A liderança digital e em rede é o tema central da 8ª edição da conferência Social Now (Lisboa, 6 e 7 de junho 2019). Aqui está a razão.
Fala-se muito sobre transformação digital; pouco se diz sobre o papel da liderança nessa transformação. Ainda menos se fala sobre a necessidade de promover uma forma colaborativa e em rede de trabalhar, uma forma de trabalho em que o conhecimento é criado pela rede, partilhado através da rede, e retido para benefício da rede.
A necessidade de Liderança Digital
Um artigo da CIO descreve a transformação digital como “uma mudança estrutural de como uma organização entrega valor aos seus clientes”. Esta ideia orienta a profusão de artigos, livros e conferências sobre as tecnologias capazes de produzir este valor – tecnologias como a inteligência artificial (IA), robotic process automation (RPA), big data, etc. Porém, e apesar dos esforços e de toda a tecnologia disponível, são poucos os resultados concretos.
Um estudo de 2017 da EY analisou a jornada de transformação digital de 36 grandes empresas de telecomunicações. O estudo frisou a necessidade de agilidade organizacional, de “novas formas de envolvimento do ecossistema” e de “uma mudança na mentalidade, na estrutura e na forma de interação na organização”.
“Digital leadership is the main thing holding back the digital workplace.” Lee Bryant
Um estudo mais recente da Capgemini revela que muitas organizações não estão a conseguir que os colaboradores acompanhem as suas jornadas de transformação digital e não estão a conseguir criar a cultura necessária para que tal seja possível. Apenas 36% das 757 organizações inquiridas concordam que “há possibilidades para que qualquer pessoa da empresa participe no debate em torno das iniciativas digitais”. Isto representa uma queda de 13% relativamente a 2012: surpreendente, considerando o número de ferramentas disponíveis para possibilitar essas conversas.
Uma possível justificação vem de Tariq M. Shaukat, Presidente da Customer Team na Google Cloud, citado no relatório da Capgemini: “É preciso criar um ambiente em que a liderança esteja disponível para que as pessoas coloquem questões e recebam feedback. Ao dar aos colaboradores permissão para falar, colaborar e contribuir, as organizações acabam por encaminhar as pessoas para uma cultura mais digital.”
O mesmo relatório mostra ainda que:
- apenas 35% das organizações sente que a liderança está a adotar novos comportamentos necessários à transformação digital;
- “quando necessário, os colaboradores podem colaborar digitalmente com outros colegas” em apenas 38% das organizações;
- “os colaboradores partilham ativamente o seu conhecimento através de plataformas digitais colaborativas (ex. Slack, Jira, Skype)” em apenas 35% das organizações;
- apenas uma em cada 3 organizações tem tecnologias digitais para “melhorar a comunicação entre a gestão de topo e os restantes colaboradores”.
Lee Bryant defende que a forma como uma organização desafia e apoia as suas pessoas mais experientes a tornarem-se líderes digitais é um bom indicador da maturidade da sua transformação digital. Ele vai mais além, sugerindo que “hoje em dia, as barreiras mais comuns e eficazes à transformação digital nas grandes organizações talvez sejam a cultura de gestão desatualizada e a falta de adesão das pessoas mais experientes às novas formas de trabalho facilitadas pelo digital”.
Assim, é crucial que as organizações invistam no desenvolvimento de liderança digital. Mas para que isso aconteça é preciso saber o que significa ser um líder digital.
Em resumo
- A liderança digital é crítica para que as organizações extraiam valor dos seus esforços de transformação digital.
- Há uma falta clara e generalizada de comportamentos de liderança digital.
- Há pouco conhecimento das ferramentas digitais existentes e de como podem ser usadas eficazmente para melhorar a comunicação interna, a colaboração e a partilha de conhecimento.
O que significa ser um Líder Digital?
Há alguns comportamentos, abordagens e características que dão origem a um verdadeiro líder digital.
Liderança em rede
Harold Jarche escreve que a liderança em rede “tem a ver com a construção de estruturas de trabalho que alinham as pessoas com os objetivos”. Isto passa por promover a transparência e encorajar todas as pessoas a assumir responsabilidade pelo pensamento crítico, pela experimentação ativa, pela aprendizagem pela ação, e pela partilha de toda a aprendizagem.
“Networked leadership is about helping make the network smarter, more resilient, and able to make more informed decisions.” Harold Jarche
Este aumento de alinhamento, de empowerment e de transparência, permite que cada um gira o seu trabalho. O líder fica, então, mais disponível para poder olhar para o todo e para envolver toda a organização em conversas ricas e com profundidade. Fica claro que aumentar a inteligência da rede garante uma melhoria nos resultados de negócio e um aumento na satisfação dos colaboradores.
De forma sábia e provocadora, Thierry de Baillon acredita que se a tecnologia se está a afirmar como um enorme facilitador, os líderes têm de subir a parada. “Não podemos transformar pessoas, mas podemos transformar a forma como interagem. Esta é a nova missão dos líderes.” Isso e tecer redes integradas na forma como as organizações trabalham, em vez de criar redes como apêndices à dominante estrutura hierárquica.
Liderança ao serviço (servant leadership)
A ideia de um líder em rede que trabalha para aumentar a inteligência da rede está muito relacionada com o conceito de liderança ao serviço.
“A servant leadership é uma filosofia de liderança. (…) [O] líder ao serviço partilha o poder, coloca as necessidades dos outros em primeiro lugar e ajuda as pessoas a desenvolverem e desempenharem as suas funções tão bem quanto possível.” (Wikipedia, 9 dez 2018) Esta forma de pensar aumenta o potencial de todos, tanto dos líderes como das suas equipas, e aumenta o envolvimento e motivação dos colaboradores, algo que tem vindo a diminuir.
Num detalhado post, Luis Suarez chega mesmo a sugerir que a liderança ao serviço é o conceito mais importante para os líderes de hoje.
Liderança: “influência, de qualquer nível e de qualquer parte da organização, que resulta em mudança”. Jane McConnell
Emanuele Quintarelli põe em causa o conceito de líderes tal como são tradicionalmente entendidos: aqueles hierarquicamente superiores. Para ele, todos os colaboradores deveriam ser líderes contextuais. E também ele fala de liderança ao serviço, defendendo uma liderança “servant, empowering, natural, emergent, contextual”, ao invés do estilo predominante de liderança: “heroic, directive, positional and control-based”.
Gestão da mudança
Acima de tudo, um programa de transformação digital é um programa de mudança.
“Organisations don’t transform. People do”, diz Kenneth Mikkelsen. “Enquanto líder, terás de mudar a forma como aprendes, pensas e te comportas, para que te mantenhas relevante e transformes a tua organização”, acrescenta.
Isto significa que os líderes precisam de mudar mas significa, também, que precisam de gerir a mudança. Isto, como diz Jaap Linssen, “é um dos maiores desafios que os líderes enfrentam”. Gerir a mudança é extremamente difícil porque, como explica Jaap, é difícil “conseguir que as pessoas entendam porque é que a mudança é precisa; conseguir que as pessoas aceitem que a mudança é precisa; conseguir que as pessoas aceitem, entendam e executem as ações escolhidas para a mudança”.
Tomada de decisão distribuída
A agilidade e a capacidade de resposta só podem ser uma realidade se a inteligência coletiva da organização for ativada e envolvida.
“Narrating your work and feeding your network is a crucial skill for leadership in the agile era, but it is absolutely not the norm today. That needs to change.” Lee Bryant
No atual contexto de rápida e contínua mudança, nenhum gestor, nenhum líder, é capaz de fazer tudo. Como diz Lee Bryant, “a inteligência e a tomada de decisão de pequena escala tem de ser distribuída até às extremidades da organização, para que cada equipa e cada função seja livre de aprender e de se adaptar com base no feedback dos clientes e do mercado”.
Em resumo
Os líderes digitais devem ser capazes de:
- aumentar a inteligência da rede;
- capacitar a rede;
- fortalecer a rede;
- inspirar a rede; e
- envolver a rede.
Para que isto aconteça, os líderes digitais precisam de:
- assegurar que a visão, os objetivos e o conhecimento são partilhados por todos;
- desenvolver todas as pessoas e ajudá-las a atingir o seu máximo potencial;
- confiar no conhecimento, na experiência e no compromisso das pessoas;
- orientar as pessoas durante o processo de mudança, com ações alinhadas com as suas palavras sábias;
- dar às pessoas as ferramentas de que precisam para conseguir o que foi referido nos pontos anteriores; e,
- mostrar às pessoas como explorar essas ferramentas para alcançar tudo o anteriormente dito.
Que papel podem desempenhar as ferramentas sociais corporativas?
Este texto começa por dizer que há demasiada conversa sobre ferramentas digitais e pouca preocupação com a mudança necessária nos comportamentos de liderança. Assim, parece irónico que o texto queira agora terminar abordando o papel das ferramentas.
Contudo, enquanto que as ferramentas normalmente incluídas nos “pacotes de transformação digital” se focam na melhoria dos processos de suporte ao modelo de negócio, as ferramentas sociais corporativas focam-se na capacitação dos líderes digitais e da rede de pessoas sem os quais não há negócio.
No que diz respeito ao aumento da inteligência da rede e ao envolvimento dos seus membros, a experiência de Jaap Linssen mostra que os líderes podem usar ferramentas sociais com sucesso para iniciar conversas com toda a organização. Estas conversas têm o poder de mostrar a necessidade de mudança e também de tornar todas as pessoas parte dessa mudança, ouvindo as suas ideias e dando-lhes espaço e permissão para que contribuam ativamente.
Também Lee Bryant, diz que a utilização das ferramentas sociais dentro das organizações pode aumentar a influência e a presença dos líderes, bem como cultivar uma espécie de rede em que as pessoas, pela sua vontade de oferecer feedback e respostas, contribuem para um entendimento criado colaborativamente.
Celine Schillinger expressa isto mesmo, descrevendo as ferramentas sociais como um superpoder porque são “o aumentador da rede de que os sistemas vivos precisam para crescer”.
E ela sabe o que diz. Celine testemunhou a utilização de ferramentas de colaboração para “ultrapassar as tradicionais barreiras e filtros à informação”, facilitar “ligações e conversas entre pessoas que, de outra forma, nunca se teriam ‘encontrado’”, e revelar “a comunidade de intenção que existe” na organização.
De facto, quando usadas eficazmente, estas plataformas internas são poderosos instrumentos para a retenção e utilização de conhecimento, já que o tornam visível e mais disponível para toda a organização.
Estas também chamadas intranets sociais, amplificam e disseminam o trabalho dos líderes por toda a organização: e esta é uma outra enorme vantagem. De acordo com Jaap, as ações locais dos líderes têm muito maior probabilidade de ter impacto global.
Daí, ser tão surpreendente que tão poucas organizações estejam a tirar partido destes benefícios. Para Celine, estão a perder “uma enorme oportunidade para que surjam novos tipos de líderes. Serão os líderes capazes de moldar a conversação e de fazer evoluir a cultura e o desempenho das nossas organizações”.
Em resumo
As ferramentas sociais corporativas podem ajudar os líderes a:
- aumentar a sua presença e influência;
- envolver a rede interna de colaboradores numa conversação alargada;
- recolher feedback e ideias da rede; e,
- melhorar a circulação de conhecimento e informação.
O Social Now 2019 vai aprofundar este tópico. Inscreva-se! Junte-se a Celine Schillinger, Kenneth Mikkelsen, Lee Bryant, e muitos outros profissionais que vêm de várias partes do mundo para ajudar a traçar o perfil dos Líderes Digitais e explorar formas práticas de desenvolver esses líderes com a ajuda de processos e ferramentas sociais corporativas.
Nota: Este texto foi originalmente publicado em inglês no site do Social Now com o título Developing Today’s Networked and Digital Leadership.
“Não podemos transformar pessoas, mas podemos transformar a forma como interagem. Esta é a nova missão dos líderes.” Isso e tecer redes integradas na forma como as organizações trabalham, em vez de criar redes como apêndices à dominante estrutura hierárquica.
Provocadora sim, essa é a palavra para a posição de Thierry de Baillon. Concordo inteiramente mas, a avaliação que faço do que vou observando, leva-me a pensar que o caminho se apresenta um tudo-nada mais atrás. Infelizmente