Global City Map 2011

Cidades pela Retoma: um exemplo de gestão de conhecimento territorial

Cidades pela Retoma é um movimento recente que se relaciona, em grande parte, com a questão da gestão de conhecimento a nível territorial. Assim, e entusiasmada com a ideia que serve de pano de fundo a este movimento, foi com grande prazer que entrevistei o José Carlos Mota que, não sendo a única “cabecinha pensadora” foi quem mais impulsionou este movimento.

José Carlos Mota é planeador do território de formação e pós-gradução. É actualmente docente da Universidade de Aveiro, estando a desenvolver o seu doutoramento sobre ‘Metodologias em Planeamento do Território’. Desenvolve investigação e divulgação científica em diversas áreas do planeamento do território, tendo estado envolvido na coordenação do Concurso ‘Cidades Criativas’ 2007/08. Foi Presidente da Direcção da Associação Portuguesa de Planeadores do Território (1996-99). É um dos dinamizadores do movimento cívico Amigosd’Avenida.

Como descreveria o movimento Cidades pela Retoma?

José Carlos Mota

José Carlos Mota

Trata-se de um movimento recente (pouco mais de seis meses de desenvolvimento) de natureza informal, cívica, colaborativa e experimental, um esforço de mobilização de cidadãos e grupos de cidadãos, a nível nacional, pela reflexão colectiva sobre ‘o papel das cidades no nosso futuro comum’, em particular num momento de crise económica e de necessidade de equacionar uma mudança de paradigma (‘transição’).

Apesar da falta de tradição de mobilização cívica que existe em Portugal, e em particular nestas matérias, existe a expectativa que este processo se venha a afirmar como uma experiência inspiradora de ‘inovação social’, um ponto de encontro de pessoas que reflectem sobre as ‘cidades’ e de projectos e práticas inovadoras, com o objectivo de que os seus métodos e resultados possam inspirar outras experiências, aprofundar diálogos, estimular aprendizagens colectivas, no fundo potenciar o papel das ‘cidades (e dos cidadãos) como motores efectivos do desenvolvimento das regiões e do País’.

Quem está por trás deste movimento? É apenas o José Carlos ou há mais cabecinhas pensadoras?

O projecto ‘Cidades pela Retoma’ surgiu na sequência de reflexões colaborativas desenvolvidas pela comunidade de Aveiro sobre o futuro da sua cidade (no quadro do grupo cívico Amigosd’Avenida) e, complementarmente, como prolongamento de investigação doutoral sobre ‘metodologias em planeamento do território’.

A filosofia do projecto baseia-se nos princípios do trabalho colaborativo e experimental. Portanto, existem várias cabeças pensadoras (que estão a criar uma rede de pólos de dinamização do projecto) e uma delas faz o trabalho acrescido de ‘facilitador’ do processo de interacção, desejavelmente um trabalho ‘invisível’.

Há algum modelo de negócio por trás deste movimento?

Não existe nenhum modelo (ou ideia) de negócio por trás desta iniciativa. Os únicos propósitos são o de estimular a inquietação dos cidadãos e grupos de cidadãos a propósito (do futuro) das cidades onde vivem, contribuir para a qualificação dos processos de reflexão e mobilizar para o desenvolvimento de iniciativas que visem animar a vida económica e social das nossas cidades.

Devo acrescentar que esta mesma preocupação esteve na génese de outras iniciativas em que eu e algumas das pessoas que estão a trabalhar no projecto têm estado envolvidas (Amigosd’Avenida em Aveiro; Concurso Nacional de Ideias ‘Cidades Criativas’, para falar das mais recentes).

Li num texto seu: “As cidades (pensadas em rede, não de forma atomizada) têm um potencial interessante de articulação de novas abordagens com fortes implicações na reinvenção do tecido produtivo”. O aspecto “rede” parece ser central neste movimento. Qual o âmbito da rede: estamos a falar de uma rede em que os vários elementos são cidades? Ou de várias redes (cidades) ligadas entre si mas onde cada uma, por sua vez, é uma rede de participantes civís e organizacionais?

O conceito de rede é, de facto, fundamental. Acontece que as cidades são constituídas por diferentes tipos de redes (materiais e imateriais) com objectivos e graus de formalização distintos.

Interessa-nos neste projecto sobretudo as redes informais imateriais, portanto não institucionais, constituídas por cidadãos ou grupos de cidadãos. O que o projecto pretende acrescentar a estas redes dispersas, fragmentadas e territorialmente focalizadas (à escala da rua, bairro, cidade ou lugar) é um canal de comunicação, um princípio de uma rede informal de cidadãos e movimentos de cidadãos a nível nacional.

Isso não significa que se negligencie a relação com outras redes, de poder (administração), de conhecimento (centros de saber) ou de acção (agentes económicos e sociais). Acontece que o relacionamento da primeira rede (cidadãos e movimentos de cidadãos) com estas outras redes irá ser estimulada de forma gradual nas várias iniciativas que estamos a pensar desenvolver. Queremos evitar os riscos de ‘canibalização’ ou ‘institucionalização’ da iniciativa.

Interessa-nos ainda perceber a relação entre as redes imateriais de cidadãos e as redes físicas, o suporte morfológico e funcional das cidades, percebendo a forma como este é percebido, reflectido e apropriado.

Finalmente, gostaríamos de aproveitar este exercício para explorar outro conceito de rede que é o de ‘comunidade de prática’. Gostaríamos que este exercício permitisse formar um grupo de pessoas que partilhe um interesse comum e que tenha vontade de reflectir e de aprender de forma colectiva.

Qual o tipo de “produtos” / deliverables que ambiciona para este movimento?

Os produtos desta iniciativa irão materializar-se em diferentes momentos.

O primeiro é constituído por diversas plataformas virtuais de encontro – blogue, página Facebook e mailing-list, que já se encontram em funcionamento.

O segundo irá agregar as várias iniciativas do ‘Cidades pela Retoma’ que aos poucos vão tomando forma. Descrevendo um pouco cada uma deles posso dizer que a Newsletter pretende funcionar como um espaço de divulgação das várias iniciativas cívicas que visem reflectir sobre ‘cidades (em contexto de crise)’. O mapa ‘Cidade Global 2.0’ é um esforço de georreferenciação de ‘blogues de ruas, bairros, vilas ou cidades’ (contando já 90 blogues nacionais e mais de 50 internacionais). A ‘Rua das Ideias’ é um  desafio informal para identificar iniciativas ou projectos ‘de baixo custo e alto valor acrescentado’ que visem contribuir para a animação social ou económica das cidades (com treze projectos identificados). O ‘Think Tank Cívico’ sobre cidades é um repositório de conhecimento (documentos, estudos e investigações) sobre o tema das cidades e suas múltiplas linhas de observação/acção (e que vai reunir os diversos contributos sistematizados no blogue e página Facebook). Finalmente, os debates ‘Cidades pela Retoma’, que já se iniciaram no Porto e Faro, são momentos de reflexão presencial e têm como objectivo o desenho de uma ‘Agenda Local para a Retoma’.

“Muitos poucos fazem muitos” e “A união faz a força” são duas expressões que me vêem à cabeça quando leio sobre a iniciativa Global City 2011. Para além de dar visibilidade a cada um dos blogues que for incluído na lista, o que esperam conseguir com esta iniciativa?

É notável o esforço cívico que os cidadãos e movimentos de cidadãos têm vindo a produzir por esse país fora, com expressão em blogues ou sites, sobretudo em domínios de menor visibilidade como são estes da reflexão sobre a sua cidade.

Acontece que esse esforço cívico é, em muitas situações, desconhecido e o seu potencial não é devidamente aproveitado e valorizado. O desafio que o ‘Cidades’ pretende lançar é assim duplo. Por um lado, cartografar e identificar as dinâmicas cívicas sobre cidades, assegurando os mecanismos de troca de informação e, eventualmente, de aprendizagem mútua. Por outro, mobilizar os cidadãos e grupos de cidadãos que já têm uma intervenção (e propensão para o tema) para um outro objectivo colectivo que, no contexto actual, nos parece particularmente pertinente, que é o de ajudar a pensar sobre como podem as cidades e as suas comunidades contribuir para a recuperação económica do país. No momento em que vivemos, julgo que não nos podemos dar ao luxo de desperdiçar este potencial de reflexão/acção.

Vejo o movimento Cidades pela Retoma e as iniciativas que têm realizado – conferência “Cidades pela Retoma”, desenho de uma “Agenda local para a retoma”, concurso “Rua de Ideias” e o Global City 2011 – como actividades de gestão de conhecimento a nível territorial. Detecto objectivos de criação conjunta e de partilha de conhecimento e experiência. No entanto, parece-me haver necessidade de algum tipo de coordenação para que a actividade conduza a resultados práticos concretos. Para além disso, sinto também que, no caso concreto do Global City 2011, mais do listar os blogues, era importante conseguir extrair o seu sumo, de forma criativa, para que o conhecimento e a informação que deles escorre, possa ser identificado e utilizado. O que pensa sobre isto?

Concordo. Os mundos do conhecimento e da acção nem sempre dialogam de forma adequada (o Pedro Magalhães falava disso em recente entrevista ao Público) e os cidadãos são muito pouco exigentes nesse âmbito, aceitando decisões (a nível local e nacional) sem questionar os seus fundamentos.

Para além disso, o conhecimento necessário para suportar a acção (e a reflexão) nem sempre está disponível e organizado. E as diferentes formas de conhecimento (empírico, técnico e científico) também dispõem de diálogos precários e, às vezes, incipientes. Faltam, eventualmente, plataformas ou canais de comunicação entre diferentes ‘produtores’, ‘detentores’ e (potenciais) ‘utilizadores’ de conhecimento.

Este singelo exercício cívico e colaborativo pretende dar alguns contributos nesse sentido. Por um lado, pretende lançar um repositório de conhecimento técnico e científico sobre cidades (um ‘Think Tank Cívico’), acessível ao cidadão comum, onde se irão disponibilizar documentos, estudos e investigações sobre o tema das cidades e suas múltiplas linhas de observação/acção (que têm vindo a ser divulgados regularmente no blogue e página do Facebook).

Por outro, pretende-se identificar o quadro de preocupações que os blogues tendem a produzir e o tipo de propostas ou iniciativas que sugerem, estando pensada a mobilização de investigadores que pensam sobre esta matéria.

Finalmente, pretende-se iniciar uma reflexão sobre a natureza e potencial de intervenção dos blogues de cidade, sobretudo na promoção e apoio de novas formas de governação local e de formulação de políticas públicas. Está a ponderar-se organização no final deste ano da 1.ª conferência sobre ‘blogues de cidade’.

Actualmente existem três movimentos de cidadãos – em Aveiro, Porto, e Faro – que têm este assunto na agenda. Como surgiram? Como se “encontraram”? Como trabalham em conjunto?

Este processo é relativamente recente e os movimentos têm naturezas e géneses muito distintas, portanto ainda não houve a oportunidade para se encontrarem. Mas existe uma convergência nas suas preocupações e na colocação do tema na agenda. De qualquer forma, as pontes estão a iniciar-se e irão ter seguramente um desenvolvimento durante o presente ano.

Acredito que a ideia é que mais cidades se juntem a este movimento. Como pensa operacionalizar o trabalho conjunto e colaborativo entre os activistas das várias cidades?

Existe a expectativa da criação de uma rede de pólos de dinamização do projecto que se alargue a outras cidades, cujos cidadãos se queiram organizar para participar no projecto.

A ideia é que cada pólo tenha autonomia para organizar no seu próprio espaço a metodologia mais adequada para promover a(s) iniciativa(s), no respeito pelos princípios e ideais gerais do movimento.

Falámos anteriormente dos vários conceitos que o projecto quer promover, na reflexão sobre o futuro e o papel das cidades em momentos de crise.

Um desses conceitos é a ligação entre o local e o global, apoiando a construção de uma melhor percepção global do mundo em que vivemos e das suas diferentes dinâmicas. Por isso, tem havido o esforço de olhar para experiências internacionais relevantes para podermos oferecer ferramentas (‘conhecimento’) que permitam tirar partido dos seus ensinamentos.

O caso dos ‘blogues de cidade’ e a rede global que se quer promover é particularmente interessante, porque mostra o grau de desenvolvimento cívico que existe em diferentes países, desde a América Latina (Brasil, em particular) aos Estados Unidos da América, sem esquecer os restantes países europeus.

Seria interessante que este projecto pudesse contribuir para o estabelecimento de pontes entre comunidades locais e cidadãos de diversos pontos do globo que partilham problemas ou visões sobre a sua resolução, que no fundo é uma das riquezas e potenciais da ‘globalização’ estranhamente desaproveitados.

Devo acrescentar que para apoiar a internacionalização deste projecto contamos já com o apoio de Jaime Lerner, um famoso urbanista brasileiro, que se disponibilizou para apoiar a divulgação do projecto no Brasil.

Aguardamos que outras personalidades possam dar o apoio na divulgação desta e doutras iniciativas, num projecto que não tem qualquer apoio institucional e que irá até onde os cidadãos que participarem no seu desenvolvimento quiserem.

6 comments

  1. Ferdinand 4 Fevereiro, 2011 at 16:38 Responder

    O que emerge para mim é que estamos em um tempo em que faltam líderes dispostos a lutar pelo bem comum.

    Nessas iniciativas as instituções normalmente atrapalham.

    É bom saber que o Jaime Lerner também está participando.

  2. Ferdinand 6 Fevereiro, 2011 at 01:40 Responder

    Vejam o post de Clemente Nobrega – Redes sociais contra a catástrofe. Tem a ver com o assunto aqui e está em franca oposição ao que é veiculado pela mídia como solução para catástrofes em cidades.

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