau de semelhança formal entre o conhecimento original do transmissor e aquele adquirido pelo receptor no processo de comunicação, que não há como ser medido, mas pelo grau em que esse processo facilite ao receptor o estabelecimento de capacidades operativas semelhantes sobre conjuntos de dados semelhantes, na criação do seu conhecimento.
A tentativa de comunicar um conhecimento, mesmo com suas dificuldades e limitações, pode ajudar a desenvolver e multiplicar esse conhecimento – por um lado, o esforço para sua explicitação e comunicação, e para dar respostas a eventuais dúvidas e questionamentos, pode resultar no seu aprofundamento ou refinamento por parte de seu detentor original – por outro, cada receptor, ao adquirir a sua versão daquele conhecimento, pode também aprofundá-lo e estendê-lo.
De qualquer forma, a melhor maneira de comunicar um conhecimento, isto é, permitir que outros o adquiram, é criar condições para que cada receptor reproduza e vivencie, real ou virtualmente, caminhos equivalentes aos que permitiram sua aquisição pelo detentor original, apoiando-o eventualmente nesse percurso.
Referências
1. HASHIMOTO, Alberto N. – O QUE É CONHECIMENTO – disponível em https://kmol.pt/artigos/2003/02/01/o-que-e-conhecimento – acessado em 14/09/09
2. SETZER, Valdemar W. – DADO, INFORMAÇÃO, CONHECIMENTO E COMPETÊNCIA – disponível em http://www.ime.usp.br/~vwsetzer/dado-info.html – acessado em 14/09/09
Ana,
Isso foi quase uma revisão bibliográfica para uma dissertação! Felizmente, na minha dissertação atual tenho outras referências diferentes desta (como Drucker, Nonaka e Takeuchi, Terra etc.). Vou utilizar as suas também.
Um abraço.
Rafael,
Por favor atente ao facto de o texto não ser da minha autoria mas sim do Alberto Hashimoto que, gentilmente, quis connosco partilhar a forma como as suas ideias têm evoluído nesta matéria.
O KMOL, felizmente, recebe contribuições de outras pessoas e esta é uma delas.
Rafael, quando a KMOL publicou meu artigo original, em 2003, eu estava bastante interessado na área de KM (Gestão do Conhecimento). Participando de grupos de discussão e lendo os autores mais mencionados na época, como Nonaka e Takeuchi, Davenport, Senge, etc., fiquei intrigado pela ausência de um conceito de “conhecimento” razoavelmente consensado pelo menos dentro dessa área. Senti até que muitos autores “fugiam” da responsabilidade de assumir um conceito. Fui então buscar os conceitos da Filosofia, mas eles me pareceram pouco “operacionais” para a KM. Por isso resolvi refltir mais sobre o assunto e escrevi aquele primeiro artigo. Mas os conceitos básicos expostos lá não me satisfaziam e desde aquela época venho repensando o assunto. E recorri à gentileza da Ana Neves para publicar essa revisão da parte inicial daquele artigo, pois o restante eu não mudaria muito.
Espero que lhe seja útil.
Abraços,
Alberto
Excelente artigo. Sempre simpatizei com a abordagem proposta por SETZER para caracterizar DADO, INFORMAÇÃO E CONHECIMENTO. Sua proposta me parece seguir uma linha bem próxima, com algumas diferenças em relação ao conceito de Conhecimento. Há quem defenda que podemos incluir ainda um próximo nível de abstração, chamado de SABEDORIA, o qual, ao meu ver, diz respeito ao uso que se faz do conhecimento e que tem forte relação com os valores de cada um.
grande abraço e obrigado pelo artigo.
Marcelo Mello
Obrigado, Marcelo.
Penso que há diferenças entre os conceitos do Setzer e os meus, já sobre “informação”, mas principalmente sobre “conhecimento”, como vc. já apontou, Mas, sem dúvida, de todos os que eu já li, são os mais próximos. Não tenho certeza se na época da publicação do meu artigo original eu já tinha lido o artigo do Setzer, pois não o mencionei como referência, mas pode ter sido uma falha minha, pois lembro de ter conversado com ele sobre competência em 2001 ou 2002.
Quanto à “sabedoria”, não consigo ver no mesmo encadeamento conceitual de “dados, informação e conhecimento”, pois é um conceito ainda mais subjetivo e envolve juizos de valor, o que não acontece com aqueles.
Abraços,
Alberto
Uma das primeiras pessoas que vi referirem a Sabedoria (Wisdom) como sucessora do Conhecimento foi Verna Allee que já tive o prazer de aqui entrevistar.
Como o conhecimento só se dá a conhecer no momento que a pessoa age, pois está internalizado no seu inconsciente, creio que o último elemento desta sequência é mesmo a “competência” pois desvela o conhecimento. De todos os modos, quem conhece é sempre o ser humano, de forma pessoal e única, de modo dinâmico e tem um vídeo no youtube mostrando o conhecer de um jovem muito interessante: http://www.youtube.com/watch?v=arD374MFk4w
Muito obrigada, Angelo. O vídeo que sugere é uma inspiração e é um exemplo bem interessante de como a informação que se adquire nos livros pode ser posta em prática de forma e dar origem a conhecimento e competência.
Oi Angelo,
Muito estimulante o vídeo. Pode-se ver a motivação, a busca do conhecimento e a realização se alimentndo mutuamente.
Quanto à competência, concordo que, do ponto de vista dos outros, é o agir que evidencia o conhecimento. Mas o agir e, portanto, a competência, dependem também de outros fatores, não relacionados ao conhecimento, como a motivação e a habilidade.
Vejo a competência em 3 relações diferentes com o conhecimento:
A primeira, exemplificada por um pesquisador em matemática, onde a competência praticamente só depende do domínio do assunto específico e se demonstra dentro dela.
A segunda, pelo caso de um estatístico trabalhando em marketing, onde a competência depende do conhecimento de estatística, mas que tem que se equilibrar com o conhecimento de marketing.
A terceira, exemplificada por um gerente que não possui grandes conhecimentos específicos, mas tem uma capacidade intuitiva de liderar equpes. Certamente há um conhecimento tácito por trás de sua competência, porém mais difícil de caracterizar.
Abraços,
Alberto
Bom dia, estou fazendo um trablho com cooperativas de catadores e você escreveu textos falando sobre como transformar experiência em conhecimento.
Preciso muito falar com você e se possível você ler o que tenho escrito para entender o que preciso.
Podemos conversar? posso contar com sua ajuda?
Você tem telefone para contato?
(Respondido diretamente à Elaine Hipólito)
Melhor texto condensado sobre o assunto que já lí.
Parabéns.
Penso porém que:
-Dados, precisam ser percebidos, medidos ou mesmo intuidos. E a fonte é o todo ( toda a natureza tanto material, virtual ou imaginária).
-Informação, da mesma forma precisa ser percebida. Para ser transmitida, passa de nossa mente por um código( que não necessáriamente precisa ser no consciente) para a mente do receptor. Nosso subconsciente capta uma miríade de “coisas” que não nos apercebemos. Muitas vezes basta um olhar, ou o mais gritante dos silêncios, e fica tudo claro para o receptor. Nosso cérebro/mente é a máquina mais complexa do universo.
Ferdinand,
Realmente eu conceituo “dado” como algo do mundo “real” ou objetivo. Pois ele existe lá e outros podem já tê-lo percebido, mesmo que eu não o tenha feito. Concordo que o que “dado” é para alguém, de fato é a percepção que ele tem do “dado” do mundo real. Mas eu só consigo comparar o dado que eu percebi com o dado que outros perceberam, e chegar eventualmente a um consenso sobre ele, por que existe uma referência comum para todos, que é o dado “real”.
Já a informação, sendo a interpretação que alguém dá a um conjunto de dados, é subjetiva e pessoal. Ela pode ser percebida conscientemente e se tornar uma informação explicitável, ou pode permanecer no inconsciente como uma imformação tácita. Mas sempre é o significado, consciente ou inconsciente, para um observador, dos dados percebidos.
Abraços,
Alberto
Ferdinand,
Obrigado por comentar.
A questão do Dado precisar ser percebido, medido ou intuido tem a ver com a utilidade do dado para o observdor, mas não tem a ver com o conceito que propus para “dado”. Na minha visão, o dado existe objetivamente, independentemente de já ter sido percebido. Um sitio arqueológico contém dados, mesmo que ainda não tenha sido descoberto. O mesmo vale para uma formação geológica, a cena de um crime, etc.
Já no caso da informação, eu não diria que ela precisa ser percebida. O dado percebido gera (ou se transforma em) uma informação quando é interpretada pelo observador, isto é, passa ater um significado para ele.
Abraços,
Alberto
Alberto
Obrigado por interagir.
Assim posso aprender mais alguma coisa ( e há o que aprender/perceber!).
O que consideras “dado” é apenas a natureza (inclua os 3 mundos de Popper), sem ser observada por ninguém. Ok, ele existe sim. Mas só vai entrar para o meu universo se eu o perceber. E só o poderei perceber se existirem certas condições para tal. Esta questão ficaria mais cristalina se existissem formas (significantes) de diferenciar estes conceitos. Nomeadamente, o dado hipotético externo versus o mesmo dado percebido.
O mesmo se aplica à informação. Se não a perceberes não tem utilidade (não existe em teu universo).
Acho que estamos com dificuldade de expressar a mesma coisa por dois caminhos diferentes.
Um é o mundo real, ao qual não tenho acesso.
Outro é o que percebo deste mundo real (que no fundo não é só uma percepção, é uma reconstrução em minha mente)
Esta reconstrução é tão transparente que difícilmente nos apercebemos dela (a considero uma das maravilhas deste universo).
Receio que estejas falando no “modo mundo real”.
E eu analisando/respondendo por reconstrução.
Claro que eu preciso considerar a percepção/reconstrução e você não.
Os conceitos estão em bases diferentes, não vão nunca coincidir.
Contudo penso que quanto mais fina a granulação de tua percepção, mais apurada ela fica, mais fácilmente aparecerão outras matizes/relações. Mais próximo do “mundo real”.
Forte abraço
Falta só afinarmos o conceito de “percepção”. Nossa visão/percepção não tem como perceber um “dado externo. A percepção é na realidade uma construção em nossa mente. O que ocorre é a fusão de duas correntes de dados. Uma “top-down” trazido de nossa memória e uma “bottom-up” que é a sinalização recebida pelos nossos sistemas sensoriais. Tudo é só sinal elétrico, e nossa consciência é como se fosse uma nuvem densa de elétrons, aos saltos dentro da massa cerebral. O que chamamos de percepção é uma construção, sujeita a um bocado de entes que não conhecemos (vontade, emoções, estado físico, valores, etc..). Não é à toa que um mesmo acontecimento tem tantas interpretações (percepções) diferentes. Todas elas nos parecem verdadeiras, apesar de diferentes, quando comparadas detalhe a detalhe.
Mas o que tem isso a ver com Gestão de Conhecimento, dirão os leitores?
Tem tudo a ver!
Pois mostra que a dificuldade de comunicação não é por teimosia ou falta de atenção. É o resultado de utilizarmos um sistema altamente complexo, sem sabermos como o mesmo funciona. Assim, por não conhecermos como funciona, não podemos ajustar/contemporizar os desencontros sem ter que culpar ninguém. O que ocorre é que o sistema tem suas limitações naturais (uns mais, outros menos) intrínsecas ao sistema naquele estado. Quando nos conscientizamos destas limitações fica mais fácil aceitar as diferentes respostas que obtemos para a mesma situação.
Resumindo temos:
– o dado físico real, ao qual não temos acesso. Só podemos interpretar uma construção subjetiva do mesmo. Pode ser codificado. O código já é uma representação, um mapa.
– a informação, (do dado físico anterior processado por um algoritmo ou alguma heurística), passa por um código real de um mapa, que tem que ser interpretado para possuirmos/internalizarmos a informação. Seu significado é sempre subjetivo. Pode ser codificada. A leitura deste código pode apresentar diversos significados.
– o conhecimento, é o conjunto de todas as memórias que puder recuperar, todas as habilidades que ainda puder apresentar, é o “mudus operandi” atual, dentro de um campo de atividades de determinada pessoa. Considerando uma invariante os aspectos tais como vontade, motivações, garra, despreendimento, valores, etc…
Retorno a este post para realçar a importância e clareza do mesmo. Ví há tempos uma frase que cabe adicionar ao que já foi dito: Não existem fatos, apenas interpretações!Não conseguí encontrar a procedência, via google ela aparece por todo o lugar.
Relendo, emerge uma conceituação melhor para dado versus informação: O dado pode ser a própria informação , se isto for suficiente. Quando utilizamos coleções de dados para extrair informações via algorítimos ou heurísticas é porque com mais de um dado temos a impressão de estarmos melhorando nossa informação.
Ferdinand, desculpe a demora em responder à sua intervenção anterior.
Preliminarmente, devo esclarecer que, no meu entender, não existe “o” conceito ou o conceito “certo” sobre alguma coisa. Existem conceitos, que traduzem como cada pessoa entende alguma coisa. Conceitos diferentes não são necessariamente mutuamente excludentes, podem se completar ou conviver, representando enfoques diversos.
Na minha visão, dado e informação nunca se confundem pois, como já disse, o dado é objetivo, ele existe no mundo real, mesmo que eu só o conheça através de sua representação em minha mente. Já a informação, enquanto significado, é sempre pessoal e subjetiva.
Observo que a transmissão de dados não passa necessariamente por uma codificação. Por exemplo, uma transmissão analógica em geral não necessita ser codificada.
Alberto, grato pela resposta.
Estamos afinados e dissonantes para ouvidos alheios!Quando construí “Emerge uma conceituação melhor…” podia ser qualquer outra como ideia melhor, percepção melhor etc…
Claro que tens razão em tua conceituação sobre “conceito”.
Vamos à parte “hard”: Claro que para perceberes dados e deles extraíres informação há que os reconstruíres em tua mente. O processo é realmente todo subjetivo.
O que me veio na ocasião, e que quis compartilhar, é que no caso limite o próprio dado contém toda a informação. E isto só acontece se o conteúdo ( significado) for suficiente.
E por fim, transmissão de dados analógicos. Não sou da área de comunicações, mas penso que ajuste de zero, definição de escala, definição de range funcionam como uma codificação. Pois um simples sinal sem referência não passa de ruído. E tem ainda o problema de garantia de presença de sinal. Como vais ter certeza que zero é zero e não simplesmente circuito aberto?
Apesar de não precisares definir uma codificação específica para este processo, ele precisa de um bocado de conhecimento para desempenhar seu papel a contento.
Outro aspecto intrigante nesta linha é a transparência dos processos nos conduzindo diretamente à condição de “naive realists”. Toda a conceituação que fazemos da realidade, não passa de um modelo, simplificado ao extremo para que caiba em nossos mecanismos mentais. A realidade é absolutamente diferente do conceito que fazemos dela. Tudo o que percebemos está em nosso nicho cognitivo. E cada um tem o seu.
Ferdinand,
Com relação à transmissão analógica, vou usar um exemplo muito simples: imagine que vc. está manobrando um carro para colocá-lo em uma vaga e eu, para ajudá-lo, fico tentando te transmitir a distância que seu carro está do carro atrás. Eu poderia ir dizendo algo como “meio metro”, “quarenta centímetros”, etc., e isso seria uma transmissão codificada. Mas eu poderia usar a distância entre as minhas mãos para representar a distância entre os carros. Isso seria uma transmissão analógica, sem qualquer codificação, apenas uma representação analógica.
Quanto à concepção de realidade, embora goste de pensar sobre esse tema, não quero me estender muito nisso, pois fugiria um pouco do foco deste fórum, voltado à Gestão do Conhecimento.
Mas eu diria que a concepção de “naive realist” é um pouco “naive”. Tomando como referência a visão científica da realidade, eu diria que, embora nunca possamos conhecer a realidade em sí, nossos modelos vão se aproximando gradativamente dela. E como sabemos isso? Pela melhoria de nossa capacidade de prever seu comportamento. Veja o exemplo de nosso sistema planetário. Da concepção geocêntrica (que com Ptolomeu até conseguia fazer uma boa previsão, por exemplo da trajetória aparentemênte irregular de Marte) evoluimos para a concepção heliocêntrica que, aperfeiçoada gradativamente, vem sendo sendo sempre confirmada através dos séculos. É um modelo pronto e definitivo? Possivelmente não, mas não temos dúvidas que ele nos aproximou mais da realidade.
Alberto
Penso que cada um de nós se refere à uma coisa diferente quando nos referimos à necessidade ou não de código em uma comunicação via modo analógico.
Acho que se referes ao modo físico de representação da informação. E eu só entendo esta informação se decodifico o significado. Em seu exemplo, se eu não perceber mesmo que apenas intuitivamente o quanto é que vc está indicando, não saberei agir corretamente baseado em tua sinalização. E eu só entendo tua indicação se a reconheço. E a reconheço porque faço uma comparação instintiva com minha experiência anterior (codificada).
Assim, pareçe que dá para conciliar os dois aspectos.
Quanto ao “naive realists” os autores usam esta figura porque nossa reconstrução do que nos parece ser a realidade é tão boa que realmente pensamos perceber a dita. Acho este processo uma verdadeira maravilha.
Mas devido a recursos limitados, tiveram que ser adotados diversos atalhos, estes deixam algumas brechas que permitiram aos gigantes perceberem que a realidade é mais chocante do que se nos apresenta.
O que isso importa para a GC?
Muito.
A realidade é o que é.
Os modelos que montamos para tentar nos aproximar dela são simplificações drásticas. Tem muita coisa que não podemos entender por que escapa de nossos modelos. Fora este aspecto tem toda psicologia individual e de grupo interagindo nos ambientes de trabalho. Em adição a isto somos fácilmente manipuláveis, e absorvemos mitos como se fossem conceitos irrefutáveis.
O trabalho da GC é enorme. Veja vc quanto pano para manga deu teu excelente artigo que tratava sobre dado, informação e conhecimento. E quase não tratamos de conhecimento.
Ferdinand,
Analógico vem de “análogo”, isto é, uso algo “parecido” para transmitir uma informação. Não há nenhuma combinação prévia entre transmissor e receptor sobre relação entre o sinal e o valor do dado, pois o sinal se comporta analogamente ao dado. Já a codificação implica em um passo anterior, que é combinar entre o transmissor e o receptor um código, isto é, uma relação entre cada valor do dado que se quer transmitir e um símbolo que o representa. Quando eu quero transmitir a outra pessoa um dado referente a uma distância, e entrego a ela um barbante com o comprimento igual à distância, estou fazendo uma analogia, não uma codificação. Se, em vez disso, uso uma trena e digo que a distância é de 345cm, ai sim, precisei usar algo que foi convencionado antes.
Alberto
Esta troca de opiniões me lembra a dificuldade que tive em aceitar a existência do conjunto vazio, pois para mim o vazio era igual a nada, ou seja nenhum conjunto.
Pois veja quando dizes que a distância que queres transmitir é igual ao comprimento do barbante, já codificaste que distância em questão é o comprimento do tal barbante.
Aliás, medidas, pasando por um código numérico são um constructo bastante recente. Usavam se gabaritos e compassos de ponta seca para transferir medidas de uma situação para outra.
Ferdinand,
Na representação analógica de uma grandeza, não há códigos. A representação “imita” a grandeza representada e varia continuamente, tentando acompanhar a variação da grandeza. O barbante não é um símbolo convencionado, ele não precisa ser decodificado.
Na representação convencionada (como a digital), é necessário convencionar previamente a relação entre os valores da grandeza e os símbolos que as representarão. O que impolica que, nos sistemas reais, já não há uma variação contínua da representação, ela é necessariamente descontínua. Existe um processo claro de codificação/decodificação, cujas regras são estabelecidas a priori.
Seus exemplos de compasso e gabarito são representações analógicas, já a medida com uma regua e a transmissão do valor obtido dependem de códigos.
Relendo, e este é um de meus maus hábitos, percebo agora que o que chamas de dado é apenas o aspecto físico do mesmo.
E isto sem a interveniência da percepção (que no fundo é uma reconstrução). O dado pode ser algo inerte e não percebido. Já a informação, cujo registro pode também ser inerte, passou pela percepção e a ação de alguém que fez o registro. Logo “dado” não precisa de ninguém para sua existência. Informação, algo extraído de dados já precisa da interveniência de um ente vivo.
Faz sentido?
Ferdinand,
Sim, pelo menos essa é a forma como os conceituo. Os Dados existem independentemente de eu ter consciência deles, são “rastros” que me permitem descobrir algo sobre alguma coisa. O que eu descubro, isto é, a interpretação que dou a esses Dados é a Informação que eles representam para mim. E a capacidade que eu preciso ter para realizar essa descoberta é meu Conhecimento.
Ok até então eu concetuava “dado” como sendo qualquer aspecto de interesse, de todo o universo, mas a dita realidade objetiva. Ou o que podemos reconstruir dela a partir de nossos sentidos. Mas olhem o conceito do J C Spender, em ” Organizational knowledge, learning and memory: three concepts in search of a theory”(1996). Numa tradução livre conceitua: “Dado pode ser aquilo que pode ser comunicado e estocado( guardado)”.
Neste conceito o “dado” já é apenas um código e não a coisa em sí.
Interessante, não?
Ferdinand,
De um modo geral, os autores relacionados à áea de TI, ou influenciados por ela, tendem a chamar de “dado” algo pronto para ser processado, que é alguma forma de representação daquilo mais genérico que conceituei como “dado”. Para um geólogo, por exemplo, o aspecto de uma formação rochosa já é um dado quando percebido por ele, muito antes de ser representado ou registrado de alguma forma. O mesmo valeria para as evidências observadas por um policial, as pistas para um caçador, etc.
Abraços,
Informo que postei uma nova versão do artigo no site ” sofilosofando.wordpress.com “, um blog que abri para essa finalidade. Por que não recorri novamente à generosidade da Ana Neves para postar aqui? É que, há algum tempo, tentei novamente buscar auxílio na Epistemologia para desenvolver minha proposta de conceito, ainda sem sucesso. Mas essa busca me convenceu que o tema é muito fundamental em Filosofia para continuar a ser abordado por um ponto de vista específico. Por isso estou tentando levá-lo para um foco mais filosófico (Propor conceitos é um dos principais papéis da Filosofia). Como minhas chances de publicá-lo em um site de Filosofia são mínimas, pois não sou um filósofo e não tenho a vivência acadêmica necessária para me enquadrar nos rígidos moldes formais que esses sites exigem, pois são quase sempre ligados a instituições acadêmicas, resolvi abrir meu próprio espaço para filosofar mais “informalmente”.
Aproveito para, mais uma vez, agradecer o apoio que sempre recebi do KMOL, na figura da Ana Neves.
Alberto, antes de tudo parabéns pela sua persistência, pela sua paixão nestes temas e pela sua vontade de querer saber sempre mais. Parabéns pelo seu novo site que certamente merece a atenção daqueles que constantemente se preocupam com o que é, afinal, a gestão de conhecimento ou até, o próprio conhecimento.
E quanto a esse agradecimento que me dirige no final, não tem que agradecer ou, usando uma expressão que aprendi recentemente no Brasil “que não seja por isso” 🙂
O KMOL foi criado para eu partilhar o que vou descobrindo e pensando mas também para partilhar as perspetivas de outras pessoas. Assim, tem sido um privilégio poder ser um canal de divulgação para o seu trabalho e sentir que sempre se lembra do KMOL para esse fim. Sinto muito orgulho por isso.