Para podermos falar de conhecimento crítico, é obrigatório entendermos a razão pela qual o conhecimento é o ativo mais importante de todas as organizações e de todas as pessoas. Para o explicar, nada melhor do que recorrer a um exemplo gastronómico.
O conhecimento como ativo principal
Se lhe perguntar quais os elementos de que precisa para fazer uma tortilha de batatas, é natural que me responda com três tipos de coisas:
- Os ingredientes (matérias primas), como as batatas, os ovos, a cebola, o sal e o azeite.
- As ferramentas (infraestrutura) para cozinhar, como por exemplo os pratos, talheres, taças ou o fogão.
- A pessoa que utiliza as ferramentas e os ingredientes para preparar a tortilha. E no momento em que uma máquina tiver o conhecimento para fazer uma tortilha de forma totalmente autónoma, este terceiro elemento desaparecerá.
Se agora lhe perguntar qual dos três elementos é o mais importante, seguramente me dirá que é a pessoa. O resultado não muda se comprarmos as batatas noutra loja. Mas será que muda de acordo com quem faz a tortilha? O resultado será o mesmo se a tortilha for feita pela minha mão ou pelo campeão do mundo de Fórmula 1, pela primeira mulher astronauta ou pelo dono da Amazon?
Isso significa que o mais importante, na verdade, nem é a pessoa mas antes o conhecimento que essa pessoa tem para preparar os ingredientes e utilizar os utensílios para a preparação da tortilha.
Se lhe perguntar quais os elementos de que uma empresa precisa para preparar um produto físico, vai-me responder o mesmo: matérias primas, uma fábrica equipada e, em terceiro lugar, as pessoas, desta vez com conhecimento mais orientado à engenharia.
E se lhe perguntar quais são os elementos de que necessita uma empresa ou uma instituição pública que presta serviços? Nesse caso não há matérias primas, as ferramentas existem mas são uma comodidade que se podem comprar numa multitude de vendedores, e de novo chegamos às pessoas com o conhecimento necessário para realizar o serviço. Se trocássemos as pessoas do Ministério da Justiça com os empregados da Google e do Banco Santander, as três organizações colapsariam de imediato.
Não há dúvida de que o ativo mais importante de qualquer empresa é o conhecimento. É, por isso, que essa deve ser a prioridade da gestão. De facto, as empresas de serviços (que são a maioria) não têm sequer outro ativo para gerir.
Conhecimento crítico
Temos recursos para gerir todo o stock de conhecimento de uma organização? Todos os conhecimentos são igualmente importantes? Não será mais sensato prioritizar? Neste caso, faz mais sentido recorrer a um exemplo da área da saúde.
Faço-lhe uma pergunta simples: porque vai ao médico? Geralmente, vamos ao médico por duas grandes razões:
- Quando temos um problema que nos impede de fazer uma vida normal. Um médico tem conhecimento, de que não dispomos, para ajudar a resolver o problema; por isso recorremos a esse serviço (por vezes bem caro).
- Quando queremos fazer um exame geral para perceber o estado da nossa saúde. Esse check-up serve para nos indicar o estado dos nossos órgãos vitais e recomendar o que devemos fazer para manter o que está a funcionar bem e melhorar o que está em risco.
Também aqui sabemos que as partes do corpo têm importância diferente. Claro que não há órgãos a mais, mas nem todos têm o mesmo impacto na nossa vida. Podemos funcionar normalmente mesmo que nos doa um dedo, o pescoço ou o menisco. Mas não podemos sobreviver se nos falha o coração ou o cérebro. Numa empresa passa-se algo semelhante: nem todos os colaboradores têm a mesma importância e, por isso, não recebem o mesmo salário. É o conhecimento que faz a diferença.
O conhecimento crítico é o que sustenta a vantagem competitiva da empresa (ou uma área, um processo ou até uma pessoa). Esta é a razão pela qual os seus clientes a escolhem e confiam em si. É o saber fazer que a distingue do resto. Isto é, é o conhecimento que mais influência tem na concretização dos objetivos da organização ou o que mais contribui para os seus resultados.
O conhecimento dos pilotos de uma companhia de transportes aéreos não é crítico para o negócio da empresa. Claro que é necessário gerir esse conhecimento mas a vantagem competitiva não está em saber pilotar um avião (até porque o processo já está muito automatizado). Nunca comprei um bilhete em função de quem é o piloto do avião.
Qual é, então, o conhecimento crítico de uma transportadora aérea? Depende do seu objetivo: será diferente se a estratégia consiste em ser a companhia mais inovadora, ou a mais barata ou a que melhor atende os seus clientes, ou a que oferece maior flexibilidade de rotas, etc.
Porque é importante gerir o conhecimento crítico?
Porque se trata do elemento que assegura a sobrevivência da empresa: nem mais nem menos. Não há outra tarefa mais importante. O conhecimento crítico é imprescindível para a continuidade da organização, para garantir operações eficientes e eficazes. Isto é, o conhecimento crítico é aquele que, uma falha na hora de o manter e implementar corretamente, resulta numa ameaça direta e imediata à viabilidade operativa e comercial da empresa.
Todas as empresas gerem o seu conhecimento informalmente, mas a gestão formal pode evidenciar ganhos substanciais pela diminuição de custos, tempo e erros, ou pelo aumento da qualidade de serviço. Obviamente, o conhecimento crítico é diferente em cada organização, mas em quase todos os casos trata-se de um ativo muito difícil de imitar e que é quase sempre impossível de substituir. Este é o tipo de conhecimento que a organização adquire através da experiência ao longo de toda a sua existência.
O conhecimento crítico é dinâmico. Dado que se trata do conhecimento essencial para executar a estratégia da organização, à medida que mudam os objetivos muda também o conhecimento crítico necessário para os atingir. Mas se os objetivos determinam o que é o conhecimento crítico, também o conhecimento crítico de uma organização determina os objetivos que pode alcançar.
O conhecimento crítico está diariamente exposto a dois grandes riscos:
- O conhecimento crítico não é propriedade da empresa mas da pessoa. Pela primeira vez na história, o principal ativo da organização não faz parte do seu património. As empresas são donas dos ativos físicos, mas não dos seus colaboradores. O conhecimento crítico é das pessoas que a cada manhã decidem se continuam a trabalhar para a empresa que lhes paga. Pode dizer-se que as empresas “alugam o seu conhecimento crítico” e estão dispostas a pagar muito bem por ele. O conhecimento crítico concentra-se em muito poucas pessoas, é escasso no mercado, demora a ser adquirido, geralmente está pouco documentado, e é difícil de capturar e transferir.
- O conhecimento crítico caduca. A mudança acelerada faz com que o conhecimento caduque cada vez mais rapidamente. Não podemos confiar que o conhecimento que nos assegura o sucesso de hoje continuará válido amanhã. Conhecemos demasiadas empresas prestigiadas que desapareceram apesar de terem uma liderança de mercado que parecia inalcançável. Um mundo incerto obriga a que se deixe de aprender para criar novo conhecimento crítico a cada momento. O ponto de partida da inovação é sempre o nível atual de conhecimento.
Porque se deve mapear o conhecimento crítico?
Em primeiro lugar porque se trata do ativo intangível que mais valor gera para a organização e por isso deve ser capitalizado. Isto é, deve ser identificado, preservado, retido, partilhado e melhorado.
Em segundo lugar, porque ajuda a prevenir a perda de conhecimento relevante que afetaria a continuidade operacional.
Em terceiro lugar, porque dessa maneira podemos gerir os recursos de acordo com as necessidades prioritárias de conhecimento. Podemos controlar, melhorar, inovar, adquirir e desenvolver o conhecimento para o transformar numa vantagem. Se o conhecimento crítico gera uma vantagem competitiva sustentável, então não se podem poupar esforços e recursos para a sua retenção e passagem de um colaborador para outro. Resumindo, mapear é a melhor forma de começar a gerir o conhecimento. Quando o conhecimento crítico flui na organização, cria-se valor.
O ponto de partida da inovação é o nível atual de conhecimento.
O que podemos fazer com um mapa de conhecimento crítico?
Como referi, podemos identificar os riscos da perda de conhecimento e anteciparmo-nos. Porém, e para além disso, podemos identificar qual o conhecimento que se encontra concentrado num reduzido número de pessoas e difundi-lo entre quem o deve ter.
Podemos também identificar o conhecimento que não se encontra documentado para que o possamos sistematizar.
Podemos identificar que conhecimento é difícil de obter no mercado e desenhar estratégias para o incorporar.
Podemos identificar as barreiras que dificultam a transferência de conhecimento e as oportunidades que existem na organização para o partilhar entre quem o tem e quem dele necessita.
Podemos identificar igualmente, e com base na futura estratégia da empresa, onde existem necessidades de aumentar o conhecimento e aprender.
Podemos identificar que conhecimento está em mãos externas e que decisões deveríamos tomar para diminuir o risco associado.
E podemos identificar que conhecimento queremos que esteja à disposição dos nossos colaboradores, qual queremos proteger e como o podemos fazer.