Artigo de jornal sobre o funeral do Rei Jorge VI em 1952

Conhecimento real

Refiro muitas vezes que se encontram bons exemplos de gestão de conhecimento onde menos se espera. Já falei aqui da empresa Pastéis de Belém; hoje falo da família real inglesa.

No mês de setembro passado, faleceu a Rainha Isabel II de Inglaterra. Um evento que dificilmente terá passado despercebido tal foi a cobertura mediática nos vários cantos do mundo.

A mim, não me interessaram os diretos televisivos das celebrações fúnebres, das filas, dos carros, das flores, dos vestidos, das jóias, etc. Mas houve um aspeto que me despertou bastante interesse. E é sobre esse que hoje decidi escrever.

O episódio de 19 de setembro do podcast “Today in Focus” do The Guardian, contou com a participação do jornalista Sam Knight.

Em 2017, Sam Knight (Knight de nome e não de título 😄), escreveu uma peça para o jornal britânico sobre os planos para o funeral da rainha.

A operação “London Bridge”, como era conhecida, descrevia com grande detalhe o papel das muitas entidades e pessoas nas cerimónias fúnebres da rainha e de coroação do novo rei. O plano detalhava, por exemplo, as farda a usar pelas várias guardas ou a remoção de uma janela do seu caixilho para a proclamação do monarca sucessor.

Ao longo dos últimos meses, a pandemia da covid-19 exigiu que os detalhes da operação fossem revistos várias vezes para garantir que, na eventualidade de ser necessário, a operação poderia ser ativada em conformidade com as normas de saúde e segurança em vigor.

Para a realização da sua peça jornalística, Sam Knight falou com muitas pessoas. Porém, uma das suas principais fontes de informação foram os documentos que descrevem o funeral do Rei Jorge VI que aconteceu nessa altura. Foram, aliás, esses mesmos documentos, datados de 1952 e guardados no Arquivo Nacional britânico, que estiveram na base da operação “London Bridge”.

Sam Knight refere que, num dos documentos, alguém alerta para a necessidade de descrever em pormenor todas as cerimónias fúnebres: sendo a nova rainha tão nova (apenas 25 anos), havia uma grande probabilidade de o próximo funeral real ser muitos anos mais tarde e era importante salvaguardar o conhecimento para ajudar quem viesse a preparar o próximo.

É um documento de 1952! Acho fascinante esta preocupação com a preservação da informação, do conhecimento, da experiência.

O jornalista Sam Knight diz que a principal atividade da família real é provavelmente a sua sucessão. Se concordarmos com ele, percebemos que o processo da sucessão monárquica faz parte do seu conhecimento crítico. Daí a atenção que mereceu para a sua preservação.

No trabalho que faço com as organizações, nem sempre noto esta preocupação com a preservação do seu conhecimento crítico. Vão empurrando com a barriga porque (ainda) há alguém na organização que tem esse conhecimento, porque não se prevê que volte a ser necessário tão cedo, porque há coisas mais urgentes… Valeria a pena parar e refletir:

  • identificar o conhecimento crítico da organização;
  • identificar quem tem esse conhecimento;
  • avaliar o risco do seu desaparecimento;
  • perceber o impacto que esse desaparecimento teria na organização;
  • definir um plano para a salvaguarda desse conhecimento.

Conhecimento crítico pode ser o saber operar uma máquina, ou saber a forma de misturar os ingredientes numa receita, ou saber diagnosticar um problema, ou saber argumentar uma decisão. O impacto de o perder pode significar perda de receitas, perda de credibilidade e posição (única) de mercado, mais acidentes, etc.

Se o impacto do desaparecimento desse conhecimento for superior ao investimento necessário para o proteger (quase sempre é!), é importante implementar o plano para a sua salvaguarda.

Esse plano pode passar pelo seu registo (como feito em 1952 para o processo de sucessão) ou por passá-lo a mais pessoas através de formação, mentorias ou comunidades de prática, por exemplo.

Já pensou sobre qual é o conhecimento crítico da sua organização? E o que está a fazer para o salvaguardar?

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