A semana passada assisti à IV Conferência de Planeamento Regional e Urbano que se realizou na bonita cidade de Aveiro.
Nunca tinha estado num evento focado nesta temática e há muitos anos que não estava num evento com um caráter tão académico. Esta combinação de “novidades” ligou uma série de interruptores na minha cabeça e revelou uma série de pontos para reflexão: desde a avaliação de impacto aos problemas perversos, passando pela mudança cultural e a dualidade de funções de métodos. São esses que me proponho partilhar aqui.
Avaliação de impacto
Logo na sessão de abertura, Eduardo Castro, diretor do GOVCOPP, disse que a participação pública está na agenda pública mas que falta uma avaliação adequada do impacto. O GOVCOPP, a Unidade de Investição em Governança, Competitividade e Políticas Públicas da Universidade de Aveiro, pretende entender as melhores formas de participação pública, medir resultados, e procurar relações entre as formas de participação e os resultados que geram.
“Se fazer participação é bom, fazer participação com qualidade é muito melhor.” Eduardo Castro
O segundo dia da Conferência arrancou com uma apresentação de João Ferrão, da Universidade de Lisboa, que referiu justamente a falta de atenção que tem sido dedicada à avaliação da participação pública no planeamento urbano. Referiu ainda que algumas das metodologias de avaliação podem, elas próprias, ser participativas.
Parece que, tal como na gestão de conhecimento, também na participação pública tem sido parca a avaliação do impacto.
Se, por um lado, acredito que possa ser difícil avaliar o impacto (porque pode ser demorado, dispendioso, subjetivo, etc.), por outro lado, penso que a avaliação não é considerada da forma séria como devia.
Em alguns casos é pensada depois da iniciativa estar a decorrer ou até concluída o que dificulta a criação de mecanismos de avaliação e põe em causa a imparcialidade dos resultados. Noutros casos, a avaliação não interessa porque a participação pública foi movida para cumprir calendário e ficar bem na fotografia política. Noutros casos ainda, o orçamento disponível para a iniciativa é gasto nas fases iniciais e de implementação e não sobra para a avaliação de impacto.
“A participação não é um fim em si mesmo” Jan Wolf, Universidade de Aveiro
Mudar a cultura e aumentar a participação
Uma das apresentações a que tive o prazer de assistir foi a do projeto “Casa Fora de Casa” realizado na cidade de Goiânia no Brasil. O projeto foi promovido pelo estúdio Sobreurbana.
“O Casa Fora de Casa é um projeto de urbanismo tático porque busca, através de soluções criativas e de um processo participativo atuar sobre os espaços públicos da cidade, historicamente precarizados, no sentido de incentivar que a população se sinta responsável por eles”. É assim que a urbanista e arquiteta Carol Farias (na foto) descreve o projeto.
A primeira edição deste projeto trabalhou quatro espaços públicos com características bastante diferentes. Para cada espaço foram criados dois “momentos”.
Um primeiro momento de reconhecimento, onde a população foi convidada a visitar o espaço, a familiarizar-se com a sua existência e características e a procurar oportunidades de dele tirar mais partido.
Num segundo momento, a população foi incentivada a arregaçar as mangas e a intervir no espaço, concretizando as suas ideias e, consequentemente, ficando comprometidos com o futuro daquelas áreas.
A Maria João Gomes apresentou de seguida algum do levantamento que tem feito com Luís Manata e Madalena Corte-Real sobre modelos de “ativação urbana enquanto estratégia geradora de cidade”.
Um dos exemplos que apresentou foi o projeto fotográfico de Camilla Watson que tanto fez pelo bairro lisboeta da Mouraria. Camilla Watson, fotógrafo inglesa a viver em Lisboa desde 2007, concentra-se “em projetos em colaboração com a comunidade” onde o seu trabalho fotográfico é exibido em espaços exteriores ligados às pessoas que fotografa ou à história local.
Na Mouraria conversou com os habitantes do bairro e fotografou-os no seu espaço quotidiano. Conversou com cada uma das pessoas fotografadas e com elas decidiu quais as fotos a exibir. Aplicou depois a sua técnica e imprimiu as fotos escolhidas nas paredes das casas da Mouraria.

Foto de Camilla Watson nas paredes da Mouraria (foto do site de Camilla Watson)
Neste bairro degradado as fotos mantém-se há anos e, expostas no exterior, trouxeram até si visitantes curiosos e habitantes orgulhosos que saem para a rua apontando-se nas paredes e falando dos seus amigos lá impressos.
O “Casa Fora de Casa” e o projeto fotográfico de Camilla Watson na Mouraria são completamente diferentes mas têm dois objetivos comuns: entusiasmar as pessoas pelo espaço público que as rodeia e transformar a cultura da zona.
Até que ponto seriam possíveis abordagens semelhantes no contexto organizacional para mudar a atitude das pessoas para com uma intranet ou uma plataforma interna de colaboração? Até que ponto faz sentido conceber momentos iniciais de “visita” à intranet e outros, posteriores, de (re)criação de processos de trabalho nesse novo espaço? Que “fotos” devem ser tiradas e exibidas nas “paredes” da plataforma de colaboração para que as pessoas se orgulhem e nela queiram investir?
Instrumento e objetivo
Grazia Concilio, do Politecnico di Milano, apresentou num painel sobre “Community Participation in Planning”. Durante a sua entusiástica intervenção referiu no papel dual que pode ter a participação: tanto como processo para recolha de ideias e informação, como também enquanto objetivo em si mesmo.
“Participation is a technique to gather information and ideas but participation can also be an end product of the process.” Grazia Concilio
Fez-me pensar na análise de redes sociais e nas narrativas e na forma como podem ter papéis tão distintos no âmbito da gestão de conhecimento.
A análise de redes sociais pode ser usada para sentir o pulso a um conjunto de pessoas numa organização, por exemplo. Permite-nos perceber como as pessoas se relacionam, identificar áreas pouco conetadas, pessoas-chave para o fluxo de informação e conhecimento, etc. Mas a análise de redes sociais pode também ser usada como instrumento de avaliação, como forma de aferir se as iniciativas realizadas serviram para aumentar a comunicação e a colaboração entre áreas e pessoas.
De igual forma, as narrativas podem ser usadas como instrumento para ouvir a voz da organização, detetar valores partilhados, comportamentos característicos, etc. Mas a mudança das narrativas organizacionais pode ser o objetivo final de uma intervenção e de uma iniciativa.
Problemas perversos
Alessandro Balducci, do Politecnico di Milano, falou de problemas perversos, do inglês wicked problems. É um conceito que Horst Rittel e Melvin M. Webber descreveram em detalhe num documento de 1973.
Nesse documento identificam as 10 características dos problemas perversos, características essas que Balducci sublinhou e comentou na sua intervenção.
- There is no definitive formulation of a wicked problem.
- Wicked problems have no stopping rule.
- Solutions to wicked problems are not true-or-false, but good or bad.
- There is no immediate and no ultimate test of a solution to a wicked problem.
- Every solution to a wicked problem is a “one-shot operation”; because there is no opportunity to learn by trial and error, every attempt counts significantly.
- Wicked problems do not have an enumerable (or an exhaustively describable) set of potential solutions, nor is there a well-described set of permissible operations that may be incorporated into the plan.
- Every wicked problem is essentially unique.
- Every wicked problem can be considered to be a symptom of another problem.
- The existence of a discrepancy representing a wicked problem can be explained in numerous ways. The choice of explanation determines the nature of the problem’s resolution.
- The social planner has no right to be wrong (i.e., planners are liable for the consequences of the actions they generate).
Fiquei a pensar que muitos dos problemas que observo nas organizações são problemas perversos. Ao trabalhar com a cultura das organizações – sim, porque gestão de conhecimento é em grande, grande parte uma questão de cultura organizacional – deparo-me com esta realidade.
A quinta característica apontada – a de a solução para um problema perverso ser uma tentativa única – é algo que me diz muito. Não vou ao ponto de dizer que é única porque é possível tentar novamente e tentar diferente. Contudo, a parte do “every attempt counts significantly” é verdade.
Lembro-me de como demorei quase 12 meses para convencer as pessoas da Abbey National, uma grande empresa inglesa onde trabalhei, que o programa de mudança cultural que estávamos a realizar não era “mais um” para falhar como os 5 ou 6 anteriores. Ou de como, na NHS Modernisation Agency nos foi impossível recuperar o entusiasmo e a confiança das pessoas num novo sistema informático (tipo páginas amarelas corporativas) depois de um “lançamento” da ferramenta quase despida de informação.
A proposta de Balducci é que os problemas perversos são problemas com grande ambiguidade política e com grande incerteza técnica (ver modelo de Karen S. Christensen num artigo de 1985). Como tal, a melhor abordagem será criar uma zona de negociação (trading zone).
E nessa zona de negociação é fundamental cuidar a linguagem. Tal como Peter Galison disse em 1997 “technical and scientific innovation happens when people from very different fields come together and have to simplify their language in order for everyone to understands“.
O que poderá ser a zona de negociação num programa de mudança cultura ou numa iniciativa que requeira uma mudança de comportamentos e valores?
Como disse no início, não proponho respostas mas lanço questões e pontos para reflexão. Afinal de contas, foi esse o grande benefício que retirei da minha participação nesta Conferência. E é este mesmo benefício que queria partilhar ainda que consciente de que quaisquer outros pares de olhos e ouvidos retirariam outros destaques e pontos de reflexão.