Avaliar Ideias Embrionárias

Muitas são as organizações que têm esquemas que convidam os seus colaboradores a sugerir formas de melhorar processos internos, a qualidade do trabalho produzido, a qualidade dos produtos / serviços oferecidos, a qualidade do atendimento ao cliente, etc.. Estas ideias são depois avaliadas por um grupo de outros colaboradores (chefias ou pessoas reconhecidas na organização como “peritas” na matéria). Se a resposta for positiva, o colaborador pode ver a sua ideia implementada, costuma ser publicamente reconhecido e, nalgumas organizações, pode até mesmo ser premiado (trabalhei numa empresa que dava uma percentagem dos lucros ou das poupanças ao colaborador que dava a ideia).

Apesar de louváveis, estes esquemas pecam por um pequeno, grande pormenor: as ideias são avaliadas com base num pensamento muitas vezes embrionário de um colaborador.

Nem todas as pessoas são capazes de flashes criativos. Nem todas as pessoas são capazes de verbalizar e concretizar os seus flashes. Os esquemas para incentivo à inovação que normalmente se encontram nas organizações premeiam essencialmente os flashes criativos e correm o risco de não serem capazes de dar seguimento às boas ideias por falta de informação, recursos e aconselhamento disponíveis noutras partes da organização.

Este é mais um caso em que as organizações, sem querer, estão a encorajar o individualismo e a ignorar o poder do colectivo.

Não faria mais sentido as ideias iniciais, propostas por qualquer colaborador da organização, serem apresentadas num espaço público para que pudessem ser comentadas, elaboradas e trabalhadas pelos outros colegas? Não seria este um processo muito mais justo e uma forma muito mais promissora de conseguir desenvolver as ideias embrionárias?

Este processo seria também uma forma mais transparente e verdadeira de apoiar a inovação, aumentando a probabilidade de concretização de ideias verdadeiramente inovadoras, e reconhecendo as vantagens do colectivo organizacional.

Apesar de não ser “a” resposta, a tecnologia também aqui oferece um valioso contributo.

Cada vez mais se encontram ferramentas que suportam as várias etapes do processo de inovação. Kindling, netoVation (desenvolvido sob a plataforma Confluence), IdeaScale e Kluster são apenas alguns exemplos. Seria bom que as organizações olhassem para estas ferramentas e percebessem os princípios por trás da abordagem escolhida:

  • tornar públicas todas as ideias apresentadas (antes de serem avaliadas)
  • dar oportunidade a outras pessoas para comentar através de críticas construtivas, oferecer a sua experiência, voluntariar o seu tempo, manifestar interesse em acompanhar o processo de concretização da ideia, etc.
  • permitir a votação não (apenas) da ideia original mas do produto resultante da ideia original e do diálogo que se gerou à sua volta
  • tornar transparente todo o processo de concretização das ideias escolhidas.

8 comments

  1. René G Barreto 3 Março, 2009 at 15:14 Responder

    Buenas, fico pensando no dia-a-dia da organização, onde a competição e a pressão absurdas por resultados, só fazem por aumentar o stress… Aí surge uma pessoa, que por sua posição na hierarquia não provoca suspiros, mas é um poço de idéias, um poço bem fundo!

    Gosto muito da idéia da colaboração para desenvolver algo para além da “caixinha de sugestões”, mas o ciúme, a inveja, e outros monstrinhos, não poderiam fazer por entornar o caldo?

    Poderia ser mais ou menos assim: há o ponta-pé-inicial: eureka!, novos aperfeiçoamentos vão amadurecendo a idéia inicial, quando se atinge o “produto final” esse mapa mental é revelado transparentemente, assim uniríamos grego & troianos!!!

    tks

  2. Vanda Marina Paulo 3 Março, 2009 at 15:38 Responder

    A promoção de novas ideias no âmbito organizacional e a forma de análise e avaliação das mesmas não é transversal em todas as organizações. Incentivar o colaborador a participar activamente nos projectos empresariais, apreesentando ideias, sugestões de melhoria, promove o estímulo e representa um novo desafio que transporta o colaborador das suas rotinas e métodos de trabalho diários para novas áreas que envolvem conhecimento, criatividade e inovação e por vezes a organização é surpreendida com alguns dos seus colaboradores.

    Estas iniciativas fomentam a confiança e seguranças intrapessoais com reflexos na organização.

    Premear por parte da Empresa pode ser visto não só como uma forma de compensação pelo esforço e empenho daquele coloaborador como ser simultânemente um estímulo para novas ideias, novas iniciativas. A discussão partilhada das ideias apresentadas parece-me uma questão fulcral até pela relação entre todos os Stakeholders. A promoção da ideia é um dado objectivo e concretizável e creio que quando uma empresa promove este tipo de iniciativas coloca todos os grupos empresariais no mesmo pé de igualdade.Entendo o que está subjacente à promoção não só da ideia escolhida mas das discussões em seu torno, no entanto não me parece objectivamente concretizável na óptica da gestão de recursos empresariais, aliás o projecto quando lançado coloca todos os colaboradores em pé de igualdade nesta matéria.

    Creio que o importante seria sensibilizar as várias empresas que não têm esta política implementada no sentido de a criarem como forma de promover a sua existência.

  3. Paulo V. Serra 3 Março, 2009 at 19:31 Responder

    Foi com satisfação que fiquei a saber que já são muitas as empresas que pedem opinião e ideias aos seus colaboradores é sinal de uma mudança no bom sentido.

    Não tem sido fácil, de acordo com as entrevistas que tenho realizado, pôr as pessoas a participar mesmo quando as organizações querem e premeiam. Alguns exemplos que tenho ouvido falam em receio dos colaboradores em que suas ideias possam ser ridicularizadas ou que as suas ideias iniciais sejam reutilizadas por outros alterando os contextos.

    Concordo com a sua opinião e que provavelmente seja necessário um passo intermédio até os colaboradores ganhem a confiança para poderem expor-se publicamente através das suas ideias.

  4. Ana Neves 3 Março, 2009 at 22:28 Responder

    Antes de mais obrigada René, Vanda e Paulo pelos vossos comentários. Todos vós tocaram num ponto que eu não referi, propositadamente, para ver se era referido por alguém: o factor confiança, tão relacionado com a cultura organizacional.

    É um tema que dá pano para mangas e que vou deixar para um outro post. Entretanto, convido outras pessoas a partilhar a vossa experiência e opinião. Sabem de organizações que incentivam a inovação? Como o fazem? Com que resultados? E, mais interessante ainda, sabem de organizações que apoiam e promovem o trabalho colectivo de aperfeiçoamento de ideias?

    • Marcelo Mello 5 Março, 2009 at 04:51 Responder

      Cara Ana Neves,

      concordo contigo que a questão da confiança nas organizações é bastante complexa. E não poderia ser diferente, pois além de envolver pessoas e toda sua subjetiva natureza, abarca também um sem número de variáveis organizacionais que compõe um cenário de difícil compreensão e atuação. Contudo, é consenso entre os autores da área de Gestão do Conhecimento e Gestão de Pessoas, que um ambiente de confiança é fundamental para que haja a colaboração, o compartilhamento e a criação de conhecimentos. Considerando minha organização, minha percepção é que o papel principal na criação de uma ambiente saudável e de confiança mútua é do gerente de primeiro nível. Este tem o contato direto com as pessoas e, desta forma, é o canal pelo qual as pessoas se relacionam com a administração da organização.

      Grande abraço.

      Marcelo Mello

  5. armindo 3 Abril, 2009 at 14:46 Responder

    Todos sabemos que as organizações (e não só), se têm apropriado da criação e inovação dos seus colaboradores!?

    A grande questão passa por no presente e no futuro, dar mais visibilidade e oportunidades a “estes autoiluminados”, segundo regras abertas de funcionamento do mercado global. O mercado global tem condições mais justas de afectação de recursos, logo de remuneração das ideias criativas e inovadoras.

    Na versão actual andam alguns a “criar e a inovar”, para serem outros os apropriadores, o que me parece bastante injusto.

    É preciso mudar de paradigma. Para potênciar o surgimento de novas e mais organizações!?

    • Ana Neves 3 Abril, 2009 at 20:36 Responder

      Penso que tem alguma razão, Armindo. Nalgumas empresas, felizmente, as coisas não são bem assim. Mas, como diz, a resposta passa por tornar todos estes processos bem visíveis. Fazer com que as ideias sejam faladas em plataformas públicas de forma a que se saiba bem de quem partiu a ideia orginal, e trabalhadas também numa plataforma pública para que todos possam ajudar.

      A propósito disso, gostaria de falar de um projecto cuja face mais visível é o seu site. Chama-se Enabled by Design e a secção Ideas Factory é algo que poderia ser utilizado, com pequenas adaptações, no seio organizacional com os objectivos referidos anteriormente. O site foi desenvolvido pela Headshift e eu estive à frente do projecto. Tenho de escrever aqui um post sobre o projecto já que teve aspectos muito relevantes para o processo de inovação organizacional.

  6. Ferdinand 4 Fevereiro, 2011 at 14:54 Responder

    O livro IDEAS ARE FREE- de Alan G Robinson e Dean M Schroeder, com o título em português “Idéias para revolucionar a sua vida”, é ótimo para nos apresentar todo o espectro existente para planos de sugestões em empresas. O mundo ocidental perde de longe para os orientais no número de sugestões apresentadas por empregado por ano. O título do livro tanto no original como na tradução nos induz ao erro, pois se trata de um livro para administradores!