Paulo N Figueiredo

O que caracteriza as empresas de economias emergentes?

Paulo N FigueiredoSão as empresas que operam em economias de industrialização recente, cujo desenvolvimento industrial ainda apresenta ‘brechas’, que podem ser de diferentes proporções, em relação à fronteira tecnológica internacional, como é o caso de países da América Latina, como o Brasil, México e Argentina, de vários países da Ásia, como Índia, China, Malásia, Taiwan, Tailândia, de países do Leste Europeu e de alguns países da Europa ocidental como, por exemplo, a Grécia, Espanha e Portugal. Empresas nesses países normalmente enfrentam três tipos de obstáculos para competir no mercado mundial. Primeiro, elas se encontram deslocadas dos centros de inovação, pesquisa e desenvolvimento (P&D) e de adequadas infra-estruturas científico-tecnológicas; segundo, há o obstáculo mercadológico, tais como exigências de certificações específicas ou barreiras protecionistas que normalmente impedem que seus produtos e serviços sejam comercializados nos mercados desejados; e, finalmente, há a barreira tecnológica. Empresas de economias emergentes, ou ‘em industrialização’, sempre começam seu negócio a partir de tecnologia adquirida de outras empresas em outros países. Seu desafio inicial é adquirir a tecnologia adequada e usá-la produtivamente em seu negócio.

A globalização e a Internet não diminuem a ‘brecha’ tecnológica entre empresas de países industrializados e emergentes?

Na realidade isso não acontece, justamente pela natureza tácita e intrínseca da tecnologia. Embora haja um grande número de estudos sobre o real sentido da tecnologia, ainda são comuns as perspectivas limitadas e equivocadas. Por exemplo, tecnologia tende a ser facilmente confundida com a mera aplicação de conhecimento científico, maquinaria, software ou informação que podem ser adquiridos no mercado. Porém, em seu sentido mais atual, tecnologia significa um tipo específico de conhecimento para fazer certa atividade. Uma parte desse conhecimento está codificado na forma de manuais de produção, instruções ao usuário ou num produto ou serviço. Porém, outras partes importantes da tecnologia são tácitas e estão armazenadas, impregnadas nas mentes de engenheiros, técnicos, designers, gerentes e nas estruturas e procedimentos da organização (ou países) onde a tecnologia foi desenvolvida. Por isso, tecnologia não é automaticamente ‘transferida’ de um país para outro ou de uma empresa para outra. Isso pode parecer por demais acadêmico, mas tem implicações práticas para a inovação industrial de empresas de economias em industrialização.

Quais são essas implicações práticas?

Por exemplo, muitos governantes e executivos de empresas durante a década 70, pensavam que conseguiriam ‘pular etapas’ de inovação industrial de suas empresas e economias comprando a mais avançada tecnologia na forma de fábricas ou plantas (por exemplo, siderúrgicas) como sendo pacotes fechados, pois se pensava que a tecnologia seria automaticamente transferida. Isso não aconteceu. Esse tipo de política fracassou e vários governos e empresas perderam massivos recursos financeiros. Há também exemplos atuais de empresas que investem em inovação ‘tecnológica’ à base de equipamentos sofisticados, mas se esquecem dos esforços de inovação contínua pessoas e das rotinas organizacionais.

Para competirem em mercados internacionais a empresa em industrialização precisa desenvolver capacitações próprias para adquirir, usar, adaptar e, posteriormente, desenvolver, e gerar sua própria tecnologia, em termos de produtos, processos, serviços, equipamentos, pessoas, estrutura organizacional e rotinas organizacionais. Para conseguir isso, a empresa precisa se engajar em vários processos de aprendizagem tecnológica. Em outras palavras, aprendizagem é um processo que permite a empresa desenvolver e acumular suas próprias capacitações tecnológicas.

É através da capacitação tecnológica própria que uma empresa se diferencia de outra, ainda que na mesma linha de negócios, em termos de inovação, qualidade e preço de produtos e serviços e custos de produção. Algumas empresas são bem sucedidas no desenvolvimento de sua capacitação tecnológica; outras fracassam. Obviamente, esse processo não é automático.

Afinal, é possível a empresa em industrialização aproximar-se da fronteira tecnológica?

A história nos dá evidências espetaculares sobre o dinamismo tecnológico de empresas e países. Por exemplo, num passado distante a China exportava tecnologia para a Europa. No século passado, por exemplo, países antes considerados tecnologicamente atrasados tornaram-se líderes tecnológicos mundiais, como por exemplo, Alemanha, Estados Unidos, Japão e, mais recentemente, a Coréia do Sul, em diversas indústrias, como a de semicondutores, química, farmacêutica, eletrônica de consumo, biológica, automobilística, aço e de tecnologia de informação. Logo, é possível começar com o mais baixo nível de capacitação tecnológica e evoluir para níveis muito avançados. Mas isso requer muito esforço em aprendizagem tecnológica para acelerar a acumulação de capacitação tecnológica própria. Por quê? A fronteira tecnológica se move sempre, isto é, é um alvo que se move. Por isso, uma tarefa crucial para empresas em industrialização é desenvolver sua capacitação tecnológica a uma velocidade mais rápida do que a das empresas que já operam na fronteira tecnológica, em países industrializados. Logo, não basta entender apenas se e como o desenvolvimento de capacitação tecnológica ocorre nas empresas em industrialização, mas, principalmente, como acelerá-lo.

Quando começaram os estudos sobre desenvolvimento de capacitação tecnológica própria em empresas em industrialização?

Os estudos sistemáticos sobre desenvolvimento de capacitação tecnológica no nível da empresa começaram nos anos 70 e foram liderados por um grupo pioneiro de pesquisadores como Jorge Katz, na América Latina, e Sanjaya Lall e Martin Bell na Ásia. Eles revelaram a importância da aprendizagem e da capacitação tecnológica para atividades inovadoras em empresas desses contextos. Esses estudos serviram para descrever a trajetória de desenvolvimento de capacitações tecnológicas inovadoras e mostrar como empresas usavam certos mecanismos de aprendizagem para desenvolver suas capacitações tecnológicas. Durante a década de 80 houve uma completa escassez de estudos dessa natureza. Somente a partir de meados da década de 90 o estudo dessas questões foi retomado, porém com um foco de análise mais abrangente e profundo sobre capacitação tecnológica e inovação em empresas da Coréia do Sul, México e Brasil.

Um dos pontos chave do seu livro é o desenvolvimento de uma estrutura alternativa para identificação e medição de capacitação tecnológica na empresa… Em que se inspirou?

O princípio dessa estrutura começou a ser desenvolvido pelo clássico estudioso russo Alexander Gerschenkron na década de 60. Depois, outro avanço significativo foi feito por Sanjaya Lall, na Universidade de Oxford, no final dos anos 80 e, mais tarde, refinada por Keith Pavitt e Martin Bell, no SPRU/Universidade de Sussex. No meu livro, essa estrutura foi, pela primeira vez, adaptada para uma aplicação prática, a fim de mensurar desenvolvimento de capacitação tecnológica em empresas de aço. Em outras palavras, a estrutura identifica e mede capacitação tecnológica com base em atividades que a empresa é capaz de fazer ao longo de sua existência. A estrutura distingue entre ‘capacitações de rotina’, isto é, capacitação para usar ou operar certa tecnologia, e ‘capacitações inovadoras’, isto é, capacitações para adaptar e/ou desenvolver novos processos de produção, sistemas organizacionais, produtos, equipamentos e projetos de engenharia, outras palavras, capacitações para gerar e gerenciar a inovação tecnológica. É gratificante saber que outros pesquisadores têm adaptado e estão adaptando essa estrutura para estudos em outros tipos de indústria, o que permitirá comparações entre empresas e indústrias de economias emergentes.

O que diferencia essa estrutura de análise de outras usadas por outros autores, principalmente a partir do início dos anos 90 quando apareceram vários estudos de ‘knowledge’ e ‘capabilities’?

Ocorre que estes estudos convencionais focalizam capacitação tecnológica nas empresas mais inovadoras do mundo – e geralmente as bem sucedidas – que já operam na fronteira tecnológica. A preocupação dos autores é explicar como esses tipos de empresa podem aprofundar, renovar, ampliar as capacitações tecnológicas que elas já possuem. Em outras palavras, a preocupação é como as empresas podem ‘fazer melhor o que já sabem fazer’. Além disso, e uma vez que os estudos existentes se concentram apenas no estágio atual das empresas, eles não explicam como as empresas, hoje tecnologicamente avançadas, chegaram ao nível atual.

Quando se trata de empresas de economias emergentes é necessário entender, em primeiro lugar, como a empresa cria e desenvolve capacitações tecnológicas básicas e se move (ou falha em se mover) para o desenvolvimento de capacitações tecnológicas inovadoras avançadas. Em outras palavras, é preciso entender como a empresa ‘aprende a fazer coisas que não sabia fazer antes’. Por isso, as estruturas de análise existentes em vários estudos recentes sobre ‘knowledge’ e ‘capabilities’ são limitadas para explicar a dinâmica da acumulação tecnológica em empresas em industrialização. Não obstante, os estudos de empresas da fronteira tecnológica fornecem bons insights, particularmente nos aspectos organizacionais da capacitação tecnológica. Isto pode ser adaptado, como é feito no meu livro, para examinar a empresa em industrialização. Além disso, elas ajudam a explicar o desenvolvimento tecnológico de empresas de países emergentes que conseguem aproximar-se da fronteira tecnológica.

Porque critica as formas convencionais de medição de inovação e capacitação tecnológica?

Os indicadores convencionais de capacitação tecnológica e inovação como patentes, gastos em estruturas e pessoal de P&D não captam todas dimensões da capacitação tecnológica e da inovação. Sabe-se, por exemplo, que inovação, em qualquer organização, é um processo que envolve diversos tipos de indivíduos e suas habilidades, qualificações e experiências, além de diferentes áreas funcionais em processos de aprimoramento incremental e contínuo e/ou inovações radicais. Por isso, é equivocado captar apenas ‘inovação’ que ocorre dentro dos laboratórios de P&D. Além disso, mensurar inovação à base de patentes parece útil para empresas de algumas indústrias de alguns países tecnologicamente avançados como Alemanha, Reino Unido, Estados Unidos e Japão e ainda assim há limitações.

Quando se trata de empresas em industrialização a limitação desses indicadores é ainda mais acentuada. Normalmente, não existem os convencionais laboratórios de P&D, mas inovações ocorrem via departamentos de engenharia, de qualidade, de produção e várias outras formas. Por isso, para entender de maneira mais realista o processo de desenvolvimento tecnológico e de inovação, principalmente em empresas em industrialização, é preciso utilizar indicadores e mensurações mais compreensivas e adequadas.

O ponto central do seu livro é o desenvolvimento de uma estrutura para análise dos processos de aprendizagem. Quais as suas característica?

A estrutura de análise permite explicar implicações práticas dos vários processos de aprendizagem para diferenças entre empresas em termos da maneira e da velocidade de acumulação de capacitações tecnológicas e, por sua vez, em aprimoramento da performance competitiva. A estrutura identifica quatro processos para aquisição de conhecimento tecnológico adicional de fontes externas e internas à empresa e como este conhecimento é transformado em capacitação tecnológica – ou ativo corporativo – da empresa. Em outras palavras, a estrutura analítica permite entender as intricadas relações entre os diversos processos de aprendizagem – e como eles operam na organização – e suas implicações positivas e negativas para a acumulação de capacitação tecnológica e a inovação contínua em empresas e, por sua vez, para o aprimoramento de performance competitiva.

Durante a década de 90 foram publicados vários estudos sobre aprendizagem organizacional e gestão de conhecimento? Qual a diferença entre as análises desses estudos e a desenvolvida no seu livro?

Esses tipos de estudo, alguns deles desenvolvidos no fim da década de 80, tiveram o mérito de resgatar a importância do conhecimento e dos processos de aprendizagem para a capacidade inovadora e vantagem competitiva das empresas, embora esta não seja uma questão nova. O problema é que, novamente, a grande maioria dos estudos existentes, enfoca experiências de empresas bem sucedidas que já possuem uma forte base de conhecimento ou de capacitações tecnológicas avançadas. O foco de análise, portanto, é como usar melhor os processos de aprendizagem existentes para sustentar, aprofundar, reorganizar, e/ou renovar capacitações tecnológicas inovadoras que as empresas já possuem. Além disso, os estudos existentes enfocando empresas de fronteira não examinam as implicações práticas dos processos de aprendizagem para a acumulação de capacitações tecnológicas em vários pontos da existência da empresa. Por isso, não se consegue entender como empresas se movem de níveis tecnológicos básicos para níveis mais avançados, ou como elas chegaram ao nível tecnológico que têm hoje.

E isso é crucial para a gestão estratégica de empresas em industrialização. Além disso, os estudos convencionais não examinam as implicações da acumulação de capacitações tecnológicas para o aprimoramento de indicadores de performance operacional.

Por isso, embora tenha havido uma profusão de estudos em ‘capabilities’ e ‘knowledge management’ durante dos anos 90, muito pouco (ou quase nada) foi feito em termos de desenvolvimento estruturas analíticas adequadas para entender o intricado relacionamento entre os vários processos de aprendizagem, a acumulação de capacitações tecnológicas e o aprimoramento de performance competitiva em empresas em industrialização. Technological Learning and Competitive Performance visa contribuir não apenas para superar essa limitação na literatura nesse campo, mas também auxiliar gerentes, em seus esforços diários para acelerar o desenvolvimento de capacitações tecnológicas para a inovação contínua em suas empresas.

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