Depois de, no ano passado, nos ter falado de inovação e algumas das técnicas por si usadas, Victor Newman, agora actuando como consultor freelance, fala sobre iCafés – Cafés de Inovação.
Recentemente cunhou, juntamente com David Gurteen, o termo “iCafé” e criou um novo “produto”. O que é um iCafé?
Um iCafe é um “Innovation Café” (Café de Inovação). Foi uma parceria natural entre mim e o David Gurteen. O conceito assenta no sucesso dos Knowledge Cafés (cafés de conhecimento) para facilitar discussões entre grandes grupos de pessoas, desenvolvendo essa abordagem para uma grande conversa e transformando-a em acção nas organizações. Ambos gostamos da palavra “café” devido às suas associações com a bebida, relaxamento, o potencial para boas conversas com os colegas e o potencial para ajudar as pessoas a “acordar e cheirar o café”.
A minha experiência de implementação sistémica de mudança ensinou-me que são geralmente necessárias três ondas de implementação até se conseguir o que originalmente se pretendia. Além disso, os implementadores que lideravam a mudança tinham tendência a deixar a organização ou eram levados a sair quando os estabilizadores reclamavam o seu poder na organização. Também comecei a perceber as limitações do ensino e o poder que reside em levar as pessoas a aprender mais rapidamente por elas próprias.
O meu interesse na psicologia da incompetência traz-me constantemente até ao medo que envolve a inovação. Nós queríamos remover o stress, tornando o processo informal e capaz de possibilitar discussões eficazes. Queríamos transmitir a mensagem de que os iCafés significariam um tipo de conversa sem poder, estatuto ou sanções, tornando possível discutir o problema da inovação e desenvolver soluções usando a linguagem do dia-a-dia.
O que torna os iCafés diferentes de outros tipos de workshop e reuniões?
Os iCafés não pregam nem ensinam. São desenhados de forma a deixar as pessoas articular o conhecimento latente e emergente que apenas se consegue quando se colocam as questões certas sobre o assunto certo na altura certa. Os iCafés são desenhados para produzir esses momentos ah-ah que acontecem quando nos ouvimos ou ouvimos os outros dizer algo profundo ou útil que gostaríamos de ter registado. E registamos.
Os iCafés às vezes seguem a fórmula KUBD – Know, Understand, Believe, Do (Sabe, Entende, Acredita, Faz) – para ilustrar o que são. Posso saber algo sem o entender; posso entender alguma coisa sem acreditar nela. Mas se acredito, talvez a execute. As ideias inovadoras têm de seguir o canal de conhecimento a acção. O que os iCafés fazem é trabalhar com o que as pessoas realmente acreditam e, consequentemente, terão mais tendência a fazer.
A chave do que torna os iCafés diferentes são o seu enfoque na construção de conhecimento emergente com o potencial de fazer uma diferença mensurável na forma de soluções tácticas que funcionam, rapidamente. Ao contrário do tradicional conhecimento estático, tácito ou explícito, que geralmente necessita de tradução para se tornar útil, este conhecimento emergente é dinâmico e ligado a uma realidade partilhada na organização.
Há pelo menos cinco tipos de iCafés:
- iCafés Abertos
- iCafés NIH – Not Invented Here (Não Inventado Aqui)
- iCafés IBP – Innovating Behaviours Portfolio (Portfolio de Comportamentos de Inovação)
- iCafé da Máquina de Inovação
- iCafé Liberdade para Inovar
O iCafé Aberto é usado para demonstrar o valor de organizar iCafés para iniciar conversas relevantes com resultados tangíveis e accionáveis, usando pensamento revertido para ajudar as pessoas a concentrarem-se no oposto do que querem atingir e depois construindo antídotos que ofereçam direcção para boas práticas emergentes que funcionem. O iCafé Aberto começa o processo de recolha de conhecimento emergente sobre inovação na organização de forma a que possa ser aplicado.
Quando era Director de Aprendizagem (CLO – Chief Learning Officer) na Pfizer, a minha mentora aconselhou-me a “deixar de oferecer soluções 100%: define apenas 30% e deixa um espaço de 70% para que os outros preencham”. Esta é a base para o segundo iCafé que dá às pessoas uma oportunidade de desenvolver tácticas para ultrapassar os comportamentos “Não Inventado Aqui” e envolver a organização eficazmente.
O iCafé IBP é sobre entender os comportamentos de inovação na organização ao nível individual, da equipa e da organização para se poder entender como se podem balancear os três comportamentos complementares dos criadores, implementadores e estabilizadores e desenvolver tácticas aos três níveis (individual, de equipa e organizacional). Inovação requer os três comportamentos complementares: o desequilíbrio pode conduzir à estagnação ou a ideias que nunca se concretizam.
Recorrendo à metáfora da organização como uma máquina de inovação, o iCafé da Máquina de Inovação desembrulha o mecanismo, os componentes, as capacidades e os comportamentos necessários para que a máquina funcione.
Por fim, o iCafé Liberdade para Inovar é sobre a construção de novas liberdades para pensar e operar fora da actual caixa estratégica limitada. Este iCafé pode ter dois formatos: o primeiro involve a construção de um Predador para atacar a organização e descobrir o conhecimento emergente perdido na organização; o segundo é a técnica de Box Logic que articula a fórmula de sucesso tácita da organização, testa as assumpções por trás dela e remodela-a de forma a criar um novo portfolio de inovação com produtos e serviços numa zona de novas liberdades e capacidades.
Cada um dos iCafés tem a duração máxima de duas horas e é geralmente organizado para grupos de vinte pessoas (apesar de já termos experimentado com grupos de duzentas pessoas enquanto parte de reuniões estratégicas de início de ano). O cenário ideal é que os iCafés ocorram num período não superior a um mês.
É um método poderoso para ajudar as organizações a articular os seus problemas com inovação e a desenvolver a sua própria estratégia de inovação.
Quais os benefícios dos iCafés para as equipas e organizações?
Primeiramente os iCafés possibilitam à organização recolher e aplicar o seu conhecimento emergente, o conhecimento com potencial para fazer a diferença, rapidamente. A minha experiência quanto à futilidade de métodos de aprendizagem antes, durante e depois, ensinou-me que temos de colocar melhores questões, gerir o timing do conhecimento e usar um sentido de dramatização para identificar o conhecimento emergente que pode fazer a diferença.
O segundo benefício é que ajuda as organizações a articular o problema de inovação sem recorrerem a bodes espiatórios e a desenvolver soluções que vale a pena implementar sem accionar os tradicionais comportamentos de Não Inventado Aqui. Isto é provado por recentes experiências em organizações de pesquisa e desenvolvimento: primeiro, por um líder de uma organização mundial de pesquisa e desenvolvimento que olhou para os resultados do iCafé Liberdade para Inovar e disse “sabe, eu só costumo pensar assim quando estou sozinho, à noite”. Esta é uma ideia assustadora quando se considera quanto depende da sua capacidade de liderar uma conversa estratégica dentro da sua velha “caixa” de pensamento. A segunda estava nos agradecimentos enviados por uma outra organização que gostou particularmente da forma como a sequência de iCafés possibilitou que inventassem a sua própria estratégia de inovação, sem terem de lutar contra os tradicionais comportamentos Não Inventado Aqui accionados pela metodologia de consultadoria de um qualquer estranho.
Quando e porquê devem as equipas / organizações organizar iCafés?
Sempre que quiserem construir uma autêntica cultura de inovação que envolva as pessoas e as entusiasme a fazer a diferença na forma como trabalham sem ter de lhes dizer o que pensar.
Cada vez mais se ouve as organizações falar de inovação. Na sua perspectiva, elas fazem mesmo o que dizem ou dizem apenas as palavras certas?
Se não sabe fazer, é fácil tentar a coisa mais fácil: dizer.
Uma das skills mais importantes em treino de sobrevivência é saber atear fogo usando materiais naturais disponíveis ao ar livre. Uma vez que se saiba fazer isto, torna-se algo que não mais se esquece. O mesmo se passa com a inovação. Uma vez que se faça, passa a ter-se fortes ideias sobre o que é preciso.
Não me consigo lembrar de quem primeiro disse que não se pode organizar para inovar como se de uma tarefa rotineira se tratasse. É um trabalho extraordinário, mas isso não significa que é impossível. É importante perceber que quando os estabilizadores herdam uma organização, não conseguem evitar de afugentar os criadores, e destruir o potencial de inovação. O problema é que a linguagem de inovação tende a tornar-se uma abordagem etiquetada porque é menos assutadora para os seus compradores. As organizações são como Santo Agostinho, pedindo a Deus para se tornarem castas, mas nunca para já. É difícil para as organizações caminharem na direcção da inovação se os seus líderes não atiçaram já o fogo da inovação. O que os iCafés fazem é ajudar os indivíduos e as equipas nas organizações a preparem-se para atear o fogo da inovação por si mesmos.
Até que as organizações apliquem o que se sabe sobre a psicologia da inovação, tudo o que conseguiremos são iniciativas de inovação. Se não tivermos criadores, não teremos ideias. Se deixarmos os estabilizadores governar, não será possível inovar. Se não encorajarmos os implementadores a roubar as ideias dos criadores, a estabilizá-las e a vendê-las aos estabilizadores, nada acontecerá.
O truque está em construir a sua própria estratégia de inovação através de uma contínua conversa com as pessoas certas, ao invés de utilizar metodologias de consultadoria que isolam os indivíduos das verdadeiras questões. Use consultadorias tradicionais, roube as suas boas ideias e use-as você mesmo.
Existe uma cultura / ambiente de inovação? Como se identifica?
Sim. Uma cultura de inovação é aquela em que é possível falar das limitações do presente, da incapacidade da fórmula de sucesso produzir no futuro e construir protótipos para problemas que ainda não existem.
Recorrendo à técnica de Reversal que usa em alguns dos iCafés, quais são os três maiores obstáculos à inovação?
- Conectar novas ideias inovadoras a recursos existentes de forma a que pareçam familiares.
- A forma como projectamos comportamentos de liderança sobre aqueles menos capazes de os desempenhar.
- Falha na articulação da fórmula de sucesso de uma organização e na gestão de uma conversa contínua a esse respeito. Isto significa que aparece e está em constante construção tal como uma pirâmide decorativa no background estratégico, mas a sua utilidade nunca é questionada por padres, engenheiros ou escravos.
Há alguns anos eu tinha o conceito de “Capital de Liderança” (Leadership Capital) semelhante à teoria de Lord Moran sobre cada indivíduo ter um capital de coragem limitado o que significava que, uma vez esgotado, não conseguiam continuar a combater. A minha experiência em ajudar CEOs e directores a planear os seus primeiros cem dias demonstrou que não haviam sido promovidos com base nas suas capacidades de liderança e que cada dia em que não conseguissem articular o problema fundamental pelo qual a organizar não conseguia inovar significava que o Capital de Credibilidade continuava em declínio. Infelizmente, poucos líderes percebem a sua responsabilidade em liderar uma continuada conversa estratégica sobre as assumpções na sua não-expressa fórmula de sucesso e os níveis de liberdade que permite em termos de inovação. O que tende a acontecer é que quando uma organização é antiga ou já experimentou um grande crescimento, aqueles menos competentes tendem a conseguir mais recursos enquanto que os competentes encontram formas engenhosas de resolver problemas com menos recursos. Aqueles com mais pessoas a trabalhar para si tendem também a ter mais verbas e investimentos que já, há muito, passaram de validade. O problema é que o inovador tem de relacionar a sua ideia com um modelo de tecnologia moribundo que ainda é apoiado pelo poder político e de recursos. Na verdade, ninguém ama mais do que aquele que abdica do seu orçamento para apoiar o inovador.
E que antídotos sugere para ultrapassar os obstáculos referidos?
Incluam iCafés no plano anual para assegurar que uma conversa estratégica continuada mantém a estratégia e cultura de inovação vivas.