De vez em quando, há algo que nos abana, que nos baralha o pensamento, que nos faz a olhar as coisas de forma diferente, e que desencadeia uma série de questões e ideias.
No último mês tive um desses “de vez em quandos”. Começou no dia 10 de setembro, o primeiro dia do Story The Future Online Summit. Tratou-se de um evento online que consistiu numa série de mais de setenta entrevistas realizadas por Mary Alice Arthur, David Drake e David Hutchens (a quem tiro o chapéu pela brilhante iniciativa e concretização).
O que se segue é um sumário das perspetivas e conceitos que mais me despertaram ao mesmo tempo que os tento agrupar e encadear. Espero que o resultado seja de valor para pelo menos mais uma pessoa.
Histórias
“Stories is what we are made of.” Ashley Ramsden
Doug Lipman acredita que as histórias não são criadas: “You grow stories”, disse ele. Esta ideia das histórias como coisas vivas está muito alinhada com o sentimento de David Drake de se dar à luz uma história, de que as histórias nascem.
Por outro lado, Ella Saltmarshe olha para as histórias, não como seres vivos, mas como o solo de onde tudo nasce. “Story is the operating system”, também diz Ella.
Harris III é mágico e diz que a magia é a forma como ele conta histórias. Acredita que as histórias, tal como a magia, tem a ver com o encanto. Para Cynthia Kurtz, uma boa história é simultaneamente surpreendente e completamente familiar.
Ashley Ramsden diz que as histórias, ao contrário do teatro, são portáteis, flexíveis e existem para a vida toda.
“Stories are lies. They are constructions in language and feeding in imagination.” Paul Costello
Dave Snowden distingue histórias e anecdotes: as histórias são ensaiadas; as anecdotes são algo que se diz, sem preparação, com base na própria experiência.
Storytelling
“If you’ve got experience, you know how to tell stories” Cynthia Kurtz
Michael D McCarthy, Kevin Cordi e alguns outros repetiram que storytelling consiste na dinâmica entre quem conta a história, quem ouve a história e a história propriamente dita.
Noa Baum frisou o papel do ouvinte dizendo que se ele não estiver connosco, numa relação com a história, então não há história: apenas palavras ocas. Para Noa, a história é criada na mente de quem a ouve e o contador é apenas o veículo, o instigador desse ato criativo. Em resumo, e como disse Mary Alice Arthur, “there can’t be a story without listening”.
Para Kevin Cordi, as personagens e o problema são mais importantes que o enredo. Ele até cita Jerome S. Bruner dizendo que “trouble is the engine of narrative“. Por outro lado, Michael Margolis sente que nunca se deve começar uma história de futuro pelos problemas do presente.
Karen Dietz destacou do quão importante é a “entrega”, o ato de contar a história.
Doug Lipman disse que “A story is not a thing: it’s a process of communication”. Isso significa que é importante ajustar o grau de concretude de uma história de forma a estimular a imaginação das pessoas porque é assim que se consegue que elas façam algo.
“Storytellers are powerful because they are architects of culture.” Harris III
Cynthia Kurtz pensa que a capacidade de contar histórias é um tipo de inteligência complementar.
Paul Costello sente que, quando se trabalha com narrativas, há um imperativo moral: devemos usá-las para dar voz àqueles cujas vozes tendem a ser ignoradas ou silenciadas.
Num presente tão dominado pelos avanços tecnológicos, Hanson Hosein vê os profissionais da comunicação e os contadores de histórias como os advogados da Humanidade.
Também para Hanson Hosein, Mary Alice Arthur e outros, fazer boas perguntas é chave para um bom contador de histórias.
Paul Costello defende que todos têm uma história, têm o direito de a contar, têm o direito de a contar quando e como quiserem, e que esse direito se impõe ao direito que outros possam ter de contar a história por eles (a não ser que parte de um processo mediado de comum acordo).
Peggy Holman descreveu os jornalistas como “social storytellers” porque “they care about telling stories that make a difference for the public good“.
Para Ashley Ramsden, contar histórias tem a ver com respeitar o mundo invisível, sendo os contadores de histórias aqueles que ligam os dois mundos.
Identidade
“Story is everything. Without story we don’t have identity. Story if the essence of being human.” Eve Pearlman
“The stories I tell are mirrors to me.” Ashley Ramsden
“I am not a story; I’m the relationship to a story.” Chené Swart
“We story our lives into meaning. We don’t have stories about the meaning of our lives.” Paul Costello
Tempo e espaço
A ausência de tempo e espaço foi referida por alguns dos entrevistas, como Kelvy Bird e Amy Lenzo. Amy Lenzo sugeriu que os entrevistadores online devem criar um recipiente em que não se sinta o tempo nem o espaço para que as pessoas se sintam bem a ouvir as outras. “How do we create sacred space in the cyber space?”, asked Amy Lenzo.
Hanson Hosein também falou em espaço sagrado, dizendo que, por causa dos avanços tecnológicos, estamos a perder o nosso espaço (físico) sagrado e seguro.
Direcionalidade
Michael Margolis e Paul Costello falaram de direcionalidade. Michael, inclusive, citou Paul Costello dizendo que “story is a location device” e acrescentou que uma história é também um dispositivo de transformação.
Durante a sua entrevista, Paul Costello falou da prática de mapas narrativos porque acredita que as histórias têm um princípio, um meio e um fim, e que se movem de formas previsíveis. Ele está interessante em descobrir formas de representar isso para que as pessoas possam encontrar o seu lugar e ver onde está o movimento.
Juntos
“We hold each other in existence, and stories are part of that.” Ashley Ramsden
Aaron Foley e Alex Evans falaram de histórias como uma forma de aproximar as pessoas ao chamar a atenção para os diferentes pontos de vista. Ella Saltmarshe disse ainda que isto faz com que as pessoas sejam capazes de fazer acontecer apesar das diferenças. Continou dizendo que as as histórias dão coerência às nossas diferenças coletivas, temos de ponderar quanta coerência precisamos. “What is the minimum viable story?”, questiona ela.
Kevin Cordi descreveu histórias como arte cocriada.
A ideia de uma construção coletiva também foi destacada por Shane Meeker que falou da construção de inteligência coletiva através das histórias.
Consciência
A consciência foi um tópico que surgiu em muitas das entrevistas. Foi especialmente proeminente nas de Wendy Morris e Amy Lenzo. Por exemplo, esta última disse que quando pensa em ativismo, pensa em trazer consciência para o nosso dia-a-dia.
Para Mary Alice Arthur, que se descreve como story activist, ativismo carrega um sentido semelhante de consciência. Para ela, a ideia de ativismo vem de ativar: “What am I choosing to activate because I’m paying attention to it?”.
Alguns entrevistados referiram as histórias como uma forma de catarse. Victoria Ward saliente que ao contar histórias nunca nos livramos do passado mas reajustamos a nossa relação com ele.
Change
“Storytelling is about incentivising behaviour; how we inspire people to think or do something differently.” Hanson Hosein
Hanson Hosein tem interesse em entender quais as novas formas de criação de comunidade que conduzem a mudança positiva. Sente que as histórias podem servir de infraestrutura para estas novas formas de criação.
O trabalho de Paul Costello tem grandes influências no de Michael White. Um dos princípios na base do seu trabalho é que as pessoas estão presas em histórias. Por isso, é importante encontrar formas de as tirar dessas histórias e criar um novo sentimento de possibilidade.
“Are the stories we’re telling today and being influenced by today junk food stories or healthy food stories?” Karen Dietz
“Difference is not positive nor negative: it just is. But the stories we tell ourselves about that difference is everything because stories about difference shape our perception and our behaviour.” Wendy Morris
Sensemaking
“Words are how we think; stories are how we link”. Christina Baldwin
“Stories tie everything together” Shane Meeker
“We figure stuff out by chaining our stories together.” Cynthia Kurtz
Christina Baldwin, Dave Hutchens, Cynthia Kurtz e Dave Snowden falaram do papel das histórias na criação de significado, no estabelecimento de ligações e no sensemaking (algo que Dave Snowden descreve como fazer sentido do mundo para que se possa agir nele).
Para que isto aconteça, Christina Baldwin defende que é chave procurar e reter o contexto de uma história. Sobre o tópico do contexto, Dave Snowden disse enfaticamente que os modelos mentais não existem. Hoje sabemos muito mais do que sabíamos quando este conceito surgiu e se disseminou graças ao trabalho de Peter Senge. Dave Snowden disse que o nosso mindset e a forma como tomamos decisões depende muito do nosso contexto. E esse varia imenso.
Tanto Dave Snowden e Wendy Morris procuram padrões em conjuntos de histórias como forma de criar entendimento.
Aprendizagem
Cynthia Kurtz falou das histórias como forma de aprender e transferir conhecimento.
Dave Snowden sugeriu que colecionar e analisar histórias de piores práticas suggested (em vez de boas práticas) trará mais oportunidades de aprendizagem.
Histórias versus Factos
Victoria Ward mencionou que as histórias são vistas como algo menor devido à sua linguagem simples.
Shawn Callahan disse que as pessoas tendem a pensar que partilhar uma opinião mostra mais autoridade do que contar uma história que ilustre e justifique essa opinião. No entanto, como apontou Alex Evans, tanto as últimas eleições americanas como o referendo do Brexit foram ganhos pelos lados que contaram histórias e não por quem apresentou factos.
Eve Pearlman partilha uma perspetiva diferente, defendendo o poder dos dados e a eliminação das narrativas para que se possa trazer objetividade a conversações difíceis onde há muitas ideias preconcebidas.
O poder das histórias
“The power of the word ‘story’ is revealed as a verb and not a noun.” Michael Margolis
Peggy Holman frisou o poder do storytelling generativo ou construtivo. Quando contamos uma história que revela possibilidades e oferece uma perspetiva mais rica do que se está a passar (refletindo múltiplos pontos de vista), inspiramos o diálogo.
Isto é ainda mais importante porque as histórias também podem ter um papel destrutivo. Paul Costello nem quer pensar nos momentos em que teremos de conversar sobre “how to disarm stories which are going to kill us“.
“The power of a good story is that it implicates me.” Paul Costello
O presente
“Everything in this world is conspiring against wonder.” Harris III
No que diz respeito ao social media que tanto marca a atualidade, Victoria Wards sente que atualmente há uma crise de significado que traz consigo a necessidade de encontrar e analisar as histórias escondidas.
Hanson Hosein disse que o social media nos força a estar continuamente a produzir coisas para fora e nos deixa pouco tempo para absorver coisas.
Alex Evans nota que faltam mitos à sociedade porque estas “big stories collectively shared” nos deixam menos vulneráveis a histórias de medo e divisão. Ele defende de que o mundo precisa de um conjunto de mitos que espalhe uma mensagem de um “nós maior”, um “nós mais duradouro”, e uma melhor ideia do que é uma boa vida.
O futuro
Ella Saltmarshe citou William Gibson, dizendo que “The future is already here – it’s just not very evenly distributed”.
Hanson Hosein vê muita mudança e a necessidade de uma adaptação constante. Porém, como ninguém sabe o que será o manhã, a única coisa que podemos fazer é garantir que as pessoas são ouvidas e que sentem que estão a ser ouvidas.
“Story has taught us that we can heal the past by changing how we carry experience. And story is teaching us that we can heal the future by how we project our experience.” Christina Baldwin
Hanson Hosein diz que as histórias estão a mudar por causa da tecnologia: já não estamos limitados a suportes retangulares (como o papel ou os écrans normais), a inteligência artificial e a Internet das Coisas (IoT) traz novas possibilidades para o incentivo de comportamentos (algo que Hanson considera como o principal propósito das histórias), e a realidade aumentada e a realidade virtual vão permitir uma maior imersão nas histórias.
Para fazer
“People should stop teaching leaders to tell stories and get them to take actions which generate stories.” Dave Snowden
Ella Saltmarshe convida-nos a pensar nas histórias que dominam as nossas vidas e recomenda que façamos um “personal story audit”. Depois disso, talvez encaixe bem um exercício sugerido por Dave Snowden (ainda que para outro contexto): perguntar-mo-nos “what can I do tomorrow to generate more stories like this and less stories like that?“.
Michael Margolis sugere que nos perguntemos “Is the directionality of the story what I’d like to be part of?”.
Para terminar, partilho uma ideia que ouvi de Christina Baldwin:
“World peace is what happens in a 3-feet radius of our own bodies.”
Vou casá-la com uma das práticas que Mary Alice Arthur sugere para ativar melhores histórias de futuro – “ask yourself what is mine to do” – e com uma consideração pessoal de que não chega olhar para o que está perto mas também devemos treinar a mente e o coração para que não se esqueçam do que está longe.
Nota: Texto também publicado em inglês no LinkedIn.
Nota: Texto editado a 11 de outubro 2018 para eliminar uma citação que havia erradamente sido atribuída a Ella Saltmarshe (“The future is already here but it’s not evenly distributed.”) quando, na realidade, ela tinha citado William Gibson.