O mundo dos negócios foi apanhado de surpresa quando, no dia 22 de Julho de 2009, foi anunciado que a Amazon iria comprar a Zappos num negócio com um valor aproximado de 847 milhões de dólares.
O que é que a Zappos tem que vale assim tanto dinheiro? De acordo com o CEO da Zappos, num email que enviou a todos os colaboradores, “uma grande parte da razão pela qual a Amazon está interessada em nós é porque reconhece o valor da nossa cultura, das nossas pessoas e na nossa marca”.
No site da Zappos pode ler-se:
“O nosso objectivo é posicionar a Zappos como o líder de serviços online. Se conseguirmos que os clientes associem a marca da Zappos.com com o melhor serviço de todos, então podemos expandir para outras categorias de produtos para além de sapatos. E, já estamos a fazer isso.”
A missão da Zappos é “entregar felicidade aos clientes, empregados e vendedores”. É “prestar ao cliente o melhor serviço possível”. Eles querem surpreender toda a gente em todas as interacções que tenham com a empresa.
A Zappos não é bem uma loja online de venda de calçado. A Zappos é uma empresa que oferece um excelente serviço ao cliente… e que, como dizem, por acaso vende sapatos. “E roupa. E carteiras. E acessórios. E eventualmente tudo o resto.”
E não é só a sua missão que é diferente. A sua cultura também é única.
Imagine uma empresa onde a direcção é conhecida pela equipa dos macacos; onde os empregados têm alcunhas (por exemplo, a assistente administrativa do CEO é conhecida por “Time Ninja” de acordo com a assinatura do seu email); que paga a quem, depois da formação inicial, decide deixar a empresa; que publica um livro composto por parágrafos, não editados, escritos pelos empregados. Isso passa-se na Zappos.
O livro da cultura Zappos
“[a] CULTURA da Zappos significa coisas diferentes para pessoas diferentes, por isso pensei que a melhor forma de as pessoas aprenderem o que é a CULTURA da Zappos era ouvi-lo directamente dos nossos empregados”, escreve o Tony Hsieh, o CEO da Zappos, na introdução do livro “Zappos.com Culture Book 2008”.
Veja aqui mais sobre o livro.
Contactámos a Zappos para colocar algumas questões sobre a sua cultura, os seus processos e a sua utilização de ferramentas sociais.
O CEO Tony Hsieh respondeu gentilmente a algumas das questões e colocou-nos em contacto com a Senior HR Manager, Hollie Delaney, e a Head of Recruiting, Christa Foley, que nos falaram dos procedimentos de Recursos Humanos que são chave na criação e manutenção da cultura da Zappos.
(A não ser quando devidamente assinaladas, as respostas apresentadas foram dados pelo Tony Hsieh.)
Cultura e imagem na Zappos
“A cultura da sua empresa e a imagem da sua empresa são na verdade apenas dois lados da mesma moeda” (Tony Hsieh no Web 2.0 Summit, San Francisco, USA, Nov 2008 – ver vídeo)
A cultura da Zappos é única e parece ser o seu principal bem. Muitas organizações passam por programas de mudança cultural para criar a cultura que desejam mas tal não é fácil e muitas não conseguem. A Zappos, no entanto, parece estar a abordar a questão de uma forma diferente: só recruta e só mantém empregados que encaixem na cultura da Zappos. Tem sido assim desde o início?
Sempre nos certificámos que o encaixe na cultura fazia parte do nosso processo de recrutamento, mas foi apenas há poucos anos que formalizámos a definição da nossa cultura em dez valores nucleares:
- Provocar UAU através do serviço
- Abraçar e conduzir a mudança
- Criar diversão e um pouco de esquisitice
- Ser aventureiro, criativo e ter a mente aberta
- Perseguir crescimento e aprendizagem
- Construir relações abertas e honestas através da comunicação
- Construir uma equipa positiva e um espírito de família
- Fazer mais com menos
- Ser apaixonado e determinado
- Ser humilde
Podem ler mais sobre os nossos valores aqui
Os valores nucleares na Zappos
Valor #8: Fazer mais com menos
Veja aqui um vídeo divertido sobre como este valor se traduz na Zappos.
Assim que concluímos a nossa lista de valores, melhorámos o nosso processo de recrutamento para incluir várias perguntas sobre cada um dos valores nucleares.
Christa Foley complementou esta resposta com o seguinte:
Quando consideramos candidatos, procuramos um encaixe técnico e cultural. Todos os candidatos passam por, pelo menos, essas duas entrevistas. O encaixe cultural com a equipa de recrutamento e o encaixe técnico com o chefe da equipa que está a recrutar. Às vezes a entrevista técnica acontece primeiro; outras vezes é a cultural. Independentemente da ordem, mesmo que as competências e a experiência estejam lá, não avançamos se não houver encaixe cultural. Por exemplo, se o nosso Director of Development entrevistar um engenheiro informático e sentir que é a pessoa mais talentosa que alguma vez viram, mas nós detectarmos sinais de alarme no aspecto cultural, nós não recrutamos essa pessoa.
Essencialmente formulamos a nossa entrevista cultural em torno dos dez valores e passamos uma hora a fazer perguntas específicas sobre cada valor para ver se o candidato se encaixa. Por exemplo, o serviço é tudo na Zappos. Assim, e atentando ao valor #1, “Provocar UAU através do serviço”, perguntamos qual o melhor e pior serviços que o candidato alguma vez recebeu e porquê. Pedimos exemplos para ilustrar a sua perspectiva de serviço ao cliente e como já demonstraram excelente serviço ao cliente no passado.
Ou, para o valor “Ser aventureiro, criativo e ter a mente aberta”, pedimos aos candidatos para, numa escala de 1 a 10, dizerem o quão sortudos sentem ser. Retirámos esta questão de um estudo que relaciona o quanto as pessoas se consideram sortudas com o quão criativas conseguem ser.
Ou, para o valor “Criar diversão e um pouco de esquisitice” pedimos para numa escala de 1 a 10 dizerem o quão esquisitos são. Bem, não há um número mágico. Mas se alguém diz 0, provavelmente detestariam trabalhar na Zappos. Se dizem 10, são provavelmente demasiado esquisitos para nós. Tem mais a ver com a forma como a pessoa responde à questão. Alguém que fica chateado por ter de indicar um número provavelmente não serve para nós. Alguém que ri e depois responde, provavelmente serve.
Ou, finalmente, para “Construir uma equipa positiva e um espírito de família” perguntamos aos candidatos se socializam com pessoas com quem trabalham fora do escritório. Uma resposta standard ou reservada significa “não” ou, se “sim, é só com limites e nunca esquecendo de que há uma linha profissional que não pode ser ultrapassada. Para nós este pode ser uma bandeira vermelha porque esperamos que os empregados socializem de forma a construir o tal espírito de equipa.
Na verdade, conseguir ver a verdadeira pessoa por trás do candidato é sempre um problema para nós pois a maior parte das pessoas vêm com respostas preparadas. Nós geralmente não contratamos essas pessoas. Assim, para conseguir ver a verdadeira pessoa, incluímos nas nossas entrevistas visitas guiadas ao escritório, salas temáticas para as entrevistas e jogos, bem como algumas questões bem humoradas como “se pudesses ser um super-herói, quem serias e porquê?”.
Na entrevista, A nossa esperança é que o candidato perceba que não somos uma empresa corporativa tradicional e que sejam eles próprios. Durante a visita guiada olhamos para a reacção do candidato ao que está a ver, a sua linguagem corporal, e as perguntas que colocam.
Para além disso, dado que todas as pessoas que contratamos, independentemente do departamento, função, ou nível, passam pela nossa formação de CLT/New Hire Training, incluímos o mesmo teste de competências que fazemos para os colaboradores de CLT. Isto tem sido um grande filtro relativamente ao valor “Ser humilde”. Muitas pessoas dizem que a nossa formação para novos colaboradores é óptima, ou que gostariam que as suas empresas fizessem o mesmo, mas quando lhes é pedido que façam um teste de navegação na Internet, às vezes os seus verdadeiros sentimentos vêm ao cimo – se sentem que estamos a fazê-los desperdiçar o seu tempo ou que aquilo não é trabalho para eles. Novamente, pode detectar-se isso através do tom, da linguagem corporal e dos comentários.
Nós até colaboramos com a equipa de formação e, de certa forma, a formação de CLT/New Hire é uma extensão do nosso processo de selecção. Tem-se falado imenso nos mídia do nosso processo de recrutamento, o que é óptimo. Assim, mesmo que alguém passe pelo nosso processo de selecção sem que tenhamos detectado sinais de alerta, é muito difícil conseguir fingir que encaixam culturalmente durante quatro semanas de formação das 7h às 16h.
Formação inicial
O curso CLT/New Hire dura quatro semanas e inclui uma introdução à história e cultura da empresa. Inclui também atender chamadas de clientes durante duas semanas como forma de ficar a conhecer os clientes (a Zappos gira em torno do serviço, lembram-se?). Se, depois da formação inicial, a pessoa sentir que não encaixa na cultura da empresa, a Zappos paga-lhes pelo seu tempo e ainda lhes dá $2000. Apesar disso, apenas 2-3% dos que chegam aqui aceitam essa oferta.
Ouvi o Tony dizer numa apresentação que as avaliações de desempenho na Zappos são 50% sobre capacidades técnicas e concretização e 50% sobre encaixe cultural. Que tipo de comportamentos procura durante essas avaliações?
A Hollie respondeu dizendo:
Actualmente fazemos duas sessões de avaliação por ano: uma em Fevereiro e outra em Agosto. Durante a avaliação de Fevereiro temos um pequeno formulário e um formulário de objectivos. Na avaliação de Agosto temos um formulário mais extenso com comentários. Pensamos que é importante comparar a forma como o empregado se vê com a forma como o chefe vê o empregado. Assim, pedimos ao chefe para avaliar o empregado. O empregado avalia-se a si próprio e depois, empregado e chefe, conversam sobre qual deverá ser a avaliação final.
A nossa avaliação de Agosto é composta de quatro partes: valores nucleares, desempenho, liderança e potencial de crescimento. A componente de valores nucleares conta 50% para a avaliação gobal.
Chefes diferentes têm formas diferentes de observar o desempenho dos colaboradores na sua equipa. Não há regras para a forma como os chefes os avaliam. Cada chefe tem processos que funcionam para eles e são esses processos que eles usam.
Zappos: Powered by Service
“É um dia maravilhoso aqui na Zappos. O meu nome é Genna. Como o posso ajudar hoje?” (num dos vídeos produzidos pela Zappos – ver vídeo)
Diria que a Zappos molda os seus colaboradores ou que os seus colaboradores vão gradualmente moldando a cultura da Zappos?
Penso que como qualquer cultura (e não só culturas corporativas), acaba por ser uma combinação dos dois.
O Alfred Lin, o CFO e COO da Zappos, era o mais fiel cliente do negócio de pizzas que criou enquanto estudante universitário. Ele comprava-lhe pizzas e vendia-as à fatia aos colegas. Como encoraja este tipo de abordagem criativa e o espírito de empreendedorismo na Zappos?
Um dos nossos valores é “Ser aventureiro, criativo e ter a mente aberta”. Descobrimos que se os empregados forem apaixonados pelo que fazem, a sua criatividade natural virá ao cimo.
A Zappos orgulha-se de não ter guiões para que os seus empregados sigam quando atendem clientes ao telefone. Orgulha-se também de ter poucos processos especificados. Como transferem a experiência e conhecimento de uma pessoa para outra?
Nós temos uma equipa de formação a que internamente chamamos de Equipa Pipeline. A função desta equipa é desenvolver os futuros líderes da Zappos através de vários cursos de gestão e liderança.
Este é um vídeo que produzimos para toda a empresa e que fala um pouco sobre a Equipa Pipeline.
Procuramos empregados que vivam e inspirem os valores nucleares nos outros.
Como lidam com a inovação operacional, i.e. com novas formas de trabalhar mais eficaz e eficientemente?
Nós não temos processos formais para isto. Muita desta inovação resulta de ideias que os nossos colaboradores da linha da frente têm.
A Zappos tem investido muito em ferramentas sociais e sites sociais. Porque se decidiram por este caminho?
Inicialmente começámos por envolver a empresa no Twitter e no Facebook por vermos que seria uma óptima forma de ajudar a construir a cultura da empresa. Mas depois descobrimos que era também uma óptima forma de nos ligarmos aos nossos clientes.
Para a Zappos, uma parte de oferecer uma óptima experiência aos clientes passa por desenvolver ligações emocionais pessoais, tanto com clientes como empregados. A nossa principal forma de o fazer é através do telefone. É por isso que temos o nosso número 1-800 no cimo de todas as páginas no nosso site. O Twitter e os blogs são apenas formas adicionais de nos conectarmos com as pessoas a um nível mais pessoal.
A Zappos e as ferramentas sociais
A Zappos utiliza o Twitter para:
- encontrar os melhores talentos
- ligar os colaboradores entre si
- saber o que o mundo diz sobre a empresa
- deixar as pessoas colocar questões à empresa (por mensagem directa).
Para além disso, a empresa recorre a:
- blogs – existem muitos blogs na Zappos. Um deles é mantido pelo CEO e pelo CFO
- partilha de ficheiros multimedia – no YouTube têm o seu canal onde, por exemplo, dão resposta às questões colocadas através do Twitter e do Facebook
- redes sociais – desenvolveram uma aplicação para o Facebook para que os clientes partilhem os seus produtos e marcas preferidas da Zappos.com; têm também um grupo com imensos fãs que ajudam a promover a marca
- conteúdo gerado pelos utilizadores – encorajam os clientes a escrever opiniões sobre os produtos no próprio site da Zappos.com.
Se pudesse manter apenas uma dessas ferramentas sociais, qual escolheria?
A nossa aposta principal tem sido o Twitter. Temos mais de 400 empregados no Twitter. Pode ver os seus tweets aqui.
Como pode ver, a maior parte deles não são relacionados com negócio nem marketing, mas é uma óptima forma de nos relacionarmos a um nível mais pessoal com colaboradores e clientes. E dá às pessoas uma ideia da cultura da nossa empresa, o que, em última análise, é a nossa imagem de marca.
Óptimo atendimento…
… mesmo no Twitter… mesmo que não seja cliente
Quando preparava esta entrevista escrevi no Twitter que me estava a divertir imenso a aprender sobre a Zappos. A empresa respondeu ao meu tweet mostrando a sua disponibilidade para responder a questões que eu pudesse ter.
Li aqui que as orientações da Zappos para a utilização de sites sociais públicos são apenas “seja verdadeiro e use o seu senso comum”. Isso é suficiente? Como reduzem o risco de algum dos colaboradores dizer algo que não devia ou passar demasiado tempo nestes sites durante o horário de trabalho?
Nós oferecemos aulas de Twitter, mas são opcionais e são para os colaboradores aprenderem a registarem-se no Twitter, a usar as suas funcionalidades e a usar ferramentas relacionadas. Nós não damos orientações específicas para além de lhes dizerem para serem verdadeiros e usarem o seu senso comum.
Cabe aos colaboradores decidir sobre o que querem escrever no Twitter. Como referi anteriormente, o principal objectivo é fazer com que os colaboradores se liguem entre si, pelo que a grande maioria dos tweets são sobre as suas vidas pessoais.
Relativamente ao que um colaborador teria de fazer para ser despedido, seria algo que não fosse consistente com os nossos valores nucleares. Mas isso não tem só a ver com o Twitter: se um colaborador fizer algo que não é consistente com os nossos valores, através do Twitter, do telefone ou em pessoa, temos de considerar se a pessoa é para a Zappos.
Zappos.tv
A Zappos.tv produz vídeos bem humorados para promover os comportamentos desejados.
Como este sobre a utilização do Twitter
As pessoas enganam-se. Alguma vez tiveram de lidar com situações embaraçosas causadas pela actividade de empregados da Zappos em sites públicos?
Assim de repente não consigo pensar em nada.
A Zappos introduziu no ambiente de trabalho, conscientemente, ferramentas que permitissem criar elos mais fortes entre os colaboradores. Planearam o vosso espaço físico de trabalho de forma a ajudá-los nesse mesmo objectivo e a ajudar na partilha de conhecimento?
Não planeámos nada conscientemente mas damos aos nossos colaboradores a liberdade e encorajamento para decorarem o espaço. Se fôr numa visita guiada aos nossos escritórios, verá que cada cubiclo e cada corredor é diferente e que cada sala de reuniões é diferente. Isso faz com que os colaboradores se sintam mais em casa (ao invés de estarem num ambiente estéril que não leva à partilha de conhecimento, etc.).
A Zappos organiza visitas guiadas aos seus escritórios. Ajuda a construir a sua imagem e ajuda as organizações que a visitam a aprender com a forma como a Zappos trabalha. Como é que a Zappos aprende com as outras organizações?
Quando as outras organizações visitam os nossos escritórios, conseguimos muitas vezes aprender com eles. Não temos um processo formal para essa aprendizagem.
Muito bom. Vou divulgar internamente aqui no Funbio, pois acho que essas idéias podem nos ajudar muito a mudar nossa maneira de agir, de avaliar o desempenho e de trabalhar a cultura para a gestão do conhecimento organizacional.
Muito bom post.
Vale a pena ser mostrado.
Õtimo artigo. Gostaria de conhecer a Zappos e ver de perto como funciona. Parece MUITO bom!