Com licenciatura e mestrado em engenharia informática e doutoramento em inteligência artificial, Etienne Wenger cunhou em 1991 o termo “Comunidade de Prática” e por isso se tornou conhecido. As comunidades de prática foram, exactamente, o tema desta conversa. Etienne fala-nos das suas vantagens, dos seus elementos, do papel das organizações na sua criação e no seu aproveitamento.
Como define uma Comunidade de Prática?
Uma Comunidade de Prática (Community of Practice – CoP) é um grupo de pessoas que partilha um interesse, digamos um problema que enfrentam regularmente no trabalho ou nas suas vidas, e que se junta para desenvolver conhecimento de forma a criar uma prática em torno desse tópico.

Etienne Wenger
Um exemplo seriam três designers numa empresa automóvel. Eles têm uma prática em comum e se interagirem começam a desenvolver uma determinada forma de realizar o seu trabalho. Isto é o que os torna uma comunidade de prática, em oposição a uma comunidade de interesse. Uma pessoa pode-se interessar muito por cinema Francês, mas não é um praticante. Pode ler críticas aqui, participar numa discussão através da internet, mas não é um praticante.
Há três elementos na definição de comunidades de prática. Um é o domínio: tem de haver um assunto sobre o qual a comunidade fala. O segundo é a própria comunidade: as pessoas têm de interagir e construir relações entre si em torno do domínio. Uma página na web não é uma CoP. Ou, se houver sessenta gestores que nunca se falam, eles não são uma CoP ainda que desempenhem as mesmas funções. Tem de haver uma comunidade. O terceiro é a prática: tem de existir uma prática e não apenas um interesse que as pessoas partilham. Elas aprendem juntas como fazer coisas pelas quais se interessam.
Qual é a importância de uma comunidade de prática para um indivíduo?
Bem, na verdade, as comunidades de prática bem sucedidas são, geralmente, as que são importantes tanto para o indivíduo como para a organização. Além disso, para um profissional, é essencial pertencer a uma CoP porque é muito difícil saber tudo: é necessário colegas, pessoas com quem falar sobre os problemas, a quem pedir ajuda e informação. Há muito para ler, muitas conferências para assistir… É impossível uma pessoa saber tudo.
Além disso, muitas equipas fazem um projecto e depois separam-se. Assim, os peritos vão de um projecto para outro e, de cada vez, nesses projectos, eles são os únicos a contribuir para o projecto com conhecimento nessa área. Eles não têm colegas. Eles têm membros de equipa mas estes têm funções diferentes porque as equipas são compostas por pessoas de várias partes da organização. Por isso, é importante que esses profissionais tenham possibilidade de estar com um colega que realmente compreenda a forma como eles vêem o mundo.
Então o que está a dizer é que um indivíduo pode mudar de equipa mas sente sempre que pertence a uma comunidade de prática.
É isso mesmo. O indivíduo pode ter um lugar estável, onde tenha um sentimento de pertença, enquanto muda de equipa para equipa. Para o indivíduo isto pode ser muito importante. A sua equipa não está interessada nas suas ideias. Apenas quer atingir o seu objectivo.
Então um indivíduo deve estar sempre consciente de que pertence a uma comunidade de prática?
Bem, eu penso que depende no tipo de contacto em que está a pensar. De facto, muitas pessoas pertencem a CoPs e não se apercebem disso. Desde que seja informal, não há qualquer tipo de requisitos de desempenho. Penso que isso está bem. Uma colega minha estava a fazer um trabalho num hospital e viu que as enfermeiras se juntavam à hora de almoço e falavam de casos. O almoço tornou-se a sua principal fonte de conhecimento mas elas não estavam conscientes disso.
Mas pensa que as vantagens de pertencer a uma comunidade de prática também se podem sentir numa pessoa que não se apercebe que pertence a uma?
Decididamente! Há imensos benefícios em pertencer a uma CoP, mesmo que não se esteja consciente disso. Decididamente! Porque se vai partilhar conhecimento, recolher informação, e ter acesso a novas ideias. Tal como estas enfermeiras: elas trabalhavam à volta da mesa do almoço. Falavam de casos que conheciam e podiam referir-se a eles. Era quase como se fosse a sua história. O facto de que elas não viam estes almoços como uma CoP não diminuiu os benefícios.
Mas, se se puder dizer “vocês são uma comunidade de prática”, há outras coisas que se podem fazer. Pode haver uma vantagem em estar consciente sobre o desenvolvimento de uma CoP, levando-a pelas várias etapes de desenvolvimento. E se uma comunidade fica consciente torna-se mais capaz de se ir movimentando por essas etapes e mais responsável pelo conhecimento que está a desenvolver.
Vimos comunidades que são informais: não tomam responsabilidade pelo seu conhecimento. Entretanto, algumas comunidades, especialmente no contexto da gestão de conhecimento, estão a tornar-se muito conscientes sobre “quem mais deveria pertencer à nossa comunidade?”, “onde, no mundo, há mais pessoas como nós que deveríamos contactar?”, “a que conferências devemos mandar os nossos membros?” e adoptam uma abordagem muito estratégica no desenvolvimento do seu conhecimento. Mas para se desenvolver o seu conhecimento, deve-se estar consciente de pertencer a uma comunidade de prática.
Pensa que as pessoas se contentam em pertencer a uma comunidade de prática por causa destes benefícios, ou necessitam de ser recompensadas para participarem activamente?
Essa é uma pergunta muito difícil! As pessoas nesta área ainda não se definiram em relação a isso. Obviamente, é necessário reconhecer as pessoas pelas contribuições que fazem. Mas, recompensá-las de forma demasiado específica, por exemplo dizendo “OK, por cada informação que colocares na página web recebes $100”, isso é complicado. Assim, o que a maior parte das organizações faz é trazer a participação em CoPs para a avaliação de desempenho. Pode dizer ao seu chefe “fiz isto, isto e isto” e as pessoas reconhecem e contabilizam esse trabalho para a sua promoção. Mas se uma empresa diz “nós compensamos este comportamento e castigamos este” está a manipular. Por isso, penso que, em termos de gestão de desempenho, podem-se estabelecer grandes aspirações para as comunidades mas é complicado compensar de acordo com coisas determinadas anteriormente.
E o que acha que as organizações podem e devem fazer para impulsionar a criação de comunidades de prática?
Podia escrever um livro só sobre essa questão. É uma questão importante para as organizações e há muitas abordagens. Há coisas genéricas como encorajar a participação, reconhecer a participação, alocar recursos, dar voz às comunidades e envolvê-las nas decisões. Por exemplo, uma comunidade estava muito aborrecida porque a empresa adquirira outra no domínio dessa CoP e não a consultara. Eles sentiram “Ei, espera lá, nós somos uma comunidade. Porque é que não nos consultaram?”. As organizações devem envolvê-las em decisões de negócio. Isto é complicado porque, como as comunidades têm um carácter informal, não é possível microgerí-las. Por isso é que a questão da recompensa é tão complicada. Os gestores não podem simplesmente manipular e microgerir as comunidades. E, às vezes, quando se diz isto aos gestores a sua primeira reacção é “Bem, então só tenho de as deixar em paz”. Mas também não se pode só deixá-las em paz, porque assim estar-se-ia a marginalizá-las. É necessário envolvê-las na gestão da organização e dar-lhes independência para desenvolverem o seu conhecimento.
Outra coisa é estabelecer grandes aapirações para a comunidade. As organizações deveriam dizer “Ei, o conhecimento é importante para nós. Nós queremos que esta comunidade seja vibrante e excitante e nós vamos alocar recursos.” Um recurso que nós percebemos realmente importante é ter pelo menos uma pessoa para quem coordenar a comunidade é parte do seu trabalho. Independentemente do interesse das pessoas, elas têm imensas prioridades concorrentes. E assim, se houver uma pessoa para quem a comunidade é, por exemplo, 20% das suas funções, então isso passa a ser uma parte importante do seu trabalho e ela pode reunir esforços para juntar as pessoas e lançar a comunidade. Este é um importante recurso que as organizações podem disponibilizar para impulsionar comunidades.
Há muitas coisas que as organizações podem fazer e algumas organizações tornam-se muito explícitas quanto ao facto de quererem construir uma iniciativa de conhecimento em torno de comunidades. Criam uma equipa de suporte que vai ajudando a criar comunidades. Imagine um grupo de engenheiros que quer criar uma comunidade. Eles nunca pensaram em como construir uma comunidade. Eles podem precisar de uma pequena ajuda de alguém que tenha experiência de criação de comunidades.
Outra coisa que as organizações precisam fazer é encontrar suporte na gestão de topo. Ela irá patrocinar estas comunidades e dar legitimidade ao seu trabalho.
E o que pensa que elas podem fazer para aumentar e tirar partido da aprendizagem que resulta da actividade das comunidades de prática?
Isso é outro livro… Primeiro de tudo, estabelecer o facto de que a aprendizagem é importante. E isso pode ser estabelecido no comportamento da gestão de topo: não se devem olhar apenas para os resultados a curto prazo. Deve-se colocar um ênfase na aprendizagem. E depois, na prática, se se diz “aprender é importante, aprender é importante” e a avaliação do desempenho das pessoas só considera tarefas realizadas, o que é que as pessoas fazem? Aquilo em que avaliação se baseia. Está tudo na criação de uma cultura de aprendizagem e na implementação de um sistema de avaliação adequado.
Que papéis existem numa comunidade de prática? Existe um líder?
Nós consideramos dois tipos de papéis diferentes: os que são atribuídos e os que emergem da interacção. O mais importante papel que se pode atribuir é o de coordenador. Esse papel não é normalmente atribuído ao maior perito porque este geralmente não tem tempo para se envolver na criação de comunidades. Mas é muito importante que o líder conheça o domínio da comunidade.
Mas há outros papéis. Um deles é o de bibliotecário, alguém que se responsabiliza pelos documentos. Porque uma comunidade se pode tornar demasiado complexa, se tiver uma presença na web ou uma base de dados de documentos, ao longo do tempo isso torna-se impossível de gerir. Por isso é bom ter uma pessoa que se responsabilize pelo repositório de documentos. Às vezes o coordenador pode fazer isso mas grandes comunidades podem ter uma outra pessoa.
Outro papel é o do perito. É um papel importante. Muitas vezes o perito sente “porque me devo envolver numa comunidade? Eu sou o perito…”. Assim, é preciso algum trabalho para assegurar que o perito é envolvido porque se isso não acontece os membros da comunidade vão pensar “ei, espera aí, esta comunidade não está na linha da frente, é apenas um grupo de principiantes.”.
Outros papéis podem ser os corretores: pessoas que pertencem a duas comunidades e que criam uma ligação entre ambas. Penso que estas pessoas desempenham um papel muito importante criando relações entre comunidades porque podem entender a linguagem de ambas e, por isso, tornarem-se tradutoras.
Outro papel, mais emergente que atribuído, é o núcleo central. O núcleo central é importante porque numa comunidade há diferentes níveis de participação: pessoas que participam muito porque estão mesmo interessadas, pessoas que participam ocasionalmente porque estão interessadas e são praticantes mas não querem envolver-se demasiado, e pessoas na periferia que podem ser principiantes ou só querer ouvir para estar informadas e se manterem actualizadas. Por isso é importante ter um grupo de pessoas que estão mesmo envolvidas: elas dão energia à comunidade e mantêm-na viva. Este não é um papel que apareça no cartão de visitas, tipo “Pertenço ao núcleo central”, mas é, ainda assim, muito importante.
As CoPs criam a sua própria linguagem ou é porque partilham uma linguagem que os indivíduos se juntam?
Normalmente é um pouco dos dois. As CoPs decididamente criam a sua própria linguagem porque, ao longo do tempo, precisam de atalhos e, se se sentar junto de uma comunidade que se esteja a desenvolver há algum tempo, vai ser difícil perceber do que estão a falar. Ela tem as suas próprias referências à sua própria história. Parte da construção de uma prática é o desenvolvimento de uma linguagem para falar dessa prática. E se olhar para as CoPs, elas desenvolveram um calão próprio. Isto porque, se for um praticante e trabalhar em conjunto com outros, tem de ser eficiente.
Agora, será que têm de partilhar a mesma linguagem para começar? Bem, isso não é necessário. É mais fácil, numa organização, começar uma CoP entre pessoas que têm um passado comum, mas não é essencial. Ao longo do tempo, vão falando uns com os outros e desenvolvem uma linguagem partilhada.
E em relação ao contexto? Qual considera ser o papel do contexto nas CoPs?
Há vários níveis de contexto. Um contexto é a organização e este é muito importante porque as pessoas vivem em organizações e aí têm de ser bem sucedidas. Assim sendo, as organizações podem fazer um grande diferença favorecendo CoPs. Ou colocando obstáculos… Numa organização, onde construímos algumas comunidades, o CEO veio e disse, “Não quero saber de porcaria nenhuma sobre comunidades!”. Ele baniu comunidades e eu fiquei triste porque pensei “Não fizemos bem o nosso trabalho. Se tivessemos feito bem o nosso trabalho o CEO não teria sido capaz de fazer isto porque a linguagem das comunidades já estaria tão enraizada na organização que teria sido impossível.”. Mas, alguns anos mais parte, ouvi uma pessoa dessa organização dizer que algumas dessas comunidades ainda existiam. Assim, eu penso que há um limite para o que o contexto pode fazer. Estas comunidades têm uma vida própria.
Mas ainda há outro nível de contexto: dentro da comunidade, a comunidade pode ser um contexto de si mesma. A prática é o contexto para a discussão de problemas. Por isso, a linguagem que a comunidade constrói ao longo do tempo torna-se o contexto para as pessoas trocarem ideias.
Outro nível de contexto é muitas vezes o domínio. Muitas comunidades nas organizações são parte de um campo de prática mais alargado. Se for uma desenhadora de circuitos electrónicos, não há apenas a sua comunidade no mundo inteiro a fazer isso. Este é outro contexto para as comunidades: “onde é que no mundo posso encontrar outras pessoas interessadas nestes assuntos?”.
Eu buscava informações sobre comunidades de prática e li a entrevista com Etienne Wenger. Achei ótima. Parabéns!
Venho trabalhando com conhecimento tácito e comunidades de prática em ambientes de organizações de aprendizagem, e gostaria de parabenizá-los pela excelente entrevista com Etienne Wenger.
Estou a achar muito interessante o conteúdo do vosso Portal. Li a entrevista com Etienne Wenger, que está extraordinária! Muito parabéns pela qualidade do vosso trabalho.
Muita boa essa entrevista com Wenger, buscava informações sobre Comunidades de Prática para o meu TCC e essa entrevista ajudou muito. Grata!
Los intereses comunes dentro de una organización, efectivamente, se resuelven muchas veces de forma informal. En el ejemplo del texto las enfermeras aprovechaban el almuerzo para comentar problemas y situaciones afines. Pero esto, considero, es posible cuando existen organizaciones sanas; es decir, cuando en una organización el uso de esta modalidad es sinomimo de libertad de acción y opinión por parte de sus miembros; pero, existe una tendencia donde las cosas de hacen tal como aparecen en los manuales, donde el jefe es el quien toma las decisiones. Un liderazgo abierto es un factor que se debe considerar, para que se puedan dar estas comunidades de práctica; donde los miembros de una organización puedan sentir que su opinión, después de participàr en estas comunidades de práctica.
Eglee, muito obrigada pelo seu comentário. O que diz é 100% verdade. As comunidades de prática informal nas organizações só crescem se: a) a sua actividade, ideias e “tempo” for aceite e respeitado pela organização, b) se os benefícios pessoais de pertencer à comunidade forem maiores que os obstáculos impostos pela organização ou c) se a actividade da comunidade for “à-parte” da organização (fora do horário de trabalho, por exemplo) e, às vezes, contra (partes de) a própria organização.
Efectivamente, Ana, este tipo de practicas organizacionaeles (Comunidade de praticas), tienen éxito en los entes privados. De ahí que muchas de esas organizaciones son exitosas porque escuchan las sugerencias de su personal técnico y profesional; especialmente cuando esas sugerencias son producto del intercambio de ideas y de prácticas entre pares. Pero, como me gustaría que en nuestros países latinoamericanos el sector público se abra y “escuche” al personal técnico y profesionales; particularmente, los que trabajan en las denominadas empresas del Estado, muchas veces quebradas (falidas) y respirando a duras penas com una bomba de oxígeno a cuestas. Llevando así una vida artificial llena de pérdidas paa el país. Gracias por atender estas observaciones. Egleé Belisario (Venezuela)
Ana Neves: ¿No es el factor político de un país, como variable externa, factor perturbador en las comunidades de practicas? A pesar del interes de compartir con otros colegas posibles soluciones a problemas, o nudos críticos, en el medio laboral, la variable política descarga su peso en la motivación del personal técnico de las organizaciones. Pues, lo político viene cargado de decisiones autoritarias (“se hace así y punto”) que los miembros de una organización (especialmente las públicas) se ven obligados a obedecer. La necesidad salarial, mas que el reconocimeinto profesional aflora en primera línea.
Muito obrigada pelo seu comentário, Eglee.
Penso que tem razão. Na verdade as questões políticas afectam muito a forma de trabalhar e planear das organizações, especialmente as públicas. E isso tem consequências em muitas áreas das organizações.
No entanto, as comunidades de prática saudáveis, quando “não oficiais”, conseguem passar ao lado das questões políticas. Porquê? Porque se movem por questões totalmente independentes da política: a aprendizagem e o tópico central da comunidade.
O Estado é péssimo administrador de empresas, especialmente nos países em desenvolvimento. E para piorar, me parece que a corrupção só tem aumentado em todos os lugares. Em ambientes assim é até arriscado tentar mostrar bom desempenho.
É triste admitir que, mesmo sendo parte de um grupo de ensino/aprendizagem, como educadora, não me percebo numa comunidade de prática. Cada está pensando e fazendo o que quer, como quer, sem se importar com o outro. Esse texto deveria ser compartilhado com todos os que de alguma forma constroem educação nesse país. Parabéns ao autor. Excelente texto.
Parabéns! Fiquei satisfeita pelas as informações transmitida por este blog.Ele servira para desenvolver novas ideias em relação ao tema em discussão. Passarei estas informações para outros amigos e companheiros de trabalho interessadas pelo tema.