Questão enviada por Paulo Resende da Silva (Évora, Portugal):
Existem vários autores que no final da década de 80 definiram competências como algo que é adquirido com o exercício e aplicação de dado conhecimento e saber numa dada tarefa específica ou numa dada actividade no âmbito de um processo. Durante uma conferência a que assisti recentemente, as definições apresentadas sobre conhecimento dizem que é algo que é adquirido através das competências. Algo aqui se passa estranho. Temos o efeito de pescadinha de rabo na boca ou a teoria do ovo e da galinha. O que é uma coisa e o que é a outra coisa?
A minha resposta:
Não sei o suficiente da literatura da década de 80 para poder discutir a interpretação referida.
Concordo com a definição de competências que sugere. Não concordo, porém, com a ideia de que o conhecimento se adquire através de competências. O conhecimento é uma construção social, gerado através da interacção entre pessoas com base em conhecimento e experiências prévias.
Assim, talvez se possa estabelecer uma cadeia:
conhecimento+experiência >> conhecimento >> competências
Também já não é a primeira vez que ouço a viva voz, em seminários, comunicações e comentários similares. Creio que está a surgir alguma confusão entre conceitos de conhecimento e competências. Contudo, se estivermos com alguma atenção esta “confusão” parece surgir apenas em autores que defendem uma abordagem comportamentalista de competências (vd McClelland, Boyatsis, Mertens) que parte do elemento pessoa que executa o trabalho, com todas as suas motivações, características de personalidade, habilidades, auto-imagem e conhecimentos) para definindo o posto/perfil funcional em função de tais características ou potentialidades. Competência para estes autores surge associada às capacidades que o individuo tem para poder fazer o não para o que faz efectivamente, o que inclui, se quisermos ser pouco científicos, o próprio conhecimento. Nas abordagens funcionalistas e constructivistas esta “confusão” de ovo e galinha já não me parece possível… Em todo o caso, mesmo com uma análise situacional associada a esta escola behaviorista, mantenho algumas dúvidas porquanto apenas conseguimos chegar à célula competência se estivermos a falar de manifestações de acções, constatações de performances, que nos permitam identificar, medir e validar quais os conhecimentos mobilizados.
Então, Paulo Resende e Ana Neves, voltamos à nossa clara visão “Conhecimento não é o mesmo que competência e que esta só pode existir porque obviamente pre-existe conhecimento”… Que conforto!
Ana,
primeiro pensei mandar um e-mail, mas aí a pergunta desaparece no cemitério da informação.
Tens um bom número de leitores brasileiros.
Eu sou um dos que não consegue entender o que é que significa a expressão: ” pescadinha de rabo na boca” e o que isso tem a ver com a teoria do ovo e da galinha?
Podemos estar sendo vítimas do “Curse of the Knowledge”, é tão claro para vocês que não se dão conta da dificuldade de leitores mais distântes.
Grato antecipadamente pela gentileza.
Ferdinand, a expressão “pescadinha de rabo na boca” tem a ver como um forma de preparar um peixei cá em Portugal onde o rabo no peixe é enfiado na boca do mesmo e depois frito. Isso faz com que não se saiba bem onde começa e acaba o peixe. Assim, a expressão é usada para descrever situações em que não uma situação leva a outra sem que se saiba bem o que origina o quê.
Muito grato pela explicação, não tinha ficado claro via alguns dicionários na rede que apressadamente já havia olhado.
Vez por outra vejo a menção de que: “conhecimento é uma construção social”. Não sinto assim, e não consigo entender desta forma.
Claro que a maior parte do conhecimento que podemos utilizar foi adquirida por cópia. Mas me parece que o conhecimento emerge na cabeça de cada indivíduo, sem a interveniência de outros indivíduos. Este emergir é uma construção, e o “social” só atrapalha.
Onde estou errado?