Brickstarter

Em 2012, na Finlândia, nasceu um projeto. Em 2013 esse projeto morreu. Mas ainda que o projeto tenha morrido, é muito o que tem para nos ensinar sobre aprendizagem, e captura e retenção de conhecimento.

O projeto Brickstarter, realizado pelo fundo de inovação finlandês (Sitra), queria testar uma nova forma de envolver a sociedade civil no processo decisório de uma cidade. Para tal, desenvolveu um modelo para tomada de decisão partilhada sobre a utilização de espaços públicos numa dada região geográfica.

O modelo inspirou um projeto no município finlandês de Kotka mas não se pode dizer que o Brickstarter tenha sido um sucesso. Ainda assim, o Brickstarter apresenta um conjunto de pormenores que merecem destaque.

Foco no processo

Havendo uma plataforma digital envolvida, seria expectável que a Sitra tivesse avançado para a sua implementação, mesmo que numa lógica de perpetual beta. Porém, a equipa, coordenada por Bryan Boyer e Dan Hill, apostou “apenas” na definição do modelo e na especificação funcional e de interface. Regeram-se pelo princípio de que o modelo, e consequentemente a plataforma digital, só seriam implementados em colaboração com uma autarquia interessada.

A riqueza desta abordagem consistiu precisamente no diálogo gerado em torno do modelo que ia sendo desenhado. Foi gerador de ricas conversas, centradas no processo e nas questões contextuais que jamais poderiam ser resolvidas com a implementação precoce da plataforma digital.

Como escreve Dan Hill, cada botão, cada palavra, cada elemento numa página tornou-se o reflexo de uma decisão, de uma estratégia, de uma tentativa de direcionar ou educar.

Brickstarter - sketches

Os esboços que Dan Hill ia fazendo eram reflexo da aprendizagem contínua da equipa à medida que falavam com os diversos stakeholders.

 

Pedagogia

Uma das preocupações do projeto Brickstarter foi a educação da sociedade civil. Para a equipa era importante que os cidadãos ganhassem uma maior consciência das implicações práticas, processuais, financeiras e legais associadas à implementação de uma ideia.

Nesse sentido, o modelo incluía workflows que deixavam transparecer os procedimentos autárquicos; previa cenários de interação que evidenciavam quaisquer restrições legais e orçamentais; e co-responsabilizava os cidadãos pela execução das propostas apresentadas.

Brickstarter - workflow

O Brickstarter procurava um papel pedagógico, dando a conhecer à sociedade civil o processo e o esforço necessários à concretização de uma ideia em espaço público.

 

Colaboração

O modelo desenvolvido pelo Brickstarter incluía uma plataforma digital. Contudo, entendia que muito do trabalho e do debate acontece de forma presencial. Assim, a plataforma foi pensada essencialmente para divulgar necessidades, dar visibilidade às ideias, e ajudar os cidadãos a encontrar outras pessoas com interesse na resolução dos mesmos problemas. A plataforma era, no fundo, um elemento para potenciar ligações e facilitar a formação de grupos de trabalho.

A plataforma era também um instrumento para captar e preservar o trabalho, o raciocínio e as decisões tomadas.

Aprendizagem

Tanto o projeto Brickstarter como o modelo concebido pelo projeto revelam uma enorme preocupação com o processo de aprendizagem e de captura de conhecimento.

Do ponto de vista do modelo, este previa a existência de um conjunto de “organizadores” responsáveis por garantir que na plataforma digital ficariam registadas quaisquer interações realizadas fora dela. Assim, por exemplo, se no contexto de uma das propostas para aproveitamento de um espaço público fossem realizadas sessões presenciais de debate, caberia aos “organizadores” documentar essas sessões na plataforma. Os objetivos eram informar e manter envolvidos todos os interessados, garantir a transparência do processo e registar a aprendizagem decorrente do percurso realizado.

“Our task is to devise a way for civic entrepreneurship to scale, and that means we need to get beyond person-to-person transmission of knowledge and know-how. The trick for us is to design the platform’s functionality to ambiently produce useful learnings. How? By keeping a public record of how a project is developed, one that’s legible to others who happen upon it.”

Mas também o próprio projeto Brickstarter, primou pela sua documentação. Ainda que o livro Brickstarter (Boyer e Hill, 2013) seja hoje o legado mais conhecido, o mais rico será provavelmente o blogue que acompanhou a execução do projeto.

Nesse blogue a equipa foi registando notas de entrevistas realizadas, informação sobre iniciativas relacionadas, e a forma como diferentes inputs iam moldando o seu pensamento e fazendo evoluir os rabiscos de Dan Hill até aos gráficos finais. O blogue do projeto Brickstarter é um verdadeiro exemplo de um blogue de aprendizagem e uma fantástica fonte de inspiração para qualquer equipa de projeto.

“Brickstarter is amongst a crop of new efforts which are developed in-house first, with the project team actively engaged in all aspects of both the conception and delivery of the project goals. Posts like this are helpful for keeping a record of where our thinking was at during a particular phase of work, but it’s also important to play out the process of designing and developing a product in public.”

Por exemplo, no final de um dos posts, Bryan Boyer aborda alguns possíveis cenários para a implementação do modelo proposto pelo Brickstarter: vir a ser gerido pela Sitra, por uma empresa privada ou por uma ONG. Hoje, Bryan é perentório quando diz que o modelo só faz sentido se for implementado e gerido por uma entidade de governo local.

Esta evolução de opinião evidencia a aprendizagem resultante da experiência. Em face desta evidência, surgem questões que ajudam a explicitar essa aprendizagem de forma a que se generalize e sirva para informar novos projetos e decisões.

 

A informação aqui apresentada foi reunida no contexto da participação de Bryan Boyer no Cidadania 2.0 de 2012 e de um projeto realizado para o Governo Federal do Brasil e cujo relatório se encontra disponível.

Nota: As citações apresentadas foram encontradas no blogue do Brickstarter sendo que, à data de escrita deste texto, os respetivos posts de origem não estão disponíveis.

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