Figura 2: Contexto-Pessoa

3 Aspetos chave para aceder e capturar o conhecimento coletivo

Recentemente estive na Conferência sobre Governação Integrada coorganizada pelo Fórum para a Governação Integrada e pelo INA, onde se apresentaram as conclusões dos trabalhos realizados durante o último ano sobre os problemas da nossa sociedade. Todos complexos, interdependentes, dinâmicos e significativos para o desenvolvimento socio-económico de Portugal (por exemplo, territórios vulneráveis, crianças em risco, solidão na velhice).

Enquanto ouvia as várias apresentações, pensava nos desafios para a estruturação do trabalho e para a liderança nas organizações, cuja ação conjunta e coordenada é necessária para tratar destes problemas. A pergunta que ficou foi: como aceder e aplicar o conhecimento coletivo de todas essas organizações para fazer face a estes problemas tão complexos e urgentes? Pesquisei e analisei abordagens que estivessem a ser utilizadas para promover o trabalho colaborativo intra- e inter-organizações de forma eficaz. Refleti sobre a informação encontrada e decidi partilhar convosco algumas das conclusões, na expetativa de que vos sejam úteis.

Para mim, o conhecimento coletivo baseia-se na capacidade humana de criar, em conjunto, significados para os dados e os estímulos que continuamente circulam nos contextos onde as pessoas se encontram (por exemplo, família, equipa de trabalho, comunidade, organização, país, etc.). No caso específico das organizações, para aceder ao conhecimento coletivo e criar valor com ele, os seus líderes devem criar um espaço para que isso aconteça. E esse espaço deve considerar os seguintes aspetos:

1. Alinhamento entre os desafios da organização e o desenvolvimento do potencial humano. No ambiente global de negócios atual, os desafios são de diversa natureza e grau de complexidade, e portanto identificar soluções requer as ideias e o trabalho de equipas multidisciplinares. No seio destas equipas não só deve existir propósito e coesão, mas também objetivos, criatividade, colaboração e responsabilização pelas ações e resultados. Para lidar com este aspeto, os processos de trabalho devem ser desenhados com recurso à tecnologia disponível para que seja possível alinhar mais eficientemente os objetivos e os desafios de negócio com a capacidade humana (presente e futura) da organização. O esforço dos líderes neste sentido permitirá obter os resultados desejados e preservar a componente motivacional e de compromisso.

Os valores associados a este aspeto são o empowerment, a justiça, a transparência, a inovação, e a melhoria contínua, que sustentam a participação, a criatividade, a colaboração, a responsabilização e os sentimentos de satisfação no trabalho. A questão que algumas pessoas me colocam relativamente a este aspeto é como promover este alinhamento, quando qualquer mudança no contexto organizacional representa um alto investimento em tempo e dinheiro, e envolve riscos e incertezas para as operações durante a transição. E esta questão é muito pertinente, considerando que a taxa de sucesso dos projetos de mudança organizacional, reportado em estudos recentes da empresa de consultoria internacional McKinsey, está a volta de 30%. O impacto de qualquer mudança na dinâmica da organização é normalmente imprevisível, daí a dificuldade em que este tipo de projetos entregue o que é esperado.

Figura 1: Alinhamento

Figura 1: Alinhamento

Face a esta questão, partilho o trabalho de Henri Mintzberg relativo às estratégias emergentes. Há mais de trinta anos, Mintzberg definiu as estratégias emergentes, como padrões estratégicos concretizados que não são originalmente planeados pela organização, e que são o resultado da aprendizagem ou a tomada de consciência da mesma sobre o que funciona na prática no seu contexto. Na minha ótica, e como ilustra a Figura 1, fomentar o alinhamento no contexto organizacional:

  1. Começa com o processo de fazer sentido (sense-making) da envolvente interna e externa, identificar padrões e formular a estratégia central do negócio;
  2. Segue com a comunicação clara sobre a visão, a estratégia, os processos de trabalho e os objetivos operacionais;
  3. Continua com um acordo sobre um roadmap e um mecanismo de monitorização do progresso dos resultados para concretizar essas estratégias através de iniciativas e projetos no nível operacional; e,
  4. Finaliza com a observação do que vai emergindo na organização durante a execução dessas iniciativas e projetos, e com o resultado dessa observação identificam-se as estratégias emergentes e tomam-se decisões e ações.

2. Cultura que promova a colaboração e a co-criação. Por definição, cultura é o conjunto de pressupostos, valores e crenças partilhadas por um grupo de pessoas que fornecem limites e guias para os seus comportamentos num contexto determinando. Quando fazemos alterações no contexto (por exemplo, novas estratégias, processos e/ou ferramentas de trabalho, etc.), as pessoas envolvidas na mudança começam a questionar a efetividade dos seus hábitos de trabalho. A decisão de adquirir um novo hábito leva tempo, e é influenciada, entre outros fatores, pela coerência das mensagens, do exemplo dos líderes, e a perceção das pessoas afetadas pelas alterações sobre a necessidade real da mudança.

Figura 2: Contexto-Pessoa

Figura 2: Contexto-Pessoa

Como ilustra a Figura 2, a mudança de hábitos pode acontecer gradualmente quando os novos hábitos são simultaneamente reforçados pelo contexto e pelo desenvolvimento das pessoas envolvidas no processo de mudança, através da interação constante. Por exemplo, as minhas melhores experiências de implementação de sistemas de informação foram aquelas em que as organizações permitiram criar espaços para o trabalho colaborativo entre as equipas de trabalho, onde os utilizadores podiam contribuir para o desenho dos sistemas, facilitando assim a sua capacitação, a contextualização da nova ferramenta de trabalho, e a sua posterior adoção.

Não quero dizer com isto que não sejam necessárias mudanças estruturantes para operacionalizar as estratégias ou que seja fácil mudar os aspetos culturais da organização, o que quero dizer é que é necessário criar condições para aceder ao conhecimento coletivo e pô-lo ao serviço dos desafios das organizações gradualmente, criando oportunidades para o desenvolvimento da mestria e para a aquisição de novos hábitos, observando a prática e identificando as mudanças necessárias para “enraizar” na cultura organizacional os novos valores, os quais fomentarão outras mudanças. Todos sabemos que colocar “a máquina” em movimento não é uma tarefa fácil.

O modelo piramidal que predomina atualmente reforça o comando e o controlo, e o pressuposto central é que são os líderes quem têm a responsabilidade de definir rapidamente as orientações estratégicas e resolver os problemas. Neste âmbito é certo que a prática do empowerment tem ganho algum terreno nos últimos anos, mas ainda não é a prática comum. Investigadores e gestores pioneiros na aplicação de modelos de liderança mais participativos têm utilizado com sucesso nos últimos anos diversos métodos de trabalho que facilitam a comunicação, a criatividade, a participação, a colaboração, e a transferência de aprendizagens. Alguns destes métodos (também conhecidos como tecnologias sociais) são o Open Space Technology, o World Café e programas de Peer-Coaching. A prática consistente destes métodos contribuem para tornar as culturas organizacionais mais recetivas para incorporarem novos valores e para apoiarem a evolução conjunta da organização e dos seus colaboradores. As dinâmicas geradas pela prática destes métodos mais participativos contribuem também para um trabalho mais produtivo, e um clima laboral mais motivante e focado na qualidade dos resultados e dos relacionamentos (internos e externos). Afortunadamente, já existem organizações que iniciaram esta jornada e adotaram este tipo de práticas, transformando as suas dinâmicas e resultados.

Por exemplo, Frederic Laloux, no seu livro “Reinventing Organizations”, analisou um conjunto de empresas pioneiras na implementação de modelos de liderança mais participativa e que têm um posicionamento competitivo no seu setor de atividade; e identificou três características comuns no seu funcionamento. Estas características são:

  • A auto-organização nas equipas de trabalho,
  • Os processos de comunicação e gestão que acolhem as pessoas de forma integrada (sejam eles colaboradores, parceiros ou mesmo clientes), e
  • O propósito evolucionário da organização.

A existência destas três características promove de forma direta o alinhamento da autonomia, da mestria, da criatividade, a colaboração e da responsabilização dos colaboradores com a satisfação das necessidades dos clientes, focando assim a energia da organização em torno ao ajustamento do seu propósito às dinâmicas do mercado.

Após a ação coletiva, o conhecimento capturado pode tornar-se num catalisador (driver) para a definição dos próximos passos, sejam eles ações, projetos, iniciativas, estratégias, etc. para melhorar progressivamente o alinhamento da organização. A captura do conhecimento pode realizar-se em paralelo à execução do trabalho e o conhecimento pode ser classificado e armazenado devidamente para a posterior recuperação e consulta. Este aspeto é importante para a partilha e transferência do conhecimento operacional entre as equipas ou as áreas de trabalho, assim como para a aprendizagem organizacional.

3. Sistema de Governação. Uma definição simples de governação é que ela é “a gestão da gestão organizacional”, ou seja é o conjunto de regras e práticas pelas quais os líderes da organização garantem o cumprimento dos princípios e valores da mesma.

Dentro de qualquer dinâmica de mudança não só se deveriam envolver as pessoas que coordenam o trabalho ou o executam, mas também se deveria ouvir, por desenho, a “voz das pessoas afetadas por essa dinâmica”. Este é um dos pilares basilares de um sistema de governação organizacional, chamada Sociocracia 3.0, o qual permite aceder à inteligência do coletivo, potenciando a eficiência na colaboração e na tomada de decisão, com vista a otimizar o fluxo do valor criado. Simultaneamente, este sistema de governação promove a transparência, o empirismo, o consentimento, a equivalência, a eficácia e o crescimento orgânico ao nível organizacional.

Para concluir este post, e em forma de resumo, os três aspetos chave para aceder e capturar o conhecimento coletivo são o alinhamento entre os desafios da organização e o desenvolvimento do potencial humano, uma cultura e um sistema de governação que promovam sistematicamente a colaboração e a co-criação para otimizar o fluxo do valor criado pela organização. Criar este espaço na organização é um caminho para ter as condições, não só para aceder eficazmente o conhecimento coletivo, mas também para disponibilizá-lo para a análise e resolução de problemas difíceis e/ou complexos de forma colaborativa e sistemática, contribuindo assim para a identificação e incorporação gradual de novos valores na cultura.

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