Cidades criativas, sociedade da informação e e-governo

O Twitter trouxe mais uma pérola consigo – desta vez pelo bico do Frederico Lucas (@fredericolucas). Trata-se um texto de opinião assinado por Leonel Moura no Jornal de Negócios de dia 17 Setembro.

O texto é sobre Cidades Criativas. Nele, Leonel Moura procura traduzir o conceito promovido por Richard Florida à realidade portuguesa.

Deixo aqui algumas passagens muito interessantes em jeito de provocação para que leiam o texto completo:

tem-se “confundido o desenvolvimento de uma economia criativa com a criação cultural, em si mesma, que é uma coisa muito diferente. Ou seja, a cultura criativa inicial, assente na economia digital e no design, transformou-se num mero incremento de manifestações culturais, de tipo artístico, normalmente centralizadas pela própria gestão das cidades. Em suma, muitas Câmaras imaginaram que as suas cidades se tornariam criativas pelo simples facto de oferecerem mais espetáculos e exposições.”

“Em vez de gastar fundos em mais centros culturais e museus da rolha, as autarquias deviam apostar nos centros de criatividade, através da disponibilização gratuita de espaços para encontro, cooperação e produção.”

“Assim, a Cidade Criativa 3.0 não é tanto aquela que exibe muita criatividade, mas sim a que gera as condições tecnológicas e ambientais para que a criatividade possa emergir e desenvolver-se.”

Ao ler este texto vieram-me à cabeça duas questões bem actuais e que têm sido exploradas e implementadas apenas superficialmente, daí produzindo resultados tão aquém daquilo que gostaríamos de observar.

A primeira é a questão da “sociedade de informação”. Apesar de reconhecer o muito que tem sido feito no nosso país, observo com tristeza que esses esforços têm passado essencialmente pelo desenvolvimento da rede física de ligações à Internet e pela distribuição de computadores. Não ser tem dado a devida atenção à formação das pessoas para que utilizem o novo “instrumento”, à sensibilização das pessoas para a sua importância, à construção de conteúdo de qualidade que motive a sua utilização, etc..

A segunda questão é a do diálogo com o cidadão ou do e-Governo que vejo ser reduzida à criação de formulários online onde as velhas rotinas burocráticas são digitalizadas e aceleradas mas que, onde o diálogo, na verdade, não acontece.

Até quando este investimento em infra-estrutura não acompanhado de um investimento daquilo que pode realmente fazer a diferença: os processos e as pessoas? Até quando esta valorização da quantidade (de cabos, de computadores, de formulários online, etc.) e não da qualidade (número de pessoas que criaram oportunidades de emprego graças ao acesso à Internet, rendimento escolar dos alunos com acesso à Internet, satisfação dos cidadãos com o serviço prestado pelos seus representantes no governo)?

3 comments

  1. AnaDataGirl 20 Setembro, 2010 at 19:28 Responder

    Excelente reflexão! Efectivamente parece que neste país se investe muito nas infraestruturas e pouca na substância que dará sentido à infraestrutura de base. E há que desmistificar a palavra criativo. Vou espreitar o texto do Jornal de Negócios que me parece que tem feito um esforço para debater/retratar com seriedade e profundidade algumas destas temáticas.

    • Ana Neves 21 Setembro, 2010 at 12:12 Responder

      Sem dúvida. Ainda a semana passada ouvi uma apresentação, curiosamente do Frederico Lucas, em que ele dizia que é muito mais fácil para uma autarquia justificar custos com infra-estrutura do que justificar investimento nas pessoas, na sua formação, na geração de oportunidades que lhes permitam empreender e criar as suas próprias oportunidades. Mas como, na altura, alguém da assistência respondeu, a culpa não é só das autarquias mas da forma como o financiamento é gerido a nível central / nacional. Enfim… há muito a fazer.

  2. Alvaro Gregorio 26 Setembro, 2010 at 15:57 Responder

    Penso que ao segundo ponto, de competência do e-gov, há essa estagnação frente às dimensões clássicas de evolução, assim colocadas: emergente, expandida, interação, transação, integração e participação.

    Esta formulação, saída dos anos 1990, previa, mesmo antes da web 2.0, essas duas últimas etapas de amadurecimento (integração e participação) como dimensões a serem atingidas e, ao que temos hoje com as ferramentas sociais, de fácil implantação, mas em termos de sistemas informacionais, não humanos.

    Há sim a ausência de inovação em governos, em parte pela acomodação e cultura de servidores.

    Contudo, técnicas de design de serviços, a criação de negócios sociais e crowdsourcing com data gov e a abordagem de smart cities, para além das condições de infra-estrutura, começa a reunir em um cenário otimista condições de mudança e inovação na gestão pública.

    Aqui no Brasil, especialmente em São Paulo, estamos a tratar essas questões de forma a integrar cidadão e governo desde o plano até a execução. O mote é menos governo, mais Estado e mais Cidadania.

    Ana, adorei sua inteligente observação.

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