Para além dos aspetos sanitários da pandemia, o vírus da COVID-19 teve impactos enormes na vida das organizações e dos seus colaboradores. Desde que se viram obrigadas a pedir aos seus colaboradores para trabalhar a partir de casa (working from home ou, abreviadamente, WFH), as organizações têm passado por várias fases.

Neste breve texto partilho algumas ideias que construí com Jaap Linssen em preparação para uma apresentação que fizemos um conjunto. A imagem é uma tradução e ligeira adaptação da que criámos para a tal apresentação.
Sobrevivência
No momento inicial, em que, de um dia para o outro, as organizações tiveram de mandar todos (ou quase todos) os seus colaboradores para casa, as organizações atravessaram uma fase de sobrevivência.
Na grande maioria dos casos, foi necessário dar aos colaboradores o equipamento necessário para poder trabalhar a partir de casa: portáteis, monitores, câmaras para vídeochamadas, impressoras, etc. Em muitas organizações foi também necessário garantir o acesso remoto aos sistemas internos da organização. As equipas de Tecnologia trabalhavam sem parar para equipar os colegas, prestar assistência, etc.
Por seu lado, várias outras áreas organizacionais faziam horas extra a rever as políticas de segurança e segurança no trabalho, a avaliar a aplicabilidade dos seguros de trabalho, a editar os contratos de trabalho, a avaliar a necessidade de formação em novas ferramentas e equipamentos, a aferir da existência de condições de trabalho em casa, etc.
O nível de ansiedade, de urgência, variou de organização para organização, dependendo do grau de preparação e habituação ao trabalho a partir de casa. Ainda assim, e tirando os raríssimos casos de organizações que nem sequer têm um espaço físico de trabalho, eu diria que todas as organizações passaram por alguns momentos de “ai socorro”.
Habituação
A fase seguinte foi de habituação. As pessoas foram ganhando hábitos e rotinas pessoais de trabalho a partir de casa, encaixando as exigências das suas funções profissionais com as solicitações familiares e as necessidades pessoais.
As equipas e as organizações foram encontrando formas de recriar no online as rotinas e processos de trabalho que tinham em situação presencial.
As reuniões passaram a áudio ou vídeochamadas. As conversas de corredor foram substituídas por chats em espaços digitais partilhados.
Para muitos, os dias de trabalho agora começam mais cedo e acabam mais tarde, beneficiando da ausência de deslocações de e para o escritório, e como forma de compensar pausas durante o horário de trabalho para apoiar a família.
Muitas interações tornaram-se assíncronas, mas quase sempre com o objetivo de replicar os fluxos anteriores.
Esta fase ainda está em curso em muitas organizações, especialmente aquelas que só mais recentemente conseguiram disponibilizar plataformas digitais para comunicação e colaboração capazes de proporcionar experiências mais ricas de trabalho.
Resiliência
Depois de verem as pessoas mais habituadas à realização das suas funções no novo contexto de trabalho, as organizações começaram a aperceber-se de uma nova fase.
Nesta fase que agora decorre na maioria das organizações, as preocupações dos colaboradores estão muito relacionadas com aspetos emocionais e psicológicos: o cansaço, a falta de convívio social, etc.
Para além disso, as organizações notam um decréscimo em termos do employee engagement. Muitos colaboradores sentem-se mais próximos das suas equipas diretas, mas mais longe da organização. As equipas de Comunicação e Recursos Humanos têm dificuldade a passar a sua mensagem, a reforçar o espírito e a cultura organizacional, a promover o employee branding.
Esta fase tem tudo a ver com a resiliência, e a capacidade que as organizações têm de manter o entusiasmo dos seus colaboradores que continuam a trabalhar a partir de casa, de manter a coesão e o sentimento de pertença à organização.
É vital definir estratégias de comunicação e engagement que tirem partido da infraestrutura existente, e pensar atividades que injetem energia ao mesmo tempo que reforçam a cultura organizacional.
Adoção
A quarta fase, que ainda não vi arrancar em nenhuma organização (mas não as conheço todas, claro!), é aquela em que as organizações conseguem olhar para toda esta situação como uma excelente oportunidade para repensar a sua forma de trabalhar.
As organizações olham para a infraestrutura que entretanto foi criada, para as competências (digitais) que entretanto os seus colaboradores adquiriram, para os mitos e medos derrubados, para os resultados conseguidos, e percebem a oportunidade de aprender com tudo o que foi feito e traçar uma nova forma de trabalhar. E isso pode passar por moldar uma nova cultura para a organização, ou dar espaço para que ela seja moldada pela nova forma de trabalhar.
A oportunidade está em:
- olhar e analisar tudo o que aconteceu;
- perceber quais as experiências mais e menos positivas;
- tentar entender as causas, e usar essa informação para impulsionar a mudança;
- repensar os processos de trabalho, usando as plataformas digitais, não necessariamente para recriar os antigos, mas para viabilizar novas abordagens mais eficientes;
- abraçar as recém-adquiridas competências (digitais) dos colaboradores – de todos os níveis – para promover práticas de trabalho mais digitais, que aumentam a transparência e ajudam à partilha e retenção do conhecimento;
- tirar partido das novas abordagens de gestão e liderança forçadas pela distância, para rever políticas de avaliação de desempenho.
A pandemia da COVID-19 trouxe muito sofrimento e enormes perdas para a maioria das organizações. Na verdade, acredito que é um daqueles momentos de mudança na história das organizações.
As organizações de referência de amanhã, as de melhor desempenho e capazes de atrair os melhores talentos, serão aquelas que hoje forem capazes de agarrar este contexto como a oportunidade para embrulhar processos de mudança e transformação cultural, tecnológica e processual, que provavelmente batalhavam há anos para conseguir.