Diversidade

Diversidade na organização e gestão de conhecimento

Sou especialista na área da gestão de informação, faço parte de um grupo de trabalho internacional focado na gestão de conhecimento e coordeno uma equipa que inclui colegas autistas. É esta combinação que me tem permitido perceber a estreita ligação que existe entre a diversidade nas organizações e a gestão de conhecimento.

Diversos autores académicos afirmam que a diversidade de pessoas é positiva em quase todos os tipos de organizações, pois fomenta uma maior formação de conhecimentos. De acordo com Nonaka (1994) o conhecimento tácito é baseado na ação, comprometimento e envolvimento num contexto específico.  Isso mostra que o conhecimento vai além de apenas palavras e números. 

O conhecimento gerado individualmente ou em grupo deverá ser partilhado, não só para uma maior produtividade, mas mais do que tudo para fomentar mais criatividade interna que leva à inovação. “A criatividade é um processo em que os indivíduos geram valores originais numa determinada área.” (Yeh, Yeh & Chen, 2012)

Porquê maior diversidade na organização

Pessoas com educação e cultura diferente geram ideias diferentes em diferentes esferas que poder-se-ão complementar. A diversidade é um elemento importante que deve ser incorporado dentro de uma organização para poder competir no mercado por mais tempo com inovação contínua. 

A globalização tem desempenhado um papel vital para aumentar a necessidade de mão-de-obra diversificada dentro de uma organização, ajudando a obter uma melhor compreensão das diferentes culturas e competir com sucesso (Wentling & Palma-Rivas, 1998). É, contudo, de ter em conta que a diversidade cultural é mais positiva para o desempenho da equipa quando é alta a orientação da abordagem de aprendizagem dos membros da equipa e, em simultâneo, quando é baixa a orientação para o lado competitivo de desempenho interno (Nederveen, Knippenberg, Direndonck, 2013).

A consciencialização de igualdade, diversidade e integração é doravante um pilar de maturidade da democracia e por isso impulsionado pela União Europeia. Existe uma iniciativa e grupo de trabalho europeu que visa a adoção geral destas medidas em todos os países. Em linha de ação vertical, são noticiadas algumas campanhas públicas sobre este tema. A chamada de  atenção nos meios sociais tem tido algum efeito, muitas empresas adaptam a política de recrutamento para uma mais diversificada rede de pessoas, ainda que por vezes só seja para exibir uma imagem positiva da empresa.

Para grandes empresas mais economicamente globalizadas a comunicação intercultural é muito importante e por isso nestas organizações a diversidade aumentou de uma forma natural. Em pequenas e médias empresas existe mais homogeneidade na organização.

Algumas questões a considerar

Sabemos que existem vantagens na diversidade, num leque maior de perfis. Porém, também existem contratempos. Um deles é a comunicação, que poderá ser dificultada por falta de pontos comuns de interesse entre os funcionários. O clima organizacional desempenha um papel importante quando se trata de criação de conhecimento: funcionários introduzidos num ambiente ousado ficam mais abertos e dispostos a interagir. É necessário tomar riscos, experimentar com a linguagem e verificar que a mensagem chega corretamente do emissor ao recetor.

Conjuntamente a comunicação pode ser condicionada no emissor quando não existe transparência e confiança na organização. Se os funcionários desconfiarem dos chefes e colegas, dificilmente irão partilhar o seu conhecimento com os outros. A liderança desempenha aqui um papel primordial e deverá agir de forma tolerante para todas as diferentes manifestações culturais e incapacidades.

Implementação

As empresas podem estar convencidas das vantagens e poderão ter planos estratégicos para a formação de uma organização mais diversificada. Isto não quer dizer que poderemos contar com um sucesso imediato. Somos humanos, sabemos que nos processos de recrutamento a palavra final é dada pelo manager ou pela equipa de trabalho. A escolha recai quase sempre numa variante confortável e segura, ou seja, naqueles que conhecemos, que falam a mesma linguagem. Por isso os profissionais de Recursos Humanos têm aqui uma grande responsabilidade. Os processos de recrutamento podem visar uma melhor escolha, numa população mais diversificada. Começa nos textos de oferta de emprego e depois nos canais de divulgação.

Em diversos países  aplicam-se políticas de quota de mercado de emprego e da chamada descriminação positiva. Num grupo predominantemente de homens dá-se preferência a uma candidata feminina e vice-versa. Para o caso de Portugal os textos poderão ser escritos por vezes em inglês ou então com palavras de outros países de expressão portuguesa. Outra possibilidade é colaborar com o Instituto de Emprego e Formação Profissional e com associações de pessoas com deficiência física ou mental. Verifique, por exemplo, o website da associação de cegos e de autistas. Existem já algumas hipóteses, embora poucas, para estes grupos.

Instigado pela União Europeia, Portugal também se comprometeu a adotar estes princípios na política nacional. As intenções estão lançadas: agora é aplicá-las.

Caso da Universidade Erasmus de Roterdão

Todos os países da Europa adotaram um “charter de diversidade”. Em Portugal está baseado em diretivas, mas na Holanda baseando-se na informação do site criado para este objetivo vemos outro progresso. O charter Holandês efetua estudos e dá dicas para os empregadores.

Para as empresas públicas existe uma quota. Se as empresas não a cumprirem poderão ser autuadas num futuro próximo. Para empresas comerciais, por enquanto não existe uma medida obrigatória – simplesmente de recomendação.

Na Universidade Erasmus de Roterdão, onde sou especialista de metadata na biblioteca académica, há uma consciencialização bastante maior da importância da diversidade. Existe há alguns anos uma população diversificada de estudantes neste instituto e rapidamente foi fácil de perceber que os docentes e os serviços de suporte deveriam espelhar a diversidade já existente nos estudantes e investigadores. Para alcançar isto, a organização toma as seguintes medidas:

  • as cartas de candidatura são anonimizadas antes de serem entregues à equipa de seleção dos candidatos, isto para prevenir a discriminação de pessoas com nomes que não sejam de cultura ocidental;
  • para muitas das vagas existentes existe um texto em inglês. No início não é obrigatório falar holandês, mas no caso de contrato de longa duração a universidade paga um curso de língua holandesa;
  • a Universidade colabora com o instituto de emprego e reserva algumas vagas para pessoas com deficiência física ou mental. No meu departamento temos três pessoas diagnosticadas com autismo.

Para além do processo de recrutamento, a universidade intensifica e fomenta o reconhecimento das diferenças de cultura, ética, religiosa e de capacidades físicas e mentais dos trabalhadores

Havendo uma cultura de tolerância na organização, algumas pessoas podem manifestar-se melhor e exporem-se de forma positiva.

Com maior confiança na liderança e neles próprios, existe consequentemente também mais confiança no trabalho. Concretamente, uma das ações da universidade é a organização de duas vezes por ano do evento “Share Your Knowledge”. Todos os funcionários são convidados a organizar uma atividade ou webinar e partilhar algo próprio. Poderá ser num formato educativo como, por exemplo, um workshop sobre literacia académica ou Python mas também pode ser uma sessão de yoga, música, religião, palestra ou também como lidar com autismo e enxaquecas. Há uma grande variedade de conhecimento aplicável a cada caso de trabalho, ou de desenvolvimento pessoal.

Não tenho dados de uma avaliação dos resultados. De qualquer forma, a Universidade ganhou há três anos um prémio de melhor empregador na integração de pessoas com problemas de acesso ao mercado de trabalho.

Pessoalmente posso revelar a minha experiência. Sendo chefe de equipa de back-office, a minha equipa trabalha muito com dados e sistemas. Este trabalho é apropriado para pessoas autistas que precisam de rotina e segurança. São pessoas que precisam de bastante atenção minha, mas também recebo muito em troca: são pessoas genuínas. Surpreendentemente num habitat seguro e conhecido, revelam-se também pessoas muito sociais e criativas. Não hesitam em partilhar o que sabem e o que aprenderam e comunicam isto de uma forma diferente do normal, o que é muito interessante.

Referências

Pieterse, A. N., Van Knippenberg , D., & Van Dierendock, D. (2013). “Cultural Diversity and team performance. The role of team member goal orientation”.  The Academy of Management Journal, 56(3), 782–804. http://www.jstor.org/stable/43589943

Nonaka, I. (1994). “A dynamic theory of organizational knowledge creation”. Organization science, 5(1), 14-37

Wentling, R. M., & Palma‐Rivas, N. (1998). “Current status and future trends of diversity initiatives in the workplace: Diversity experts’ perspective”. Human Resource Development Quarterly, 9(3), 235-253

Yeh, Y. C., Yeh, Y. L., & Chen, Y. H. (2012). “From knowledge sharing to knowledge creation: A blended knowledge-management model for improving university students’ creativity”. Thinking Skills and Creativity, 7(3), 245-257

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