
Bram Eekhout é o CEO e fundador de uma empresa canadiana de consultoria em gestão de conhecimento, a Bizpearl. Recentemente publicou no Linkedin uma série de três artigos sobre o impacto da gestão de conhecimento em processos de Recursos Humanos, nomeadamente: no recrutamento, no acolhimento de novos colaboradores e na retenção de colaboradores da organização.
Porque considerei interessante a forma como olhou para a GC no contexto específico dos processos de RH, pedi autorização ao autor para aqui reproduzir algumas passagens. O texto que se segue é uma tradução de partes dos três artigos. Pelo meio inclui alguns comentários meus, devidamente assinalados.
Muitas pessoas imaginam a Gestão de Conhecimento (GC) como a mera partilha de documentos através de, por exemplo, o Sharepoint ou o Confluence. Porém, a GC contribui de muitas outras formas para o sucesso dos processos organizacionais, nomeadamente para os processos de Recursos Humanos (RH).
Recrutamento
Numa altura em que é cada vez mais difícil encontrar talento e que a aquisição desse talento é um dos principais objetivos dos RH, é obrigatória a existência de uma estratégia eficiente de recrutamento. Uma das coisas a evitar é a perda de tempo, recursos e dinheiro na contratação de alguém que decide sair da organização poucos meses depois de entrar. Esta situação é frequentemente causada pela distância entre as expetativas do colaborador e a realidade da função para que foi recrutado. A GC pode ter um papel importante para eliminar estas diferenças e ajudar as pessoas a entender o que o seu trabalho vai mesmo ser.
Para isso, na minha opinião, são necessárias pelo menos duas coisas:
- uma descrição realista da função;
- ajuda para que as pessoas vejam e entendam o que é trabalhar na organização
1. Crie uma descrição realista de funções
Comece por criar um raio-X da sua organização. Este raio-X vai mostrar todos os processos, comunicações internas e software de suporte que existem na sua empresa. Depois disto, integre neste raio-X todo o conhecimento, competências e experiência.
Este raio-X só trará resultados se:
- usar a linguagem, as próprias palavras, das pessoas que trabalham na sua organização;
- as deixar acrescentar, também nas suas próprias palavras, o conhecimento de como realmente realizam o seu trabalho. Toda a experiência relevante e as competências necessárias devem estar aqui, bem com a maneira como comunicam com os outros.
Isto dar-lhe-á uma base de conhecimento baseada na realidade e criada pelos futuros colegas das pessoas que quer contratar.
De seguida, resta-lhe pegar nesta base e, para cada função que definiu no raio-X, verificar o que implica fazer no dia-a-dia. Em conjunto com as pessoas que já realizam essa função, crie uma lista de competências necessárias para descrever a pessoa ideal para aquele lugar.
O resultado será uma descrição muito realista da função na linguagem natural que um potencial colaborador tenderá a usar se recrutado. Pode então copiar e colar esta descrição junto da lista de competências e experiência necessárias.
2. Ajude as pessoas a ver a realidade da sua nova função
Ao criar o raio-X anteriormente descrito, acaba por criar uma visualização do mundo em que a nova colaboradora vai trabalhar, descrevendo-o na linguagem natural da sua organização. Basta mostrar este raio-X para ajudar, a si e à candidata, a perceber se existe compatibilidade. O documento irá mostrar-lhes as funções com que irão interagir, as entidades externas com quem terão de contactar, e até os sistemas digitais que terão de usar.
Assim, a candidata terá uma ideia mais realista do que será a sua função e poderá avaliar se se sentirá confortável a desempenhá-la. Ao mesmo tempo, a organização terá uma melhor ideia sobre se aquela pessoa é um bom encaixe para a função em causa, reduzindo a probabilidade de se recrutar alguém não indicado para o lugar.
Acolhimento
Para mim, o acolhimento é o processo de dar a conhecer aos novos colaboradores as coisas de que precisam para realizar a sua função da melhor forma possível, combinado com o entendimento e o sentir-se parte da cultura organizacional. Junte a isto o lado prático de começar um novo emprego – novo portátil, passwords, formulários, etc. – e tem os três elementos principais do acolhimento.
Comentário de Ana Neves
Considero que o acolhimento não acontece quando a organização passa o conhecimento ou o equipamento para o lado do novo colaborador mas no momento em que o novo colaborador se sente capaz de realizar as suas funções e de usar o equipamento de trabalho. Assim, talvez pudéssemos descrever o acolhimento como o processo que só termina:
– com a satisfação dos requisitos processuais impostos pela organização ou pelo contexto legal envolvente;
– depois da receção das ferramentas necessárias para a realização da sua função;
– depois da aquisição da informação e do conhecimento necessários para a realização da sua função (incluindo o conhecimento sobre como utilizar as ferramentas recebidas);
– depois da adaptação, ou eventualmente, da absorção da cultura organizacional.
A GC interna dá-lhe uma base de conhecimento que vai querer transferir para o seu novo colaborador para que ele se torne um membro totalmente produtivo tão rapidamente quanto possível, e para que seja uma pessoa feliz e confiante na realização do seu trabalho.
Na minha opinião há dois passos importantes para que isto aconteça:
- criar uma fundação de conhecimento que é fácil de entender e usar pelos novos colaboradores;
- conectar esta fundação de conhecimento a um módulo de e-learning.
1. Crie a sua fundação de conhecimento
Esta é a mesma base de conhecimento referida anteriormente para o processo de recrutamento.
Para o acolhimento de uma nova colaboradora, deixe-a estudar o que é necessário para a realização da sua função. Eu acredito que isto não é ter a colaboradora a olhar para pilhas de documentos ou a navegar aleatoriamente pelas páginas da intranet. Ler longos documentos sem contexto nos primeiros dias num novo emprego é contraprodutivo. A plataforma de conhecimento para a qual os novos colaboradores devem olhar deve focar-se pelo menos em:
A. Passos práticos que mostram o que devem fazer para que sejam bem sucedidos e como o devem fazer.
B. Como a sua função se relaciona com outras e qual a melhor forma de comunicar com os seus colegas, pessoas de outros departamentos e entidades externas.
C. Mostrar como gerir o seu trabalho através de sistemas de suporte, onde guardar ficheiros e onde encontrar informação importante.
D. Que legislação, regulamentos e protocolos devem ser considerados na realização da sua função.
Comentário de Ana Neves
Nestas considerações, sinto falta do elemento humano, de sugestões que assentem na criação de redes sociais (humanas) de apoio, integração e acompanhamento aos novos colaboradores. Sinto também que não se faz verdadeira justiça ao papel que as plataformas internas podem desempenhar: não só como fonte de informação para a pessoa consultar (pull), mas como ferramenta que alerta para o conhecimento e informação necessários no momento certo (push) e instrumento de aproximação e comunicação entre colegas.
2. Fortaleça a transferência de conhecimento através do e-learning
Depois de o novo colaborador ter tido oportunidade de ver todo o conhecimento, competências e experiência necessários para a sua função, é altura de ver se ele está pronto para realizar (partes) dessa função. Através de pequenos quizzes em módulos de e-learning pode começar a testar se o atual nível de conhecimento do novo colaborador é suficiente para que ele comece a realizar as suas funções, ou se é necessária alguma orientação adicional.
Comentário de Ana Neves
Concordo com o que o autor diz, mas custa-me ver esta sugestão debaixo do título “fortaleça a transferência de conhecimento”. A transferência de conhecimento fortalece-se com a passagem de conhecimento no momento em que este pode ser usado: é assim que as pessoas aprendem e assimilam melhor o conhecimento. As sugestões apresentadas (e que o autor aprofunda no seu artigo) fazem mais sentido como forma de avaliar a transferência de conhecimento e informação e como instrumento auxiliar para a conformidade com questões legais e de qualidade.
Retenção de colaboradores
Para muitas organizações, há anos que o turnover de colaboradores é um tema quente. E faz sentido, já que um redução na continuidade do negócio, a perda de dinheiro pelo processo contínuo de recrutamento e a saída de bons e valiosos colaboradores, são uma preocupação. Não acredito que haja uma solução fácil. Contudo, acredito que quando se implementa GC interna se reduz a saída dos colaboradores.
1. Melhor recrutamento e acolhimento
Tal como descrito anteriormente, a utilização da GC em combinação com a gestão de processos de negócio dá uma base de conhecimento que irá melhorar os processos de recrutamento e acolhimento. Isto irá reduzir a saída de colaboradores.
2. Maior envolvimento dos colaboradores
A implementação de GC internamente na sua organização dá-lhe uma maior oportunidade de aumentar o envolvimento dos seus colaboradores (employee engagement), especialmente quando combina a GC com uma visão dos processos das sua organização.
O raio-X sugerido anteriormente como forma de fazer GC é uma fantástica forma de aumentar o envolvimento dos colaboradores:
- Este raio-X só funciona quando é cocriado pelos colaboradores, usando a sua linguagem para descrever a sua realidade. Assim, eles são donos desta base de conhecimento e estarão totalmente envolvidos.
- Dará aos seus colaboradores a oportunidade de mostrar e partilhar o seu conhecimento, competências e experiência com os colegas, criando um sentimento de reconhecimento e orgulho no seu trabalho, e aumentando o seu engagement.
- Ao integrar o conhecimento da organização com uma visão dos processos, comunicações e software, cria-se um modelo através do qual as pessoas são capazes de encontrar o conhecimento de que necessitam de forma mais rápida. Isto remove muita da frustração e aumenta a sua felicidade.
Comentário de Ana Neves
A questão do reconhecimento do conhecimento de um colaborador é de extrema importância. Quem não gosta de saber que o seu conhecimento foi útil e é reconhecido pelos seus pares e superiores? Também a questão do acesso ao conhecimento de outros para evitar a duplicação de trabalho e a repetição de erros desnecessários é de extremo valor. Contudo, não é necessário o tal raio-X para que isto aconteça. É possível alcançar estes resultados com outras ferramentas e iniciativas de GC: peer assists, comunidades de prática, espaços de perguntas e respostas na intranet, etc.
3. Ajude as pessoas a entender onde encaixam e como podem contribuir
A combinação da GC com os processos organizacionais para criar o raio-X garante que as pessoas podem encontrar o conhecimento que procuram no momento em que precisam dele. Muitas pessoas, especialmente em empresas de maior dimensão, sentem-se “perdidas” e (já) não veem de que forma encaixam no quadro geral. Este raio-X mostra-lhes exatamente como encaixam e como se ligam a outras pessoas, removendo esse sentimento de insegurança e de estar perdido. Também irá mostrar de que forma contribuem para o serviço ou produto da organização. Ter um contributo relevante tem muito valor para as pessoas e dá-lhes um sentido de propósito. Criar este sentido de propósito é uma parte importante da felicidade das pessoas. Este sentimento de encaixe e de contribuição relevante ajudará as pessoas a sentirem-se felizes e envolvidas, e irá reduzir a taxa de saída de colaboradores da organização.
Uma melhoria nos processos de recrutamento e acolhimento, bem como um maior envolvimento dos colaboradores e um maior sentido de propósito e contributo relevante, são tudo efeitos da implementação de GC interna. A GC não só melhora a partilha de conhecimento e a colaboração, e poupa dinheiro à sua organização, como também tem efeitos muito positivos noutras áreas.
Comentário de Ana Neves
Não poderia estar mais de acordo com esta ideia. Ainda assim, devo confessar a minha tendência para privilegiar formas mais ágeis e orgânicas para aplicar a gestão de conhecimento nas organizações.
A ideia do raio-X é bastante sólida e bastante meritória mas pode demorar demasiado tempo e necessitar de demasiados recursos até se conseguir um impacto positivo na organização. E isso é algo que me parece incompatível com a forma de pensar da maioria das organizações. Pelo menos em Portugal.