
Ana Neves
Ana, você traz para nosso mercado uma visão de “irmã mais velha”, por ter esse convívio já tão amadurecido com as ferramentas sociais que agora começam a pegar no Brasil. Por falar português e ter essa afinidade com nós brasileiros, acredito que sua contribuição conosco tem um futuro muito promissor. Vamos conversar um pouquinho sobre o olhar que você nos traz?
Na verdade a utilização de ferramentas sociais na Europa parece estar um pouco mais avançada do que no Brasil. Graças à minha função de consultora sénior na Headshift, empresa britânica de consultoria na utilização de ferramentas sociais, tenho tido o privilégio de trabalhar e ter contacto com inúmeros projectos interessantíssimos. Esses projectos têm-me ajudado a aprender e experimentar em primeira mão os desafios, as oportunidades, os riscos e o impacto que as ferramentas sociais, e o processo de sua implementação, têm nas organizações, públicas, privadas e do terceiro sector.
Penso ter muito para partilhar mas tenho também muita vontade de aprender com todos aqueles que já usaram ferramentas sociais. Tenho também muita vontade de continuar a descobrir a realidade das organizações para entender de que forma as ferramentas sociais se podem adaptar e se podem tornar úteis.
Hoje, no Brasil, a coqueluche na área de comunicação corporativa são os blogs. Quais os principais impactos organizacionais que você tem constatado nas organizações bem sucedidas em adotá-los? Você pode nos dar alguns exemplos de áreas em que isso tem dado certo?
Os blogs são uma das ferramentas sociais mais usadas pelas organizações no momento. As razões são simples: os blogs públicos na Internet, geralmente mantidos por pessoas individuais, são já muito conhecidos, é fácil começar um blog, e parece fácil escrever um blog.
Assim, as organizações começam a olhar para os blogs como forma de fazer marketing externo, melhorar a comunicação interna e aumentar a partilha de conhecimento.
Existem alguns casos famosos de organizações que recorrem a blogs como forma de fazer marketing ou de melhorar a opinião pública sobre os seus produtos, serviços e ética corporativa. Um desses casos é o blog mantido pela McDonald’s como parte do seu programa de corporate responsibility. O blog é escrito pelo vice-presidente e por outros elementos da equipa.
A utilização de blogs para comunicar internamente é bastante promissora mas, para já, as organizações parecem estar a apostar num formato tradicional de utilizar os blogs como uma forma alternativa de enviar notícias aos colaboradores. Assim, os blogs estão a ser usados como mecanismo de comunicação top-down o que, infelizmente, vai um pouco de encontro aos benefícios dos blogs. Ou seja, as organizações fizeram bem em identificar os blogs como um possível canal de comunicação mas não conseguiram repensar o processo de comunicação organizacional, tirando partido do que os blogs podem oferecer.
Há imensas organizações a utilizar blogs como ferramenta de suporte à comunicação, muitas vezes como um elemento adicional à sua intranet.
Finalmente, e quanto à utilização de blogs para partilha de conhecimento. Apesar de se falar muito disso, não vi ainda nenhuma organização que o esteja a fazer com sucesso. Ainda temos muito que evoluir nesse campo. Por exemplo, utilizar micro-blogging (o tipo de blogging que o Twitter proporciona), não para partilhar conhecimento, mas para alertar colegas para determinados eventos de forma a que a partilha de conhecimento possa ter lugar na altura em que é necessária.
Que fatores você considera críticos para que os blogs possam ter esse impacto?
Se eu tivesse de identificar dois factores para o sucesso dos blogs, eu diria: integração com outros sistemas… e tom.
Nenhuma ferramenta pode ser vista em isolamento porque nenhuma ferramenta pode dar resposta a todas as necessidades das organizações. Os blogs não são excepção. É importante que as organizações pensem de que forma podem e devem integrar os blogs (ou qualquer uma das outras ferramentas sociais) com os sistemas existentes, com a cultura da organização e com os processos organizacionais. Isso é fundamental!
O outro factor, o tom, é também muito importante. A grande vantagem dos blogs é o aspecto de informalidade que sugerem. Isto é, os blogs, devido às suas raízes na Internet, são vistos como um local para registar pensamentos, experiências, eventos, ideias, etc., informalmente e com o intuito de gerar discussão. Ora, o que eu tenho visto em muitas organizações é a utilização de blogs como um veículo para comunicação formal. Assim, os blog posts que, como eu costumo dizer, devem ser quase “brain dumps”, são muito bem pensados e escritos e num tom informativo, não deixando aos colaboradores muita vontade ou liberdade para questionar, comentar e deixar sugestões. E assim se perde a grande vantagem dos blogs.
E os wikis, Ana, as revistas nos dizem que na Europa eles estão de vento em popa. Há casos em que sua adoção tenha provocado mudanças significativas? Já é possível concluir que eles reduzem mesmo o volume de e-mails?
Na verdade, cada vez há mais organizações a olhar para os wikis como plataforma de colaboração. Em Portugal há alguns casos muito incipientes mas em Inglaterra, e novamente graças a trabalhar na Headshift, sei de muitos casos em que os wikis foram motivo de um grande investimento que está a dar frutos.
Um dos melhores casos de estudo é o da Allen & Overy, uma das maiores empresas mundiais de advocacia. Eles iniciaram um projecto-piloto aqui há cerca de 3 anos e estão agora a planear disponibilizar a plataforma wiki a todos os colaboradores.
Fui responsável por um projecto numa empresa que há 3 ou 4 anos desenvolveu um sistema para partilha de conhecimento e informação entre os colaboradores das áreas de marketing e pesquisa e desenvolvimento. O sistema foi um grande fracasso. Os colaboradores não utilizavam o sistema porque não era flexível e não era intuitivo. Assim, enviavam conteúdo às bibliotecárias que assumiam a responsabilidade por colocá-lo no sistema. O conteúdo ficava guardado e acessível mas… ninguém ia ao sistema para o aceder e não havia qualquer discussão em torno dele. Assumindo o fracasso do sistema e aprendendo com a experiência, resolveram avançar com uma solução baseada em ferramentas sociais.
A taxa de utilização do sistema é muito maior que a taxa de utilização do sistema anterior e a ideia é alargar o acesso ao sistema a colaboradores noutros países onde a empresa está representada.
Quanto aos wikis reduzirem o número de emails, não tenho números para lhe mostrar, mas, se eu usar a própria Headshift como exemplo, a verdade é que eu passo dias sem receber emails internos e sei mais sobre o que se passa na empresa do que sabia em qualquer uma das organizações onde trabalhava anteriormente (e lá tinha a caixa de correio sempre cheia!).
Para além disso, temos um wiki para cada um dos nossos projectos e damos acesso aos clientes. Assim, a documentação do projecto está acessível a todos, o trabalho é colocado no wiki para discussão, todas as diferentes versões estão guardadas e o histórico do conteúdo dá-nos segurança. Quando temos que trabalhar em relatórios de projecto, por exemplo, trabalhamos directamente no wiki de forma a que todos saibam em que ponto está, e quando chegamos ao fim, se o cliente quiser, pode exportar o conteúdo para um documento Word ou PDF para mais fácil leitura.
Vejo tantas vantagens em trabalhar com wikis que instalei um para uso pessoal, para colaborar comigo mesma 😉
Você acha que wikis são adequados para todos os tipos de empresas, independentemente de já terem uma cultura colaborativa?
Claro está que empresas que tenham mais hábitos de partilha e colaboração terão mais facilidade em conseguir a adopção de wikis. No entanto, acredito (porque já vi isso acontecer) que é possível usar os wikis (e outros sistemas) como agentes de mudança. Assim, em vez de pensar que é preciso mudar para se poderem usar wikis, podemos pensar que é possível usar os wikis para ajudar a mudança. Isso não acontece da noite para o dia nem acontece sem ajuda.
São muito raros os projectos que a Headshift faz que não incluem consultoria para identificação de requisitos e da realidade da organização. Com base nisso, e com base na estratégia da organização, desenvolvemos sistemas, com base em ferramentas sociais, que acomodam a cultura da organização e que a encaminham na direcção desejada. O segredo é não puxar muito de uma vez a ponto de causar desconforto: temos de ir puxando, pedindo uma pequenina mudança de hábitos de cada vez.
Para além disso, é importante as organizações reverem os processos organizacionais de avaliação de colaboradores, por exemplo, para garantir que não estão a promover comportamentos opostos aos que estão a tentar encorajar com a utilização de wikis.
Há casos em que as ferramentas de wikis podem se integrar produtivamente com outras ferramentas mais tradicionais? Com que resultados?
Um dos grandes obstáculos que se colocam à adopção das ferramentas sociais nas organizações é a existência de outros sistemas mais tradicionais. São geralmente sistemas instalados há relativamente pouco tempo e que ainda não renderam o investimento. Apesar de não estarem a gerar os resultados esperados, as organizações não querem abandoná-los já.
Assim, as maiores plataformas de wikis têm vindo a criar formas de integração com ferramentas mais tradicionais que não conseguem oferecer a funcionalidade que as ferramentas sociais oferecem. Por exemplo, o Confluence, uma das melhores plataformas wiki, lançou recentemente um integrador com o Sharepoint.
O Sharepoint é um excelente sistema para gestão documental e beneficia imenso da óptima integração com ferramentas Microsoft e com ambientes Windows. A última versão deste sistema inclui mesmo algumas ferramentas sociais. No entanto, a flexibilidade é muito pouca e o sistema parece uma manta de retalhos criada com funcionalidades que não combinam bem.
A integração do Confluence com o Sharepoint permite tirar partido da excelente gestão documental de um e reuni-la com a excelente plataforma de colaboração do outro.
Diga algumas palavras finais para os internautas que nos visitam.
As ferramentas sociais estão para ficar, não só na Internet pública mas também nas organizações. Exigem investimentos menores de implementação e manutenção e são muito mais intuitivas para os utilizadores.
O meu conselho às organizações é que comecem a ver a oferta disponível, que comecem a procurar casos de estudo que lhes possam dar ideias (podem começar com os casos de estudo da Headshift), que identifiquem pequenos projectos-piloto e que experimentem. Peçam ajuda, se for preciso, mas não deixem de experimentar.
(Esta entrevista foi originalmente publicada no site da Content Digital e aqui reproduzida com o consentimento da empresa.)