Eu sou as minhas redes

De vez em quando lemos algo que nos leva a pensar e a questionar o que pensávamos ser verdade. Da mesma forma, há alturas em que lemos algo que nos leva a pensar “finalmente alguém conseguiu pôr em palavras o que pensávamos mas não conseguíamos exprimir”.

Too Big to Know de David Weinberger

Too Big to Know de David Weinberger

O texto de Jeff Jarvis sobre o recente livro “Too Big To Know” de David Weinberger conseguiu ambas as reações. O texto está tão bem escrito que só posso recomendar a sua leitura. No entanto, gostaria de usar o texto como ponto de partida para partilhar algo que se passou comigo há 14 anos.

Eu fiz a minha licenciatura em Engenharia Informática na Universidade de Coimbra. O meu projeto final levou-me a uma investigação nas áreas de psicologia e aprendizagem. Daí parti para a investigação em aprendizagem organizacional, comportamento de grupos, atividades de aprendizagem, etc.. Isto levou-me até à gestão de conhecimento e tem ditado os últimos anos da minha vida profissional.

Depois de apresentar o meu relatório final, partilhei-o com amigos chegados e professores que haviam contribuído grandemente para o meu percurso de aprendizagem. Um deles, o Artur Ferreira da Silva, leu o relatório e partilhou a sua opinião comigo. Das várias coisas que ele deve ter dito a única de que me recordo foi que havia cometido um enorme pecado (académico) ao não incluir nenhum artigo do meu orientador na lista de referências bibliográficas.

Ainda me lembro de como me senti nessa altura. Sabia perfeitamente porque não havia incluído artigos seus na lista mas não tinha comunicado a razão nem sabia como a transmitir de forma clara. As palavras de Weinberger tornaram-no agora bem mais fácil.

Durante seis meses trabalhei orientada pela visão inicial do meu orientador, Professor António Dias de Figueiredo. Orientou-me; deu-me pistas; ouviu as minhas ideias e teorias; respeitou-as; enriqueceu-as com a profundidade da sua experiência e a largura da sua visão. Sem ele o meu trabalho não teria sido o mesmo. As ideias, as teorias, os conceitos, apenas surgiram pelas interações que tivémos. E pelas interações que tive com colegas, a minha família, outros professores.

Não incluir nenhum dos seus trabalhos na lista de referências foi visto como uma falta de respeito. Para mim incluír qualquer trabalho dele teria sido A falta de respeito. Para ele e para os outros.

Como se pode reduzir a influência de alguém a uma linha na página de referências? E se eu incluísse um ou mais dos seus artigos para mostrar respeito académico, não seria isso injusto para todos aqueles que também me influenciaram mas que nunca escreveram um artigo?

Usei a página de referências para listar os trabalhos dos quais extraí citações para o relatório. Só isso. Foi injusto não listar quem inspirou e informou o meu trabalho? Mais injusto seria não os listar a todos. E isso eu não poderia ter feito: porque foram muitos, e porque a influência de alguns só se percebe muito mais tarde.

O conhecimento, as minhas referências, eram as redes de que fazia parte. A família, a Universidade, etc.. Eu sou as minhas redes. O meu conhecimento evolui para elas, por causa delas e com elas.

Eu não fui capaz de o explicar na altura. Espero ter conseguido fazê-lo agora.

2 comments

  1. António Dias de Figueiredo 19 Janeiro, 2012 at 16:45 Responder

    Olá Ana!

    Confesso que não penso como o Artur quanto à citação dos orientadores. Pelo contrário! Uma preocupação que tenho na construção das relações com os orientandos é fazê-los sentir que espero que não pensem como eu e que evitem o conforto de acreditarem que têm alguém a pensar por eles. Perco, assim, seguidores, mas ganho interlocutores que, pela sua independência e diferença, enriquecem muito a minha rede intelectual.

    A propósito de cada um de nós ser uma rede, mando-lhe parte do texto que escrevi há anos para a homenagem a um amigo já falecido: “Num quadro de reflexão que uso há muito, nenhum ente – humano, material, simbólico, imaginado – existe por si. Existe, sim, pela rede de relacionamentos que o acompanha e da qual faz parte. A ideia já vem, pelo menos, da Escola de Palo Alto, com Gregory Bateson. Cristopher Alexander, original teorizador da Arquitectura, pegou-lhe pela via da harmonia, em The Timeless Way of Building. Uma janela, por exemplo, não é, por si só, bonita ou feia. Por si só, não é nada. Uma janela que, num catálogo de janelas, se afigura bonita poderá, afinal, ser feia se combinada com uma fachada com que não condiz, com um ângulo de parede que não a favorece ou com uma orientação de luz que não aproveita. Uma janela é bonita quando se integra com harmonia na realidade que a circunda e que, graças a ela, fica também mais bonita. O mesmo acontece com as pessoas. Eu, por exemplo, só sou eu pela rede em que me inscrevo – e que reconstruo e me reconstrói em permanência. Os meus amigos, os meus inimigos, os meus alunos, os meus colegas, o meu trabalho, os objectos com que me relaciono, os meus sonhos, os meus receios, tudo isso faz parte da minha rede.”

    • Ana Neves 19 Janeiro, 2012 at 16:49 Responder

      Fico contente por, pelo menos do seu lado, não ter sido vista como pecadora 😉
      E fico encantada com as suas palavras que tanto eco têm em mim.

      Um abraço com carinho, respeito e admiração.

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