A Cultura Organizacional Certa: Um Requisito?

Ao responder às questões colocadas pelo KMOL, Luis Suarez disse que ter  a cultura certa era (quase) um requisito para iniciar um programa de gestão de conhecimento (GC). Não é o único. Eu costumava concordar. De facto, na Abbey National, geri um programa de mudança cultural que visava criar a cultura certa para o programa de GC funcionar. Talvez seja essa a razão pela qual agora acredito que é possível “fazer” GC sem a cultura certa.

Antes de mais é importante reflectir sobre o que é a cultura certa. Isso existe? Penso que sim. Porém, é difícil descrevê-la. É, normalmente, algo que se sente.

Lembro-me de quando comecei a trabalhar na Headshift. Fiquei (positivamente) chocada por todos quererem saber sobre todos os projectos e clientes. Também pelo empenho em ajudar os colegas, pelo esforço para contribuir ideias e sugestões para outros projectos, pela abertura da comunicação interna, pela informalidade de tudo. Aquilo parecia ser a cultura certa.

Se forçada a descrever a cultura certa, provavelmente usaria palavras como “abertura”, “disponibilidade”, “flexibilidade”, “pró-actividade”, “transparência”, “criatividade” e “confiança”. Acima de tudo “confiança”.

Há muito tempo que me venho perguntando algumas questões filosóficas: “A cultura certa é causa ou consequência de uma eficaz gestão de conhecimento? É um input ou um output? É um ingrediente ou um produto final? O que vem primeiro: a cultura ou o programa de gestão de conhecimento?”

As diferentes funções que desempenhei, em diferentes organizações, levaram-me a acreditar que – e nisto concordo inteiramente com o Luis Suarez – seria ideal que a organização tivesse a cultura certa. Porém, não só para benefício do programa de gestão de conhecimento. Seria ideal que a cultura certa existisse para que toda a organização funcione melhor e para que quaisquer mudanças necessárias sejam abraçadas mais fácil e entusiasticamente.

Contudo, e novamente de acordo com Suarez, a cultura certa é algo que demora muito tempo a criar porque requer mudar comportamentos embrenhados no tecido social da organização.

Para mim, dizer “Eu não vou fazer GC enquanto não tiver a cultura certa” não é uma opção. Isto é uma má desculpa para não o fazer e pode levar a uma espera longa, e potencialmente fatal.

Ao invés disso, as organizações deveriam ver o programa de GC como uma grande oportunidade de moldar a cultura tornando-a na cultura considerada adequada aos propósitos estratégicos da organização. Planear um programa de GC com a preocupação de mudar a cultura organizacional é um pouco mais difícil mas é perfeitamente possível. Eu já o fiz.

Como? Pequenos passos, muitos deles lógicos e óbvios, tais como:

  • alterar os critérios de avaliação de desempenho de forma a que a partilha de conhecimento seja considerada
  • avaliar os hábitos de partilha de conhecimento não pela análise do número de posts dessa pessoa na intranet mas perguntando aos colegas (pergunte pela qualidade e vontade de ajudar, por exemplo)
  • utilize questionários e entrevistas de auditoria de conhecimento para recolher informação (claro!) mas também para, em simultâneo, realçar os comportamentos que se esperam dos colaboradores
  • tenha bancos de ideias mas faça com que o ciclo da ideia seja totalmente aberto e transparente para que qualquer pessoa possa contribuir
  • repense a forma como a organização reconhece e recompensa novas ideias, novos projectos, bons resultados, etc..

Ao fazer isto, as organizações darão origem ao seu programa de gestão de conhecimento ao mesmo tempo que tentam moldar a cultura organizacional.

Isto ajudará a organização a:

  • obter os primeiros resultados mais depressa
  • fortalecer a mensagem e a abordagem
  • poupar dinheiro.

Todas as organizações querem ter a cultura certa. Infelizmente, poucas organizações a têm. Olhar para a cultura em primeiro lugar vai demorar muito tempo e, como Suarez diz, as organizações não se podem dar a este luxo. Assim, o meu conselho é “avancem!”. Moldem a cultura organizacional como parte da vossa estratégia de gestão de conhecimento.

5 comments

  1. Victoriano Nazareth 3 Junho, 2009 at 11:44 Responder

    Acabei de ler a entrevista de Luiz Suarez e o seu artigo. Não vou tecer agora qualquer comentário, vou pensar, meditar e deixar amadurecer as ideias para mais tarde, se for caso disso, opinar. Mas, de qualquer forma, não quero deixar de colocar a minha principal questão: como se implementaria e funcionaria a GC numa pequena organização sem fins lucrativos (ONGD, onde neste momento colaboro após me ter aposentado? Bom, não deixa de ser uma organização, mas…Vou pensar.

    • Ana Neves 4 Junho, 2009 at 14:46 Responder

      Victoriano, cá ficamos à espera do resultado do seu amadurecimento de ideias. Partilhe depois connosco.

      Quanto à questão que coloca: é muito vaga. É difícil poder ajudar, dando dicas ou referências, sem saber, pelo menos, quais seriam os objectivos principais da GC na organização que refere.

  2. ricardo 4 Junho, 2009 at 00:38 Responder

    A questão é real, cultura. Talvez o que anda acontecendo é a não utilização dessa ferramenta nas organizações, por interesses diversos. No lugar da cultura temos espectros, espantos e uivos – mas não cultura.

  3. Armindo Alves Domingues 12 Junho, 2009 at 14:42 Responder

    A cultura certa?

    A Cultura é um conceito em construção, que reflecte actos humanos, certo!?!. Logo, quando saltamos de espectadores para actores, tal como nos «pedem» nas organizações, estamos disponíveis para «abraçar» a “cultura certa”, contudo podemos não a encontrar! Quando um “actor” toma posições e atitudes no dia a dia do seu trabalho, qualquer que seja a organização, deve reflectir sobre a “comunicação estabelecida e vivenciada”, pois se não houver compatibilização fácil, ou tem capacidade para se adaptar às exigências culturais e laborais ou então deve ir à procura de novos rumos (destinos) e objectivos! Todos temos uma grande capacidade para fazer «algo» e faze-lo bem, mas nem todos encontramos um «lugar» que nos permita essa realização pessoal e profissional.

    A cultura certa das organizações, também não pode ser um modelo fechado (definido e acabado!), pois todos os “modelos de sucesso”, têm de sobreviver ao presente e ao mesmo tempo, manterem-se válidos no médio e longo prazo. Quer isto dizer, que precisam de “adaptadores” à envolvente dos negócios. Um bom modelo, é sempre um modelo aberto a certas variáveis! Os colaboradores tal como as famílias, as organizações e os países, têm de evoluir para a concepção e execução dos “produtos e serviços”, que saibam fazer bem! O fazer bem exige dedicação, paixão e muito trabalho! E porque não dize-lo: Um esforço heróico! Estes enquadramentos podem ser iniciados e afinados, através da definição das Missões e Visões das organizações (e ou das famílias e das pessoas!). Há que começar por definir… as nossas próprias competências…!?!

    • Ana Neves 16 Junho, 2009 at 15:41 Responder

      Armindo, pareço perceber do seu comentário que considera que a cultura de uma organização é o que é e que os colaboradores se juntam ou não à organização se esta for ao encontro, ou não, dos valores e da cultura que procuram. Se assim for, depreendo que considera que não se consegue alterar a cultura de uma organização. Depreendo também que não considera os indivíduos fortes o suficiente para serem capazes de, em conjunto, mudarem a cultura de organização.

      Se for esta a sua ideia, lamento dizê-lo, mas discordo. Discordo porque sei que é possível mudar a cultura de uma organização: um conjunto de pessoas e um conjunto concertado de iniciativas e medidas podem alterar a postura, o clima, a forma de actuar, a cultura de uma organização.

      Discordo também porque nem sempre é possível a uma pessoa aferir correctamente da cultura de uma organização até lá estar a trabalhar. Isto porque nem sempre a cultura da organização se espelha nos valores e princípios publicamente afirmados. Nestas condições os colaboradores podem entrar numa organização cujos valores e cuja cultura eles não abraçam.

      Pode acontecer também que uma mudança de direcção altere a cultura de uma organização para pior (lá está, é possível alterar a cultura) e pode ser então necessário corrigir essa situação, voltando a trazê-la para o trilho correcto.

      Finalmente, vale a pena dizer que, por vezes, a cultura de uma organização nem sequer é ditada pelos valores e comportamentos da maioria dos seus colaboradores mas pelas atitudes, princípios e valores de alguns poucos “que realmente importam” (ver o livro “Who Really Matters” de Art Kleiner).

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