José Manuel Canavarro fala-nos das organizações, das instituições de ensino superior, do que está mal e do que está bem, do que se pode fazer para melhorar, e do que instiga a aprendizagem.
No seu livro “Teorias e Paradigmas Organizacionais” apresenta vários tipos de organização. Qual aquele com que mais concorda?
Apresento diferentes formas de pensar uma organização, formas essas que podem ser interpretadas como metáforas, à semelhança do que um autor chamado Gareth Morgan propõe. A única originalidade do meu pequeno livro consiste num ensaio de classificação, que adianto com base em critérios epistemológicos. No entanto, não deixa de ser legítimo dizer-se que podem corresponder a diferentes tipos de organizações.
Responder qual a forma que merece a minha concordância é muito difícil. Toda e qualquer forma de organizar pode fazer sentido e pode conduzir à eficiência, desde a forma mais clássica à mais pós-moderna, porque organizar é uma actividade ou um conjunto de actividades francamente contingente. Enfim, procurando responder à pergunta, diria que as formas de organizar que respeitam o indivíduo, que promovem o conhecimento e o trabalho em grupo e o trabalho por objectivos me são mais simpáticas.
E qual o que me melhor descreve as organizações portuguesas?
As organizações portuguesas constituem uma realidade vasta e fragmentada. Talvez a maioria delas ainda se reveja numa forma de organizar mais clássica, designadamente a maioria das pequenas e médias empresas industriais e, com outros contornos, a administração pública que constitui, infelizmente a meu ver, o grosso da organização portuguesa. Apesar desta leitura da fatia maior do bolo, existem seguramente organizações portuguesas interpretáveis por metáforas mais recentes. Destacaria o sector financeiro, designadamente os grupos económicos mais pequenos, a indústria que emprega mão-de-obra altamente especializada e, obviamente, todo o conjunto de empresas da chamada “nova economia”.
Qual é, hoje em dia, o papel das equipas virtuais nas organizações?
A organização que aprende ou organização aprendente será seguramente aquela que possibilita, que promove, que anseia e que reconhece a capacidade de aprender daqueles que a compõem. É uma organização que entende o conhecimento como um factor estratégico do desenvolvimento da organização, isto é, conhecer e utilizar esse conhecimento são objectivos da organização, perspectivados num plano conciliatório, nem sempre equitativo, entre o trabalhador e a organização. Para tal, existirão vários desideratos, entre os quais destacaríamos os seguintes: definição clara de objectivos conjugada com uma certa flexibilidade procedimental (sabe-se onde se quer chegar mas existe alguma margem de liberdade no modo para se lá chegar); acesso à informação e circulação de informação (não significa que todos acedam a toda a informação); trabalho em equipa (espírito de partilha e visão de conjunto); abertura ao exterior (atenção ao cliente e a toda a conjuntura); capacidade de auto-reflexão (capacidade plena para avaliar e corrigir).
Há quem afirme que o conceito de organizações aprendentes não existe pois as organizações não aprendem: quem aprende são os indivíduos. O que pensa disto?
É uma discussão que não faz muito sentido. A organização é uma criação humana. Dizer-se que uma organização aprende não deixa de ser um registo metafórico, porque quem aprende são as pessoas que trabalham na/para a oraganização. No entanto, a organização aprendente vale como conceito, permite caracterizar e distinguir formas de organizar. Face ao exposto, acho que o conceito de organização aprendente existe, porque é viável.
Quais as motivações que levam as pessoas a partilhar conhecimento dentro de uma organização?
A pergunta é de resposta muito simples, ainda que seja uma pergunta complicada. As motivações para partilhar no contexto organizacional serão seguramente as mesmas que levam as pessoas a partilhar em qualquer outro contexto – estarem fisicamente próximas; terem afinidades (objectivos comuns, no caso organizacional); existir confiança; verificar-se que da partilha resulta algo mais, sendo que esse algo mais não se deverá traduzir apenas em ganhos intelectuais e sociais (ainda que sejam importantes). Uma organização voltada e estruturada para o conhecimento deverá, como qualquer outra, incentivar e premiar os seus colaboradores que cumprem objectivos (e apoiar aqueles que não conseguem). No plano dos incentivos e prémios, defendo uma abordagem mista que não esqueça incentivos e prémios materiais ou afins (acréscimos ao vencimento; fringe benefits; recursos e cursos para actualização pessoal) conjugados com outros de carga mais simbólica.
Criar uma estrutura e um clima organizativos fundados nestes pressupostos e propícios a tudo isto é que não será fácil. Pelas razões mais diversas, pautadas por factores culturais. Infelizmente, a tradição ainda vai sendo o que era…
Qual a importância das comunidades no seio das organizações enquanto veículo de mudança e criação de conhecimento?
A acção de organizar assenta num colectivo e numa integração de diferentes colectivos poderá ser uma forma de potenciar a mudança e a criação de conhecimento. Equilibrar perspectivas intra e inter-comunitárias será o grande desafio. Não bastará facilitar a vivência no seio duma comunidade mas promover os pontos de contacto e a concretização desses pontos de contacto em intervenções mais ou menos pontuais numa perspectiva intercomunitária. À semelhança do cenário macroeconómico, onde a globalização é o pano de fundo, a organização deverá promover a globalização interna sem, contudo, pretender “cilindrar” as pequenas comunidades que nela co-existem, aproveitando os nichos internos de mercado para concitar todo o seu desenvolvimento.
Considera que as instituições académicas estão a caminhar na direcção das organizações aprendentes?
Mais uma pergunta difícil, à qual não se pode responder simplesmente – Sim ou Não.
Primeiro, os aspectos positivos, que se centram na formação dos alunos: – creio que as instituições escolares estão a caminhar no sentido de promoverem pessoas mais capazes de aprender e mais facilmente inseríveis em organizações modernas e flexíveis. A introdução de novas formas de ensino-aprendizagem, a valorização do trabalho colectivo e colaborativo e o apelo a novas tecnologias são exemplos de esforços nesse sentido. No entanto, parece-me que seria importante conciliar tudo isto com aquilo que se designa como a formação clássica, que apela para variáveis psicológicas como a atenção e a memória porque são instrumentos fundamentais para a aprendizagem, mesmo, ou sobretudo, quando partilhada. Levaria muito a responder a esta questão, que é sobretudo política e logo totalmente fora deste contexto, mas mesmo sem grandes reformas será possível melhorar e muito o caminho que se tem vindo a traçar no nosso sistema educativo.
Por último, referirei o que não é tão positivo e o que ainda afasta as organizações académicas, sobretudo as do ensino superior público, do paradigma da aprendizagem organizacional. A organização interna destas instituições não as ilustra. Encontramos associados traços burocráticos profundíssimos e uma rigidez procedimental absurda conjugadas com uma pseudo-democraticidade inflexível, passe o paradoxo, e potenciadora da maior ineficiência. Não existe uma gestão profissional, não existem (só existem no papel) planos estratégicos, não existe (em muitos dos casos) liderança, não existe responsabilidade gestionária. São organizações que, pesem algumas excepções, vão sendo geridas de forma casuística e sempre na procura de equilíbrios internos. A gestão das Universidades públicas faz-me sempre lembrar a gestão dum condomínio dum prédio e as reuniões dos órgãos decisórios Universitários fazem-me lembrar assembleias de condóminos. Fala-se muito, faz-se pouco e há sempre um indivíduo ou um grupo de indivíduos que boicotam quase tudo, se não forem eles a assumir a gestão. Em boa verdade, quando a assumem, pouco ou nada fazem (e o pouco que fazem é para benefício próprio).
É urgente e deveria ser uma prioridade nacional alterar todo o enquadramento gestionário-legal do ensino superior público e só após essa alteração pensar nas vias para gerir os recursos humanos dessas instituições (sobretudo, os professores). Alterar os instrumentos de gestão de pessoas (por exemplo: os Estatutos de Carreira dos Docentes) sem alterar a forma de se fazer uma gestão global não lembra ao Diabo.
Para concluir e para que não se depreenda das minhas palavras que as instituições privadas do ensino superior estão mais próximas, que as congéneres públicas, do paradigma da aprendizagem organizacional diria que, por motivos um pouco diferentes, o afastamento é idêntico. As instituições privadas vivem com grandes constrangimentos legais, determinados centralmente pela tutela ministerial, e essa é uma parte do problema porque limita todo e qualquer acto duma gestão mais evoluída, obrigando-a a ser quase tão burocrática como a das instituições públicas. A outra parte do problema remete para, na maioria dos casos porque existem excepções, uma orientação excessivamente virada para o lucro imediato, não se privilegiando componentes fundamentais do ensino superior como a investigação.
Remataria, fazendo uma ressalva – tracei um quadro geral pessimista. Felizmente, existem excepções em ambos os casos, público e privado.