Há muitas maneiras de ser inteligente

As redes sociais são como o mar: ora calmas ora agitadas; com ondas grandes e pequenas, que enrolam na areia revelando os seus tesouros. Por vezes são algas ou, infelizmente, lixo; por vezes, bonitas conchinhas brilhantes ao sol.

Ora, foi uma dessas conchinhas brilhantes que as redes sociais trouxeram até a mim a semana passada. Gostaria de agora pegar nela e usá-la como desculpa para umas breves linhas sobre educação.

No final do ano escolar, junto com as notas finais de cada aluno, a Escola Primária de Barrowford, em Inglaterra, enviou uma carta que tem dado muito que falar, tendo sido notícia em canais tão diversos como a BBC, The Sidney Morning Herald, ou o Business Insider.

Carta enviada aos alunos da Escola Primária de Barrowford

Carta enviada aos alunos da Escola Primária de Barrowford (Inglaterra) no final do ano letivo

Nesta carta pode ler-se qualquer coisa como:

“Por favor encontrem em anexo os resultados dos vossos testes[…]. Estamos muito orgulhosos por terem demonstrado um grande empenho e terem dado o vosso melhor durante esta semana complicada.

Porém, estamos preocupados que estes testes nem sempre avaliem aquilo que torna cada um de vós especial e único. As pessoas que criaram estes testes e os avaliam não vos conhecem […] Não sabem quantos de vós falam duas línguas. Não sabem que conseguem tocar um instrumento musical ou dançar ou pintar. Não sabem que os vossos amigos contam convosco para os ajudar quando precisam ou que o vosso sorriso consegue alegrar o pior dos dias. Não sabem que escrevem poesia e canções, praticam desporto, imaginam o futuro, ou que às vezes tomam conta dos vossos irmãos mais novos depois da escola. […] Não sabem que vocês são de confiança, gentis e atenciosos, e que tentam, a cada dia, dar o vosso melhor… as vossas notas dirão alguma coisa, mas não dizem tudo.

Por isso, alegrem-se com os resultados e orgulhem-se deles mas lembrem-se que há muitas maneiras de ser inteligente.”

Esta carta, pelo que se percebeu depois da grande atenção recebida nas redes sociais, foi grandemente inspirada numa redigida por uma outra professora nos Estados Unidos. No entanto, isso não lhe retira qualquer mérito.

Não sei, claro está, se esta mensagem é um reflexo das práticas e da postura da escola no dia-a-dia com alunos e professores. No entanto, gosto de acreditar que sim, e fico contente por existir, pelo menos nalguns locais, esta visão tão mais sensata e ponderada do sistema de ensino.

As notas são, como se diz, importantes. São elas que vão abrindo as portas para melhores escolas, para a Universidade, para melhores empregos. Mas as notas deveriam ser importantes enquanto indicador de quanto um aluno aprendeu e não de quão bem o aluno reage sob pressão. Até porque essa pressão não é só a pressão do relógio: é a pressão das escolas que querem aparecer bonitinhas na fotografia, dos pais que se querem destacar pelos resultados dos filhos, de um mercado de trabalho cada vez mais concorrido.

Para além disso, os testes, espelhos da abordagem segmentada como se ensina, testam a capacidade que os alunos têm para aprender uma matéria e muito raramente a capacidade que têm para relacionar matérias, aplicando-as a situações da vida real.

Escola vs Vida real

A diferença entre a Escola e a vida real (mais uma conchinha brilhante que chegou via redes sociais)

Não sei bem como ter testes sem pressão, nem sei muito bem se seria viável não haver testes. No entanto, o que eu sei, é que as más e as boas notas deixam marcas na personalidade das crianças. Mesmo depois de crescerem.

As crianças com piores notas, ficam muitas vezes com a sua auto-confiança abatida, conduzindo-as numa espiral de maus resultados. E muitas vezes precisam mesmo de ouvir que, as notas são importantes mas que há outras formas de ser inteligente e de que a sociedade não sobrevive só com doutores e juízes.

Por outro lado, as crianças com boas notas nos testes, sentem-se super-espertas, muito superiores. Esquecem-se que da mesma forma que há muitas maneiras de ser inteligente, há muitas formas de ser estúpido.

E é por isto que atitudes como as desta escola inglesa são tão, tão importantes. E não custam dinheiro 😉

Tagsensino

3 comments

  1. João Eduardo 25 Julho, 2014 at 11:42 Responder

    A inteligência é algo de modo algum, palpável.

    O raciocionio, por sua vez, é capaz de ser contabilizado, mas para isso é necessário ter um alvo certo.

    Já agora, a matemática romana, está errada, quer dizer não é nada natural.

  2. Gloria Carvalhais 2 Agosto, 2014 at 07:11 Responder

    Muito bom o artigo. Esta deveria ser a essência da educação do ser humano. É urgente mudar as práticas. Aqui fica um excelente exemplo.

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