Hoje de manhã tive o privilégio de participar num evento organizado pela APDSI – Associação para a Promoção e Desenvolvimento da Sociedade da Informação e da APG – Associação Portuguesa dos Gestores e Técnicos dos Recursos Humanos. Com o título “Redes sociais – Produtividade: sim ou não?” o evento foi orquestrado pelo Etelberto Costa que conseguiu o que raramente se consegue: a apresentação sucinta de vários pontos de vista, por vários participantes, sem debates filosóficos que levam a nada e com o propósito de destacar vários prismas de análise deste tópico tão pertinente.
Sentada na mesa como “comentadora” deste evento, na bela companhia do Ricardo Andorinho e do Miguel Faro Viana, procurei portar-me bem e prestar total atenção aos pontos que eram levantados. Sem grandes preocupações estéticas nem sintácticas, deixo aqui uma lista de ideias que fui registando. Procurarei dar crédito a quem as apresentou mas, já que algumas pessoas não se apresentaram, tal não será possível para todas.
O Pedro Caramez referiu que algumas redes sociais, como é o caso do LinkedIn, são quase totalmente subordinadas a temas profissionais e que não deverão ser olhadas pelas organizações com os mesmos óculos de receio. Ele acrescenta que esta rede permite aos profissionais e empresas ultrapassar as barreiras territoriais e aumentar o seu índice de competitividade.
A questão das redes sociais como veículo para derrubar as barreiras geográficas foi, aliás, referido por vários participantes. No entanto, houve um professor do Instituto Superior Técnico que referiu que ficam ainda por ultrapassar as barreiras linguísticas.
Artur Ferreira da Silva que não pode estar presente, enviou a sua opinião por escrito, destacando a diferença entre as redes sociais públicas (Facebook, Twitter, etc.) e as plataformas sociais internas às organizações. Enquanto que as primeiras devem, no seu entender, ser proibidas em horário de trabalho (a não ser para os colaboradores cuja função é gerir a presença da organização nas redes sociais), as segundas devem ser criadas e o seu uso encorajado.
Antonieta Rocha referiu que estas redes / plataformas internas ajudam em três aspectos importantes:
- na criação de uma identidade de pertença
- na construção de coesão organizacional
- na partilha de boas práticas.
Luísa António complementou, referindo:
- o aumento da autonomia dos colaboradores
- a divulgação das competências técnicas de cada um
- a compreensão de cada colaborador sobre onde se encaixa na organização.
Diz Luísa que isto caracterizará as organizações 3.0.
Teresa Salis Gomes acrescentou a estes aspectos um sétimo: a lealdade. Lembrou, a propósito a expressão inglesa ROL – Return on Loyalty que surge como provocação à conhecida ROI – Return on Investment.
A questão da lealdade surge depois num outro contexto ligeiramente diferente. Luís Vidigal refere que a participação das pessoas nas redes sociais públicas se reveste de grandes dificuldades e dilemas, especialmente na altura em que temos que pesar a nossa lealdade para com a organização que nos emprega e a nossa responsabilidade e o nosso direito individual de cidadania.
Os nossos vários chapéus – cidadãos, familiares, empregados – foi também motivo de atenção de Miguel Faro Viana que referiu que é cada vez mais difícil separar a vida pessoal da profissional e que as redes sociais nos devem ajudar a conciliar o trabalho e a família.
Teresa Salis Gomes realçou a importância de definir regras claras de utilização das redes sociais, regras essas conhecidas por todos os colaboradores. Comentou também que, numa altura de crise em que todos os olhos estão postos na administração pública para detectar provas de ineficiência e fraca produtividade, tolerar a utilização de redes sociais em horário de trabalho é quase impensável para muitas organizações governamentais. Isto, no entanto, diz ela, entra em conflito directo com o ambiente de transparência e abertura que se espera das instituições públicas.
Miguel Faro Viana destacou os aspectos comportamental e cultural como estando no âmago do debate. Segundo ele, e numa opinião ecoada por todos os outros participantes, a decisão sobre se se deve ou não permitir a utilização de redes sociais depende da cultura da organização, da sua estratégia e da sua forma de trabalhar. Como alguém depois referiu, é impossível permitir que os colaboradores de uma planta fabril utilizem as ferramentas sociais em horário de trabalho pois isso significa parar as máquinas.
Ricardo Andorinho contou um pequeno episódio em que um quadro de uma empresa lhe dizia ir proibir o acesso dos seus colaboradores às redes sociais pois tinha acabado de despedir uma pessoa por divulgar informação confidencial no Facebook. A isto o Ricardo respondeu-lhe “Ainda bem que existe o Facebook. Se assim não fosse, não saberia que a informação tinha saído, não saberia por que canal, e não poderia identificar as medidas correctivas adequadas.”
Como outro participante referiu, as redes sociais estão a colocar às organizações desafios semelhantes a outros no passado. Têm novamente de ser capazes de integrar esta realidade e dotar os colaboradores das competências adequadas para tornar as redes sociais numa mais valia.
A questão hierárquica, ou melhor, a forma como a redes sociais reequacionam a hierarquia organizacional foi referida pela Luísa António e por um investigador da Dynargie.
Numa partilha pessoal muito interessante, Margarida Simões realçou que a participação em redes sociais consegue resultados muito melhores quando acompanhada da criação de um espírito de comunidade.
Ao contrário do que se poderá pensar, Rui Lourenço defende que o Facebook, graças à sua estratégia e abordagem, não é uma moda e que é seguro as organizações investirem tempo neste canal.
Finalmente, registei as palavras de Luísa António que apresentou as redes sociais como o seu FMI – Ferramentas de Muita Influência.
Nas palavras de várias pessoas com que falei no final, o evento excedeu as expectativas. Espera-se agora que outros se sigam de forma a explorar alguns dos temas cujo véu foi hoje levantado.
Posto isto, gostava de deixar aqui algumas provocações / ideias que também tive oportunidade de referir durante a sessão desta manhã.
A primeira tem a ver com a própria nomenclatura: é que para mim, redes sociais são “grupos” de pessoas. Aquilo a que ultimamente se chama de redes sociais (e a que eu me tenho referido como redes sociais neste texto por uma questão de coerência com o evento) são para mim sites sociais ou plataformas de colaboração assentes em ferramentas / funcionalidades sociais.
Depois, é importante considerar que se as redes sociais (continuarei a usar aqui este termo no sentido que foi usado no evento) são vistas como uma distracção, o mesmo deverá acontecer com o email, o telefone, as conversas com colegas, e mesmo as reuniões.
Deixei as sugestões de espreitar:
- o projecto pessoal de Luis Suarez de uma vida sem emails (graças ao qual recebe agora 17 emails por semana, um decréscimo de 95% em 3 anos)
- o trabalho do Governo do Estado de São Paulo que recorre às redes sociais públicas para dinamizar a troca de experiências e a formação dos funcionários públicos
- as práticas da Zappos em torno da utilização de redes sociais pelos seus colaboradores em horário de trabalho.
Acrescento a estas ideias o convite para lerem algumas considerações sobre os riscos inerentes à utilização de redes sociais públicas com apontadores para linhas orientadoras definidas por conhecidas empresas.
A certa altura do evento, alguém referiu o facto do Sharepoint ser uma ferramenta muito “quadradona”, inflexível e tradicional. Apesar de ter algumas questões com o Sharepoint, reconheço vantagens nessa ferramenta e sei que, com alguma imaginação, é possível configurá-la de forma a conseguir alguma da flexibilidade, do informalismo e do imediatismo oferecidos pelas plataformas de colaboração mais “sociais”. Ah, e ao contrário do que como o Artur Ferreira da Silva sugeriu no seu testemunho escrito, as plataformas de colaboração não têm de ser caras – antes pelo contrário, são geralmente podem até ser muito mais baratas do que os tradicionais sistemas internos.
Finalmente, termino com o ponto talvez mais importante. Nesta discussão sobre o impacto das redes sociais na produtividade, é importante analisar a questão de acordo com o tipo de utilização a que nos estamos a referir. Estamos a falar da utilização a nível:
- individual (cidadão, colaborador, membro de família, associado, etc.)
- organizacional para o exterior (com fins de marketing, recrutamento, sondagem de mercado, open innovation, etc.)
- organizacional internamente (através de ferramentas / plataformas sociais que permitam a partilha de conhecimento, a comunicação interna, etc.).
Quanto ao último ponto, deixo aqui o convite / desafio para que participem no evento Organização 2.0 que, no dia 2 de Junho em Lisboa, irá apresentar vários casos de estudo de empresas que estão a apostar nas plataformas de colaboração / ferramentas sociais para melhorar a partilha de conhecimento, o ciclo de inovação, a comunicação interna, a colaboração transversal, etc.. Mais detalhes e inscrições em http://organizacao20.com
Deixo-vos com um vídeo muito engraçado que encontrei no fantástico blog do Luis Suarez e que diz tudo sobre se é, ou não possível, proibir a utilização de redes sociais.
Depois de ontem ter escrito e publicado este texto, recebi um alerta do Artur Ferreira da Silva referindo que eu havia retratado mal as suas palavras. Para o provar, enviou-me o texto que o Etelberto leu, em seu nome, durante a sessão de ontem.
Assim, aqui fica o meu pedido de desculpas ao Artur. O texto acima já foi emendado de acordo e, para lhe fazer toda a justiça, aqui fica o texto que ele havia redigido.
“O desenvolvimento das Redes Sociais produz fortes ganhos de produtividade e pode levar a novas áreas de crescimento que a Portugal precisa? Sim, se…Não, se… 🙂
1. Caso se esteja a pensar em “Redes sociais” cuja intenção principal é a “socialização”, como as que foram incluídas no Inquérito (Facebook, LinkedIN, Twitter, Plaxo e HI5) então elas não têm nenhuma influência positiva DIRECTA sobre a produtividade, e podem constituir uma poderosa distracção para os trabalhadores, pelo que o seu uso deve ser proibido no tempo de serviço, excepto para aquelas pessoas cujo trabalho seja divulgar a empresa nessas redes ou usá-las para obter informação para head hunting, embora possa ser aconselhado o seu uso à noite ou em fins de semana, pese embora a sua eficácia na produtividade depender muito de quem são os “amigos” de cada um.
2. Se por redes sociais, estamos a considerar produtos internos à empresa, que potenciem a gestão do conhecimento, a aprendizagem e inovação organizacionais, as comunidades de prática, etc., então eles podem e devem ser usados pelas empresas. Embora os mais potentes, sejam caros e só sejam acessíveis a grandes empresas, existem outros menos potentes, mas mais baratos, que podem (e nalguns casos estão já a) ser usados por várias empresas no sentido de se tornarem “Empresas 2.0”
2.1 Entre os primeiros, os mais potentes, combinando blogs, wikis, files, etc. numa única plataforma, bem como a possibilidade de criação de grupos que herdam todos esses utensílios são o da Telligent (de que existe aliás um add on específico para Inovação, desenvolvido pela empresa portuguesa que os representa cá (o Innovationcast da weListen) e o Jive.
2.2. Entre os segundos, há vários tipos, mais limitados: Uns, como o Ning (escolhido entre muitos outros similares) são plataformas na Web que podem ser usadas a baixo custo (veja-se um exemplo, este usado para fins educacionais com alunos dos 50 aos 73 anos, em http://universidadeseniordautl.ning.com/); outros são produtos open source, que têm de ser costumizados e correr num servidor da empresa de que, entre outros, destaco o Elgg.”
Obrigado pela correcção e pela transcrição do meu texto, Ana.
Mais duas notas:
– a observação feita pela Margarida Simões refere-se, muito provavelmente ao Ning da Universidade sénior da UTL (referido em 2.2 do meu texto) onde ela teve um papel de crucial importância;
– No seu excelente apanhado, foi pena não ter referido a observação do meu colega Mário Rui Gomes que, aparentemente, terá sugerido que a reunião se poderia ter realizado eventualmente usando a metodologia Open Space Technology. (Digo “aparentemente” pois não falei com ele e foi outro participante na reunião que me informou…) Em qualquer caso, o movimento Internacional do OST, embora continue a assentar, por razões históricas, numa lista de distribuição de mail, que existe há cerca de 20 anos, também tem um NING em http://openspaceworld.ning.com/, onde até há um grupo “Espaço Aberto”, em língua portuguesa. Esperamos lá a sua visita ou a de outros leitores desde seu blog (a cuja criação me orgulho de ter estado um bocadinho ligado – embora as ideias e o trabalho fossem todas suas, é claro).
Bom dia Ana,
Muito obrigada pela sua óptima síntese :-). Aproveito esta troca para precisar aspectos da minha intervenção que não terão ficado claros.
“Teresa Salis Gomes realçou a importância de definir regras claras de utilização das redes sociais, regras essas conhecidas por todos os colaboradores. Comentou também que,
1. numa altura de crise em que todos os olhos estão postos na administração pública para detectar provas de ineficiência e fraca produtividade,
2. tolerar a utilização de redes sociais em horário de trabalho é quase impensável para muitas organizações governamentais.
3. Isto, no entanto, diz ela, entra em conflito directo com o ambiente de transparência e abertura que se espera das instituições públicas.”
1. Diria que a própria natureza da actividade de bom número de organizações da Administração Pública as coloca sob o escrutínio permanente de vários actores da sociedade. Assim, a utilização de redes sociais no quadro de projectos específicos institucionais deve ter objectivos claros e assentar numa política de informação e comunicação. Os utilizadores devem saber como actuar em caso de “crise” e, nesse sentido, é desejável que exista um plano para a gestão de crises (não me referia, portanto, ao actual momento de crise).
2. Na minha intervenção referi ainda que há necessidade de distinguir entre utilização institucional (no quadro de um projecto ou da actividade duma organização pública) e utilização individual mesmo que no contexto laboral. Referi ainda o contexto específico das redes de apoio à aprendizagem (o caso do comunidades@ina, do INA). A opção pela utilização das redes sociais em termos institucionais ainda não se coloca como uma questão para a generalidade da Administração Pública (ressalvo a situação de entidades tais como autarquias, ensino superior e casos pontuais da Administração Central). Além disso, por questões de segurança, bom número de colaboradores da Administração Pública não tem acesso às redes. Logo, estes temas precisam primeiro de ser divulgados e discutidos na AP para que as organizações tomem posição em relação aos mesmos. Partilho as posições do Artur.
3. No contexto institucional, a questão da utilização das ferramentas da Web 2.0 está muito associada e centrada ainda na concretização duma administração 2.0, conceito que tem vindo a ser particularmente discutido e trabalho pelos habituais “motores” nestas áreas (países anglo-saxónicos, com destaque para EUA, UK e Austrália). Em causa (e sucintamente) está a utilização destas ferramentas para ajudar a concretizar um modelo de relacionamento entre o Estado e os cidadãos, assente numa maior participação destes no ciclo das políticas públicas. Essa participação só é viável se houver acesso livre à informação pública, se esta for transparente. Se no plano dos princípios, este ideário parece desejável, na prática, a cultura dominante nas organizações públicas não facilita a sua adopção (em Portugal e, de um modo geral, no resto dos países – o Obama está a ter muitos problemas com isto e a ser apontado por não estar a fazer o suficiente/prometido nesse sentido – o Congresso está aliás a cortar muitas verbas que suportam projectos com esta finalidade). Existe, pois, um conflito entre aquilo que se considera desejável e aquilo que os colaboradores das administrações públicas /o sistema estão preparados para pôr em prática.
Um abraço.
Teresa
Teresa,
Muito obrigada pelos seus comentários e esclarecimentos.
Partilho de muito do que diz. Na verdade as coisas estão longe de ser aquilo que gostávamos que fossem e a cultura que domina (n)as organizações da administração pública é ainda um forte entrave à entrada de algumas ferramentas e mesmo de algumas práticas de gestão (de conhecimento, por exemplo) que passam por uma maior abertura e transparência algo que, como diz, seria de esperar na AP mas que se revela extremamente difícil.
Estaremos cá nós para ajudar a que isto mude 🙂