Extremamente simpática e disponível, Verna Allee concedeu ao portal KMOL esta entrevista em Novembro do ano passado. Através das suas respostas ficamos a conhecer a sua opinião no que diz respeito à aplicação de algumas das ideias e conceitos apresentados no seu livro The Knowledge Evolution: Expanding Organizational Intelligence (Butterworth-Heinemann, 1997). Podemos ainda saber qual a sua posição face ao teletrabalho e que argumentos utiliza para convencer uma organização de que o investimento que fizerem se traduzirá num aumento de conhecimento colectivo.
Que práticas podem ser adoptadas por uma organização para que a partilha aconteça?
Há dois importantes aspectos da partilha de conhecimento que começam a ser apreciados. O primeiro é o normalmente conhecido como a cultura organizacional. Na British Petroleum eles referem-se a esta como as “condições exactas” para o conhecimento. Ikujiro Nonaka introduziu o conceito “Ba” como o “espaço”, tanto físico como emocional, do conhecimento. Sabemos agora que há um número de condições particulares que devem existir para que as pessoas não só partilhem conhecimento, mas se movimentem no sentido da verdadeira colaboração e criatividade em conjunto. Estas incluem:
- Um ambiente de integridade e confiança. As pessoas devem sentir que vão ser tratadas com justiça pelas suas contribuições. Se se espera que elas tragam o seu pensamento e a sua criatividade para o ambiente de trabalho, elas devem saber que as outras não irão tentar roubar as suas ideias e que irão gozar a recompensa pelo seu conhecimento. Devem também confiar que os compromissos serão honrados e as promessas cumpridas.
- Respeito mútuo. As pessoas precisam de se sentir apoiadas para falarem do que é verdade para si e de saber que tal será recebido como um valioso e importante ponto de vista, mesmo que não seja popular e alinhado com a actual linha de pensamento. Esse respeito deve ser genuíno, suportado por políticas e por um adequado sistema de reconhecimento. Não só precisamos de diversidade racial e cultural para atingir os nossos desafios, como também precisamos de diversos pontos de vista. Apenas através da diversidade, em todas as suas expressões, podemos estar certos de possuir a desejada variedade de perspectivas necessárias para ir de encontro ao complexo ambiente global.
- Um espírito de aprendizagem. É impossível fomentar a partilha de conhecimento se não existe um ênfase correspondente na aprendizagem. Não há razão para partilhar uma ideia inovadora se não há pessoas à procura ou aprendentes com vontade de as experimentar. Além disso, a verdadeira aprendizagem passa pelos erros. Explorar a forma como uma empresa reaje aos erros e às ideias que não funcionam pode dar-nos muita informação. Se uma empresa apenas fala sobre coisas que funcionam, pode estar a evitar correr riscos e fazer experiências que, eventualmente, podem conduzir a verdadeiras inovações. Pense na sua própria experiência. Aprende mais com algo que funciona à primeira ou com algo que não funcionou à primeira?
- Vontade de colaborar verdadeiramente. A maior parte das abordagens de equipa não são sobre colaboração. São sobre cooperação – vamos entender-nos melhor para que cada um consiga realizar o seu trabalho. Isto ainda é sobre aprendizagem individual – não aprendizagem em grupo. Verdadeira colaboração significa encontrar tempo para analisar os nossos pressupostos, explorá-los em conjunto e encontrar pontos de colagem de onde uma nova perspectiva possa emergir. Isto não é algo que façamos bem na maioria dos ambientes de negócio onde, habitualmente, somos bem sucedidos pressuadindo os outros de que a nossa maneira é a melhor maneira. A verdadeira colaboração confia que a nossa maneira será a melhor maneira e que temos de a encontrar em conjunto.
O segundo aspecto do conhecimento é a apreciação de que o conhecimento acontece verdadeiramente em comunidade. Parte da razão pela qual as pessoas demoram tanto tempo a tornarem-se eficazes depois de serem contratadas é porque leva tempo a construir o tecido social do relacionamento que as ajuda a realizar o seu trabalho. A maioria dos nossos modelos de aprendizagem foca nos aprendentes individuais. Com a nossa nova compreensão do conhecimento começamos a focar nas comunidades de aprendizagem, nas redes de conhecimento e nas comunidades de prática.
Imagine que é convidada para ajudar uma organização a gerir o seu conhecimento. Onde começa?
Eu começo sempre pelo caso de negócio. Se o conhecimento é a resposta qual é a questão? Como é que prestar mais atenção ao conhecimento o ajuda a atingir os objectivos da empresa? Se as pessoas não conseguem responder a essa questão não estão verdadeiramente prontas a endereçar os aspectos de gestão em torno do conhecimento. Diferentes objectivos de negócio resultam em tipos muito diferentes de práticas de conhecimento. Algumas empresas põem a maioria dos seus esforços no acesso, análise e partilha de conhecimento sobre o cliente. Podem precisar de costumizar soluções ou talvez sejam bem sucedidos através de venda cruzada ou vendendo “para cima”, isto é, movendo um cliente para o nível seguinte do produto ou serviço. Outra empresa, por exemplo uma empresa tecnológica ou farmacêutica, pode precisar concentrar os esforços do seu conhecimento na inovação de produtos e na sua concretização em tempo útil. Sem uma compreensão cuidada do modelo de negócio da empresa, é impossível desenvolver uma estratégia de conhecimento suportada e implementada com sucesso. Uma das ferramentas primárias que uso é o método Value Network Analysis (Análise da Rede de Valor) para detalhar a forma como o conhecimento e os bens intangíveis suportam as actividades nucleares do negócio.
Acha que as práticas e políticas de gestão de conhecimento dão mais poder aos trabalhadores ou simplesmente reconhecem o poder que eles já possuem?
Sim! A resposta a essa questão não é uma ou outra – são as duas! O enfoque do conhecimento surge, em parte, da apreciação de que as pessoas são verdadeiramente um bem – reconhendo, assim, o quão importante são. Além disso, à medida que se trabalha com práticas de conhecimento as pessoas são mais capazes de levar a sua experiência para projectos mais compensadores para si mesmas e para a empresa. Mantendo o foco no conhecimento, todos ficam a ganhar.
Fale-nos do papel que os nós de conhecimento desempenham numa organização.
Eu penso nos nós de conhecimento simplesmente como pessoas ou grupos de pessoas. Se pensarmos em cada um de nós ou no nosso grupo de trabalho como um nó de conhecimento, então porque estamos aqui? Estamos aqui para converter o que sabemos em valor para a empresa de que fazemos parte. Contudo, quando uso o termo “valor” refiro-me tanto a valor tangível como intangível. Algum do nosso conhecimento é vendido directamente por dinheiro ou usado de formas que conseguimos ligar, muito directamente, ao aumento de receitas ou à redução de custos. Porém, muitas das nossas melhorias derivadas do conhecimento são a criação de valor intangível para a empresa. Se estamos envolvidos no serviço ao cliente estamos a tentar conquistar a lealdade do cliente aumentando o seu nível de satisfação. Isso também é um valor importante para a empresa porque é construindo bens intangíveis que se suporta o sucesso futuro. Assim, quando pensamos em converter o que sabemos em valor, temos também de pensar em termos de intangíveis.
“Os gestores de conhecimento não conseguem verdadeiramente gerir o conhecimento propriamente dito. Porém, eles conseguem e ajudam a definir e suportar processos para aquisição, criação, partilha, e aplicação de conhecimento. Um gestor de conhecimento pode também implicar-se em estratégias para a remoção de barreiras e criação de uma cultura de partilha de conhecimento.” (p.89)
O papel de um gestor de conhecimento mantém-se desde a altura em que escreveu o seu livro (1997) ou sofreu alterações?
Na verdade essa descrição ainda se mantém muito verdadeira. O que mudou desde 1997 foi a ideia que as pessoas tinham na altura de que a aquisição e a partilha era apenas questões tecnológicas. Alguns de nós falavam de cultura, aprendizagem e comportamento humano. Contudo, nos últimos três anos apercebemo-nos mais genericamente que os desafios do conhecimento são 15% tecnologia e 85% comportamento humano. Vi mais iniciativas falhar porque as pessoas não tinham uma estratégia coerente ou não endereçavam seriamente os aspectos humanos, do que por causa da tecnologia. Todos os Chefes de Conhecimento (Chief Knowledge Officers) que conheço lhe dirão que a tecnologia é a parte fácil. Contudo, as companhias continuam a gastar milhões comprando tecnologia inapropriada.
Como pensa que esse papel irá evoluir a partir de agora?
Creio que continuaremos a ver um ênfase no conhecimento, aprendizagem e intangíveis. A indústria e a manufacturação são uma percentagem cada vez menor da economia global à medida que productos tecnológicos mais sofisticados, serviços e experiências mediáticas dominam a paisagem económica. Todos estes estão altamente dependentes da inovação e de uma força de trabalho bastante literada. A linguagem pode mudar, podemos não lhe chamar gestão de conhecimento, mas a nosso enfoque mudou de uma forma fundamental. Afinal de contas, a questão de gestão em causa é bastante simples. “A que prestamos atenção para sermos bem sucedidos?” Claramente o conhecimento e a aprendizagem são daquelas coisas a que temos de prestar atenção na nova economia.
“Muita da aprendizagem de uma organização resulta de interacções diárias, e muitas vezes não planeadas, entre as pessoas.” (p. 93)
Acha que o teletrabalho pode parar, ou atrasar, este processo?
O teletrabalho, as equipas virtuais e uma força de trabalho muito dispersa têm certamente mudado a natureza da interacção humana no local de trabalho, onde quer que isso seja em cada instante. Esta entrevista não foi feita frente-a-frente. Foi conduzida por e-mail. Isso muda a natureza da entrevista? Claro que sim. Porque as minhas respostas são escritas, tenho tempo de pensar na resposta e de a editar. Assim, entre outras coisas, a minha gramática é muito melhor. Mas isso também significa que não desencadeamos uma sequência espontânea de contra-interrogações sugeridas por algo que estou a dizer. Algumas coisas são perdidas quando o trabalho se torna virtual, mas ganham-se outras. O virtual está aqui para ficar como parte do ambiente de traballho global. O nosso desafio é melhorar a qualidade tanto das interacções virtuais como presenciais e usar cada uma delas de forma apropriada. À medida que desenvolvemos tecnologias de colaboração e video poderemos melhorar a face humana do trabalho virtual.
Aquisição, criação, partilha e aplicação: acha que estas são as fases que constituem o ciclo de vida do conhecimento?
Na verdade eu uso os estados de criação, sustentação, partilha e renovação para descrever o ciclo de vida do conhecimento. Uma vez adquirido ou criado o conhecimento de que precisamos, deparamo-nos com a questão de como melhor o capturar ou guardar para ser reutilizado. Esta é a fase da sustentação onde tentamos estabilizar e codificar o conhecimento de forma a que possa ser mais facilmente partilhado. Depois debruçamo-nos sobre a distribuição ou, melhor ainda, sobre a colaboração para validar, melhorar e refinar o conhecimento. Precisamos ainda focar a nossa atenção no processo de renovação onde retiramos conhecimento que já não é útil ou lhe damos nova forma ou enquadramento para o manter actual. Todos estes são processos humanos colectivos, não apenas uma questão de aparcar alguma coisa numa base de dados.
Como julga que o conhecimento flui numa organização?
Pensei bastante nos fluxos de conhecimento, ou trocas, como prefiro considerar esta dinâmica. Um número de consultores e praticantes do conhecimento tentaram usar uma análise das dinâmicas de sistema das acções e fluxos para compreender o conhecimento nas organizações. Penso que esta é uma abordagem errada. A compreensão que se podem ganhar desta perspectiva são mais sobre fluxos de informação e repositórios de dados. Embora seja importante compreender estes aspectos, eles não estão verdadeiramente no coração da questão do conhecimento. Afinal de contas, o fluxo de conhecimento isolado pode ou não trazer valor para uma empresa. Posso ter imenso conhecimento a circular numa empresa mas isso pode não me manter no negócio. Há questões mais importantes. Como ganho ou beneficio do conhecimento que posso adquirir dos meus clientes e parceiros de negócio? O conhecimento está a contribuir para aumentar os meus lucros ou a ajudar a construir os meus bens intangíveis? Como estou a converter conhecimento em valor para a minha empresa e para outros membros da minha cadeia de valor?
Quem está envolvido na criação dos Diagramas de Análise de Redes de Valor (Value Network Analysis Diagrams)?
A nossa visão tradicional de uma empresa é a cadeia de valor. Essa é basicamente a linha de produção da idade industrial extendida a um modelo de como um negócio funciona. É muito limitativa porque é linear, sequencial e mecanicista. As organizações são muito mais parecidas com um organismo vivo onde há muitas coisas a acontecer ao mesmo tempo. Uma organização tem múltiplos processos e trocas a acontecer na mesma altura – com todas as pessoas relacionadas com o negócio. Além disso, segundo essa forma de pensar, a única maneira segundo a qual o valor é definido é em termos de dinheiro e o único ponto onde o valor acontece é quando um produto ou serviço é entregue ao cliente e o dinheiro é trocado por dinheiro. Bem, as coisas não funcionam assim. As organizações são sistemas sociais e essa perspectiva esquece as dinâmicas e o valor humanos que, na verdade, estão a operar para tornar a companhia um sucesso. Durante o seu dia de trabalho uma pessoa vê-se envolvida em transacções tangíveis e económicas, mas também participa em muitas trocas intangíveis. As trocas tangíveis incluem bens, serviços e receitas – aquelas transacções da cadeia de valor a que tradicionalmente prestamos atenção. As trocas intangíveis incluem todas as trocas de conhecimento e benefícios e favores intangíveis que, na verdade, mantêm as coisas a andar suavemente. Não teremos um verdadeiro entendimento de como o nosso negócio funciona a não ser que analisemos ambos os tipos de transacção e o retorno ou troco que recebemos pelos nossos esforços. A minha Análise da Rede de Valor é uma abordagem dinâmica de todo o sistema que permite às pessoas desenharem o “real” modelo de negócio sempre que elas se envolvam num projecto ou tentem melhorar as suas actividades. Assim as pessoas a envolver numa Análise da Rede de Valor depende do nível de actividade a que se destina. Se for para ser usado estrategicamente, por exemplo para construir um portal de suporte ao e-commerce, então podem-se envolver os executivos de topo e equipas de liderança de outras empresas. Se a análise está a ser usada mais tacticamente, por exemplo para melhorar a qualidade das previsões de marketing, então deve envolver apenas aquelas pessoas directamente envolvidas com esse projecto (parceiros e accionistas).
Imagine que, num desses diagramas, há um fluxo de bens e serviços da empresa para uma entidade externa, e que, na outra direcção, há um fluxo de conhecimento. Como sabe se o investimento da empresa justifica o conhecimento recolhido? E como explica isso à empresa?
O método tem três estádios-chave de análise. Primeiro olhamos para o padrão global de trocas pelo que revelam sobre relacionamentos e fluxo. Estamos a olhar para coisas como:
- o balanço de trocas intangíveis e intangíveis;
- a lógica e a sequência de actividades;
- as ligações em falta quando uma acção não tem resposta;
- becos sem saída quando um fluxo de conhecimento pára de repente;
- restrições e atrofiamentos.
A segunda análise que fazemos é a uma análise de Impacto que nos ajuda a perceber que impacto cada transacção ou fluxo tem sobre todos os actores e accionistas do sistema. Incluimos uma análise de Custo/Risco para determinar se o padrão geral é de aumento ou perda de valor. Olhamos tanto para o impacto no Retorno de Investimento (Return Of Investment) como para o impacto nos bens intangíveis. É aqui que ligamos todos os scorecards intangíveis: Balanced Scorecards, Intangibles Monitors, Intellectual Capital, ou Triple Bottom Line.
O terceiro nível de análise mergulha mais profundamente na questão do valor. Nós criamos valor quer adicionando valor de alguma forma, quer convertendo um tipo de valor noutro. Por exemplo, podemos converter uma troca de conhecimento num novo produto obtendo um bem tangível que podemos vender. Neste terceiro nível de análise olhamos para cada pessoa ou grupo na rede de valor e entendemos como as suas actividades nucleares estão a criar valor para o sistema enquanto um todo.
Assim, a primeira análise olha para os padrões do sistema. A análise de segundo nível olha para os custos e benefícios para cada participante e para todo o sistema. A análise de terceiro nível ajuda as pessoas a entender especificamente como é que as suas actividades estão a criar valor.
Muito bom texto.
Faço porém as seguíntes sugestões:
Onde se lê: Além disso, a verdadeira aprendizagem passa pelos erros. Penso que seria melhor dizer: A verdadeira aprendizagem passa pela ação, que resultará em erros se a ação for desafiadora.
Não é que precisemos errar. O errar é a resposta mais comum de uma busca no desconhecido!
Outro conceito que poderia ser expandido é quando dizes ( escreves!):
Aprende mais com algo que funciona à primeira ou com algo que não funcionou à primeira?
A meu ver fica faltando:
Se funciona à primeira, podemos estar sendo vítimas de uma agradável coincidência, sem perceber todas as variáveis intervenientes.
Mas no geral o texto está muito bom!
Parabéns