Embrapa

Li sobre a experiência da Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária) em gestão de conhecimento num dos capítulos do livro Gestão do Conhecimento e E-learning na Prática (J C Terra). Resolvi, então, contactar o autor desse capítulo: Paulo Fresneda. Num verdadeiro exemplo de trabalho em equipa, o Paulo resolveu discutir a resposta às questões que lhe coloquei com outros membros de um fórum específico disponibilizado na Comunidade Gestão do Conhecimento.

As respostas abaixo reflectem a opinião e a visão de um conjunto de colaboradores (ver lista no final) da Embrapa sobre o tema, não podendo portanto ser consideradas como uma posição ou uma resposta formal da empresa.

Como classificaria a cultura da Embrapa quanto a:

– vontade de inovar;

– vontade de partilhar conhecimento;

– vontade de reutilizar conhecimento existente;

– vontade de aprender com os outros;

– vontade de trabalhar em conjunto?

Consideramos a Embrapa uma empresa altamente inovadora e que proporciona liberdade para o exercício da criatividade, da inovação e do compartilhamento de conhecimento, embora como muitas organizações há uma grande dificuldade em implantar novos processos, resistência em relação à mudança de cultura ou na forma de executar determinadas tarefas.

O grupo entende que a gestão do conhecimento explícita e efetiva – quer seja do conhecimento que a empresa já detém como de outros em vias de geração – pode incrementar muito o processo de compartilhamento de conhecimentos e, por conseguinte, a geração de inovações. Como subproduto desta GC, o re-trabalho e as ações redundantes poderiam ser minimizadas com fortes impactos na eficiência dos processos de P&D&I da empresa.

Em resumo, entendemos que a cultura da Empresa tem um pouco de cada um dos “sabores” apresentados, mas com certeza, “vontade de inovar” é algo muito forte na sua cultura.

Embrapa - logoDe qualquer maneira, segue a seguir, algumas reflexões do grupo com relação aos tópicos-chave desta questão:

Vontade de inovar – inovar é uma condição “sine qua non” para qualquer empresa sobreviver num ambiente de alta competitividade, especialmente para uma empresa de P & D & I como é o caso da Embrapa. Hoje, sabe-se que a inovação não é tão somente fruto de uma mente criativa. Esse componente é importante, mas não único. Para que uma mente criativa gere inovações contínuas é necessário que a organização adote uma série de ações indutoras da capacidade de inovar e que faça isso de forma sistemática. Aqui também ressaltamos que sistematizar não quer dizer burocratizar ou tolher a liberdade de iniciativa, mas direcionar as competências existentes e investir em novas competências, necessárias ao atendimento das demandas tecnológicas reais e potenciais das sociedades e mercados. Neste aspecto, a Embrapa, passada a fase da inovação a cargo das mentes criativas, precisa agora, começar a se preocupar em organizar o seu processo de inovação (inovar em quê? para quê? de que maneira? a que custo?), de modo a manter-se continuamente inovadora.

Vontade de partilhar conhecimento – o compartilhamento de conhecimento é uma das maiores fontes de inovação. Quanto mais conhecimento acumulado, quanto mais trocas de idéias, quanto mais discussões, maiores são a chances de novas descobertas. A Embrapa, ciente da importância de compartilhar conhecimento com vistas à inovação vem incentivando as parcerias internas e externas e valorizando a participação em projetos de pesquisa competitivos que envolva um significativo número de parcerias.

Vontade de reutilizar conhecimento existente – “na natureza, nada se cria, tudo se transforma” (Lavoisier) tornou-se um dito popular de largo alcance. Em parte, isso se justifica pela capacidade do homem de extrair lições de eventos que ocorreram ao seu redor. A importância de reutilizar um conhecimento existente é comprovadamente uma maneira de se inspirar no que de bom existe, com o objetivo de queimar etapas na construção de um processo, reduzir tempo e custos de aprendizagem e agregar valor aos resultados. Daí, a importância dos bancos de boas práticas e similares. A Embrapa tem uma cultura de reutilização de conhecimento, muito em razão da sua estrutura organizacional, composta de várias unidades descentralizadas (que são os centros de pesquisa baseados em diversas localidades geográficas), os quais se espelham muito nas experiências uns dos outros.

Vontade de aprender com os outros – aprender com o outro, junto com o aprender pelo processo de observação dos fenômenos da natureza, é a mais antiga das formas de aprendizado. E isso não é diferente no ambiente das organizações. Um dos modos mais utilizados de aprender com o outro é a narrativa. Nenhum outro processo de aprendizagem sobre a cultura de uma organização é mais eficaz do que os relatos daqueles que a conhece e a atenta observação dos acontecimentos e fatos relatados. Na Embrapa esse processo é utilizado de maneira informal e, diga-se, natural, quase que despercebido por quem ensina e por quem aprende, com exceção dos casos formais de desenvolvimento do aprendizado de auxiliares, estagiários e bolsistas e também da realização de seminários. Percebe-se que há demanda para esse tipo de aprendizado, que precisa ser mais incentivado e sistematizado.

Vontade de trabalhar em conjunto – trabalhar em conjunto tornou-se imperativo na medida em que as organizações começaram a lidar com a gestão por processos e com problemas cada vez mais complexos e que demandam um tempo de resposta cada vez mais rápido. Trata-se de uma questão de aprendizagem, porque nem todo mundo tem o hábito ou gosta dessa forma de trabalhar (vide a formação dada na academia, que prima pelo individualismo até hoje). Para isso, torna-se necessário que as organizações cultivem esse hábito e proporcione condições que favoreçam a interação entre os indivíduos. Na Embrapa, por muito tempo, cultivou-se o hábito das pessoas trabalharem isoladas fisicamente, em salas e laboratórios individuais. Hoje esse paradigma vem aos poucos sendo quebrado e a empresa já experimenta algumas iniciativas de layout que favorecem a interação entre as pessoas, facilitando a formação de grupos informais para discutir assuntos relacionados aos seus processos de trabalho e outros. O projeto de Comunidades Virtuais é uma outra iniciativa visando criar esse ambiente de compartilhamento de conhecimentos e de aprendizagem coletiva.

A Embrapa não tem um programa organizacional de gestão de conhecimento. Porquê?

Com um rótulo formal não existe, mas implícita e assistematicamente, a Empresa faz GC desde que foi criada em 1972.

Como ícone desta afirmação, cita-se a execução, desde a sua fundação, de um programa de desenvolvimento de recursos humanos focado na formação do conhecimento científico de seus empregados pesquisadores, essencial para uma empresa em estágio inicial de formação / estruturação, e que objetivava estrategicamente formar e desenvolver competências em áreas de conhecimento inerentes ao desenvolvimento das principais cadeias produtivas do agronegócio brasileiro.

Nesse sentido, a Embrapa sempre trabalhou o conhecimento a partir do mapeamento de temas visando criar um contexto para a sua revelação com o objetivo de gerar resultados aplicados. Durante os seus primeiros vinte anos, essa prática se justificou pela necessidade urgente de dotar o país de conhecimentos capazes de avançar etapas com relação ao atraso tecnológico existente no país à época. Daí o porquê da empresa direcionar e monitorar o conhecimento para temas específicos e concentrá-lo em um grupo de “elite”, numa típica divisão entre os que “pensam” e os que “executam”. Este fato induziu uma gestão do conhecimento informal, centrada no gerador / coletor do conhecimento, o pesquisador, o qual fazia a administração desse conhecimento conforme oportunidades e interesses próprios ou de pares.

Se por um lado, esse comportamento atendeu às expectativas de avanço tecnológico, por outro, favoreceu a concentração do conhecimento em pequenos grupos e impediu que organização, como um todo, usufruísse dele de forma mais efetiva. Tal dificultou a formação de consciência quanto à necessidade de sistematizar esse ativo, limitando-se, quando muito, a gestão de conteúdo na forma de produção de publicações, manutenção de bibliotecas e bancos de referências.

O grupo também entende que a integração imperfeita dos sistemas de gestão e de informação, fruto da visão funcional e temática pelas quais a empresa foi e é estruturada até hoje, tenha impedido que uma formalização e sistematização da GC ocorresse antes na empresa.

Outra possível explicação é que GC é um conceito relativamente novo no ambiente das organizações e, como toda novidade, leva-se algum tempo para ser incorporada ao cotidiano, principalmente quando isso implica em repensar alguns dos pressupostos básicos da teoria e da prática de gestão.

Consideram que a organização teria melhores resultados caso existisse um programa de GC e uma abordagem consciente às práticas de GC?

Está aí uma boa pergunta. A Embrapa sempre soube focar em problemas relevantes para o setor agropecuário brasileiro, gerando tecnologias que revolucionaram todo um setor produtivo e contribuíram para inserir o país no seleto grupo dos grandes produtores mundiais de alimentos.

Dizem que o conhecimento mais importante está na cabeça dos colaboradores de uma organização, o conhecimento tácito. A Embrapa, embora sem um programa formal de GC, sempre investiu na formação de alto nível (mestrado, doutorado e pós-doutorado) do seu corpo técnico-científico. Este programa é considerado com um dos pilares que fizeram possível o sucesso da Empresa.

Ressaltamos esse exemplo da capacitação para mostrar que uma organização não precisa explicitar GC para fazer GC acontecer.

Outro exemplo importante que se configura como ação de GC, mas não foi assim explicitada na empresa, são os Núcleos de Gestão Tecnológica. No Plano Diretor 2000-2003 da Embrapa (Plano Estratégico) foi definido, entre os seus projetos estruturantes, as figuras dos Núcleos de Gestão Tecnológica. Vários centros de pesquisa desencadearam a estruturação dos Núcleos Temáticos onde áreas afins (e.g., genética animal e computação) procuram definir diretrizes e atuar sinergisticamente, elaborando programas de trabalho com foco em temas específicos (bioinformática).

Assim, embora não se adote o rótulo de Gestão do Conhecimento, esta é mais uma iniciativa que poderia ser orientada para a organização formal de uma proposta / política de Gestão do Conhecimento no âmbito de toda a Embrapa.

Por outro lado, entendemos que a adoção e o exercício de uma prática efetiva de GC promoveria maior disseminação do conhecimento e, conseqüentemente, maior sinergia e qualidade no processo de inovação, promovendo melhorias e agregando novos valores à empresa.

Apesar das tecnologias geradas e aplicadas, da divulgação de resultados na imprensa e revistas especializadas, programas de TV, dia de campo, etc., do investimento na capacitação profissional e do reconhecimento na sociedade e acadêmica, ainda achamos que a empresa poderia ter melhores resultados com programas formais de GC. Isto poderia evitar o retrabalho, a reinvenção de metodologias ou outras práticas que muitas vezes já foram adotadas e testadas em outros contextos, mas não foram descritas ou explicitadas corretamente. Muitos conhecimentos ainda estão nas cabeças dos pesquisadores e técnicos.

Em que consiste o Banco de Boas Práticas?

O Banco de Boas Práticas é um projeto piloto desenvolvido pela empresa para coletar, organizar, armazenar e difundir experiências reais e concretas, comprovadamente viáveis em determinadas áreas e contextos, sejam em gestão ou em P&D, que possam ser utilizadas por unidades organizacionais internas ou por colaboradores externos na solução de problemas e necessidades do dia-a-dia. Também opera como uma forma de benchmarking em que se analisa as inovações já testadas e busca-se replicá-las, ajustá-las ou adaptá-las à realidade de outro ambiente organizacional. O Banco de Boas Práticas caracteriza-se como uma forma de gestão do conhecimento. É o conhecimento sendo sistematizado para garantir a sua disseminação pela organização.

No momento ele está focado nas práticas administrativas e de gestão. Uma vez testado e melhorado, o objetivo é expandir o escopo deste projeto para as demais áreas da empresa, em especial, a área de P&D. Este projeto está suspenso no momento.

Qual o conteúdo e as funcionalidades disponíveis na intranet / portal?

A intranet é o canal de escopo mais amplo de disseminação de informação, de divulgação interna e de acesso aos sistemas de informação corporativos e departamentais. Concomitantemente com a intranet, operam as listas de discussão e o sistema de email nos quais ocorrem uma troca enorme de informações e conhecimentos entre indivíduos e grupos dentro e fora da empresa.

O portal é a solução que irá integrar todas as funcionalidades da intranet, do site da empresa, das demais ações baseadas na web, com uma interface única, promovendo uma sinergia muito grande entres os vários mecanismos de coleta, armazenamento, disseminação e compartilhamento de informações. Embora fosse para entrar em funcionamento em 2003, em função de alterações na administração da Empresa, o projeto está em suspenso no momento.

O conteúdo desses aplicativos é o que de fato fará a diferença entre eles serem ou não instrumentos de gestão do conhecimento. É importante que a organização, ao implantar uma intranet e criar um portal, tenha em mente que esses recursos da TI são meios poderosos para auxiliá-la na tarefa de gerenciar o conhecimento e não fins em si mesmos, o que acontece com muita freqüência. Na Embrapa esta preocupação está presente.

Que métricas usa a Embrapa para avaliar o sucesso das diferentes iniciativas?

As métricas, quando existentes, são particulares de cada iniciativa de GC. Em geral, mede-se os resultados obtidos pelo seu impacto na população-alvo da iniciativa.

A Embrapa tem se preocupado bastante com a definição de métricas para avaliar a sua performance global e a de suas unidades de pesquisa. Vários sistemas de avaliação encontram-se em operação, alguns já consolidados, como os de avaliação individual, de equipe e institucional, que ao se intercruzarem apresentam o desempenho global e refletem a performance do conhecimento que a instituição gera.

Quais têm sido os resultados obtidos?

Não obstante muitas das iniciativas ainda se encontrarem em fase de implantação ou absorção por parte dos colaboradores da empresa, alguns resultados já se apresentam bastante significativos, por exemplo:

  • intranet – impossível pensar a empresa hoje sem esse mecanismo operacional;
  • lista de discussão – há muito tempo se firmou como um importante fórum de apresentação e discussão de idéias, aumentando significativamente, a cada dia, em quantidade e qualidade de participação;
  • propriedade intelectual – desde 1998, quando a Embrapa sistematizou o processo de propriedade intelectual, até final de 2003, a empresa protocolou 119 pedidos de patentes no Brasil e 65 no exterior. Desses 65 pedidos no exterior, foram concedidas 26 cartas-patentes. Ainda é um número tímido para uma empresa de tecnologia, mas está na média dos países em desenvolvimento, com exceção da China, Coréia, Índia e Rússia. Em 2002 a empresa foi considerada a organização de P&D pública brasileira com o maior número de registros de propriedade intelectual no exterior. Hoje arrecada uma quantia financeira significativa por meio de royalties do licenciamento de suas tecnologias.

Qual a predisposição da Embrapa para aceitar alguns dos resultados qualitativos da GC?

De um modo geral todo resultado qualitativo é bem aceito. O difícil é a aceitação dos métodos de aferição de resultados, partindo-se do princípio de que as pessoas sentem um certo desconforto ao serem avaliadas, muito em razão de experiências negativas com a implementação e o mal gerenciamento dessas ferramentas. A Embrapa já conta com algumas ferramentas de avaliação no que se refere ao desempenho individual, de equipe e institucional. Algumas dessas ferramentas já se encontram consolidadas, mas mesmo assim, ainda passíveis de críticas e descontentamentos. A ferramenta de gestão estratégica “Balanced Scorecard – BSC” tem se mostrado um bom indicador para a medição dos resultados alcançadas pelas práticas de GC. A Embrapa foi uma das empresas pioneiras no Brasil no uso do BSC, cuja adaptação para ajustar-se às especificidades da empresa deu origem ao Modelo de Gestão da Embrapa (MGE), com indicadores bastante consistentes para medir a performance da organização quanto ao cumprimento da sua missão e o alcance da sua visão de futuro.

Sabendo o que sabe hoje, o que teria a Embrapa feito diferente?

Pergunta difícil de responder pois nunca teremos uma maneira de simular ambas situações para depois avaliar o que teria sido melhor para a organização. Entendo que o “ciclo de vida” de uma organização é um processo em que os acontecimentos de hoje só são possíveis devido à história e à experiência acumulada ao longo do tempo. É um processo contínuo de mudança que ocorre de forma individual e coletiva em âmbito organizacional.

Contudo, hipoteticamente falando, com a consciência que temos hoje de que o conhecimento é o maior ativo que uma organização possui e analisando alguns acontecimentos do passado, pode-se dizer que a Embrapa poderia ter se apropriado melhor do alto investimento em conhecimento que ela fez. Essa apropriação poderia ter-se dado por meio do:

  • registro de patentes de tecnologias de ponta de alto valor agregado;
  • registro de todas as tecnologias geradas e do seu impacto sobre o conjunto da sociedade e segmentos específicos do agribusiness, com o devido levantamento do quantitativo de riqueza gerada em volume de recursos e em grau de desenvolvimento econômico e social;
  • relato da memória histórica da organização;
  • registro das práticas de gestão que impactaram a evolução da organização;
  • registro dos processos de mudança ocorridos ao longo do tempo; etc..

Tudo isso tem uma importância enorme quando nos propomos a analisar as iniciativas presentes e projetar o futuro, muitas vezes só percebida quando a organização se defronta com a necessidade de reafirmar os seus valores e projetar a sua visão de futuro.

Participantes na elaboração das respostas (por ordem alfabética):

  • André Alarcão, SPD-Sede
  • Cláudio Napolis Costa, Embrapa Gado de Leite
  • Daniella Lopes Marinho, SGP-Sede
  • Edméia de Andrade, DTI-Sede
  • Francisco de Jesus Alves Antonio, Embrapa Instrumentação Agropecuária
  • Marcelo Dressler, Embrapa Milho e Sorgo
  • Maristela de Jesus da Silva, SGE-Sede
  • Paulo Sérgio Vilches Fresneda, SGE-Sede
  • Sonisley Santos Machado, DGP-Sede

1 comment

  1. Paulo Sérgio Vilches Fresneda 12 Abril, 2004 at 23:31 Responder

    Acabo de rever o material, agora publicado no KMOL. Sabe a impressão que tive: fiquei impressionado com o que foi feito a tantas mãos!!! Sabendo como o processo foi iniciado e como o texto foi sendo construído, discutido, modificado, com várias pessoas contribuindo ao mesmo tempo, é impressionante o resultado alcançado. Somente com a minha participação vc não tiraria esse contéudo… risos.

Leave a reply