Projetos financiados: o que realmente importa

Há quase três semanas atrás publiquei no blog do iGovSP – Rede Paulista de Inovação em Governo um texto sobre “Avaliação e parcerias em projetos financiados“. Esse texto tem tido alguma repercussão (especialmente no Facebook), o que me leva a crer que é um tema de interesse alargado.

Juntando a isso, uma conversa em que participei durante o XII Fórum da Arrábida da APDSI voltou-me a alertar para o facto de que ainda há um longo caminho a percorrer até que consigamos mudar a mentalidade das organizações e conseguir métricas relevantes – de impacto – para projetos realizados.

Permitam-me assim neste post agregar alguns pontos principais recolhidos do meu post original no iGovSP, dos comentários partilhados no Facebook sobre esse mesmo post e da conversa da semana passada na Arrábida.

Do meu texto no iGovSP:

“A grande questão aqui é que, muitas vezes, os avaliadores [de candidaturas a financiamento] não têm conhecimento suficiente para fazerem uma avaliação sobre os impactos (são realistas?, fazem sentido?, são importantes?) e refugiam-se na avaliação dos aspetos mais conhecidos da concretização do projeto propriamente dito.”

“Relacionado com este ponto, também Audrey Frith lançou a provocação: se é tão difícil gerir estas parcerias transnacionais, porque continuamos a apostar nesta tipologia de projetos e não apostamos em projetos a nível local?”

“O que interessa fazer pilotos em 10 países se nenhum desses pilotos dá frutos? O que interessa investir em parcerias transnacionais para garantir uma maior abrangência geográfica se (alguns) parceiros depois não se empenham em produzir resultados efetivos? Não será mais válido ter uma aldeia que adotou um prática e reduziu o despovoamento do que ter dez aldeias, em vários países, que entraram em pilotos que não deram em nada (por qualquer que tenha sido a razão)?”

Alguns dos comentários no Facebook (aqui e aqui):

  • Ricardo Saldanha: “de fato, vemos essas regras se transformarem em uma burocracia que se perpetua. É preciso repensar esses modelos.”
  • Álvaro Gregório: “Recursos existem, mas é tanta a burocracia que aqueles que de fato inovam, desistem. Daí abrem-se os espaços para os que tem tempo e paciência, mas não talento; e captam recursos para estudar o ronco do boi, como nos disse o Marcos Cavalcanti no inovaDay
  • Artur Silva: “Reflexões muito oportunas e importantes. Todos os projectos europeus deveriam ser repensados nessa base. Mas alguém irá prestar atenção?”
  • Projeto GREAT: “O GREAT e a GREAT LX ficam muito animados quando recebem uma reflexão produzida sobre si. Neste caso pode-se afirmar que o projecto tem procurado influenciar, muito para além da sua missão, as politicas europeias e, não é por acaso que o seu coordenador aparece em alguns palcos (sem privilégios nem bicos de pé!). Na segunda feira no debate realizado no PE em que interveio a comissária europeia da E&T, promovido pela Euranet e em que participei, algumas das preocupações asinaladas pela Ana neste seu post, são também as nossas (redes europeias do conhecimento) e (parece…) vão ser consideradas no próximo Erasmus + (ouvindo, está gravado para quem quiser)”

No evento anual da APDSI onde participei este ano pela segunda vez, a certa altura debatíamos o facto de que Portugal tem uma das maiores taxas europeias de penetração da rede móvel mas que do ponto de vista de utilização dessa infra-estrutura Portugal está muito cá para baixo na tabela. O que isto significa é que se investiu fortemente na criação de infra-estrutura (hardware) mas que não há um número proporcional de pessoas a tirarem partido desse investimento.

As razões podem ser diversas. Aposto num misto de falta de conteúdo (de qualidade) e numa falta de hábitos (que provavelmente se alterariam mais rapidamente, caso se colmatasse a primeira falha). Já aqui falei da questão do conteúdo (curiosamente, numa das vezes, na sequência do último Fórum da Arrábida da APDSI). Hoje porém, gostaria de questionar a importância de haver muitas pessoas a utilizar a infra-estrutura.

Pegando num dos parágrafos que transcrevi acima e fazendo um paralelo, o que interessa ter 10000 pessoas a usar a infra-estrutura móvel e a aceder aos conteúdos se nenhuma delas utilizar esse conteúdo com consequência? Não será mais válido ter uma pessoa que acede e utiliza o conteúdo de forma eficaz do que ter 10000 pessoas a aceder o conteúdo e a não fazer nada com ele?

Questiono a necessidade da infra-estrutura? Não. Questiono a necessidade de conteúdo de qualidade? NÃO. Questiono a necessidade de “medir” a infra-estrutura e o número de pessoas que a utilizam? NÃO. O que ponho em causa é a sobre-valorização desses pontos em detrimento da avaliação do impacto alcançado através da utilização dessa infra-estrutura.

Eu sei que é difícil. Eu sei. Mas, neste momento, nem peço que façamos essa avaliação. Já seria um passo na direção certa se as organizações ao comunicar referissem essa vontade, refletindo que têm os olhos postos no impacto do que fazem e não apenas na (bonita) fotografia em que querem aparecer.

Seria interessante que, por exemplo, e voltando a pegar na questão dos projetos financiados, as candidaturas convidassem os “concorrentes” a refletir não só sobre o número esperado de pessoas “impactadas” (leia-se, “número de pessoas que participaram em eventos ou que ouviram do projeto na rádio”) mas também sobre o número realista de pessoas que poderão vir a mudar a sua atitude por causa do projeto. Como digo, já seria um primeiro passo, não?

2 comments

  1. Etelberto 14 Outubro, 2013 at 17:27 Responder

    Vamos lá, então a mais uma achega. Um dos pontos que as parcerias e as redes contestam (e em força de lobbying junto a Bruxelas) para o próximo Quadro 2013-2020 é precisamente investir na avaliação dos resultados e dos efeitos e minimizar a avaliação centrada no processo (que se tem perdido e gasto na burocracia).

    Estão anunciados passos nesse sentido. Valeu a pena? Julgo que o que aí vem é ainda muito insuficiente (por exemplo: atribuir um custo fico em vez de reeembolso de faturas ou ainda outra que é considerar o trabalho voluntário como contando para o bolo de horas contribuidas). Mas, depois é também preciso acautelar quem faz (e como) essa avaliação de impacto. Pouco se reflecte sobre o que Jay Cross anda a dizer sobre este assunto desde 2006 (avaliar as interações é mais importante que avaliar o ROI) e pequenos sábios podem começar e acabar o seu dispositivo de avaliação reeditando as fraquezas do modelo de Kirkpatrick. E, há, “quand même” muito boas práticas e exemplos em Portugal: vidé os projetos financiados pelo Plano de Comunicação do Ciejd atuando como organismo intermediário da Repcom. Mas, batemos mais fundo quando uma “parede inamovível”-(onde ouvi isto, caramba!) nos informa que o projeto termina na data em que o financiamento fecha, inibindo: que haja avaliação de impacto (“as simple as that”) e que os projetos que têm sucesso (porque os há e muitos, por essa Europa fora) não sejam premiados (e financiados) para passar à fase de exploração e colocação no mercado.

  2. Ana Neves 14 Outubro, 2013 at 18:08 Responder

    Poderia ser interessante pensar se as ferramentas sociais poderiam ser usadas para implementar uma abordagem que permitisse uma avaliação de impactos mais transparente e relevante de acordo com os projetos… Quem sabe é uma ideia que possa vir a ser proposta na Plataforma Cidadania 2.0

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