Theodore Zeldin

Theodore ZeldinTheodore Zeldin é uma daquelas pessoas que, durante a sua vida pessoal e profissional, conseguiu conquistar um profundo entendimento do mundo, das pessoas e das organizações. É um apaixonado da Conversa e um crente na forma como a conversa e o entendimento mútuo podem accionar a grande revolução necessária para reduzir os impactos negativos que as diferenças culturais podem ter na política, na sociedade e nos negócios. É o fundador da The Oxford Muse Foundation, uma “fundação para estimular coragem e invenção na vida pessoal, profissional e cultural”.

Aceitou gentilmente o nosso convite para nos falar de Conversa.

Disse uma vez “A conversa é um encontro de mentes com memórias e hábitos diferentes. Quando mentes se encontram, não trocam apenas factos: transformam-nos, moldam-nos, tiram conclusões diferentes a partir deles, exploram novas linhas de raciocínio.” A conversa é um produto de redes sociais ou requerem redes sociais para que tenham lugar?

A actual obsessão com o aumento das redes sociais tem desviado a atenção da qualidade dessas redes, e da qualidade dos relacionamentos que criam. As redes criadas para vantagem competitiva dificilmente têm muito conteúdo moral, e dificilmente serão um estímulo à imaginação ou um contributo para uma vida mais bonita. Por isso não são tão úteis para o negócio como é assumido, uma vez aceite que o negócio tem mais a ver com a qualidade da vida das pessoas do que com o lucro imediato da empresa a curto prazo.

A minha pesquisa sugere que o tipo de interacção mais valiosa é entre duas pessoas que tentam ser honestas uma como a outra, estabelecendo confiança, que é necessária tanto para relações económicas como pessoais. A maior parte das pessoas assume que sabem instintivamente como falar. Mas falar é diferente de conversar, e isso tem de ser aprendido e praticado, e melhora com uma cultura mais vasta e com a curiosidade.

Assim, tenho ajudado pessoas de todas as categorias sociais a melhorar a sua conversa através da organização de Conversation Meals (Refeições de Conversa). Nestes eventos, cada pessoa é colocada, aleatoriamente, junto de alguém que não conhece, ou que conhece apenas superficialmente. É-lhes dado um Menu de Conversa onde se encontram 25 tópicos organizados como se fossem um menu de restaurante. Cada pessoa escolhe um tópico, discute-o, e passa para o seguinte.

O Menu previne que as pessoas comecem a “fofocar” ou com conversa fiada. Os tópicos estão relacionados com as suas grandes preocupações em todos os aspectos da vida. Falam durante pelo menos duas horas. Os resultados são incríveis.

As pessoas dizem que têm poucas oportunidades de ficar a conhecer alguém verdadeiramente bem e, no processo, de se ficarem a conhecer melhor a elas próprias.

Já organizámos estas conversas para muitas empresas internacionais, departamentos governamentais, organizações, municípios e instituições de muitos tipos em muitos países, desde a China à Índia, desde a Europa ao Canadá.

Isto é o que as empresas precisam se têm de deixar de ser organizações que só têm reuniões – que tomam uma parte cada vez maior do tempo dos directores sem que melhorem os relacionamentos – para passarem a ser empresas conversadoras, onde as pessoas podem entender melhor as reacções dos colegas e conseguem maior colaboração quando propõem ideias de pessoa para pessoa, em vez de em massa. Pode parecer que não há tempo para conversas, mas o facto é que estas conversas poupam tempo porque os resultados são melhores.

Tenho estado recentemente a organizar Conversas no IKEA, o que permite aos clientes da empresa, bem como aos seus colaboradores, criar uma comunidade de maior confiança.

Qual o papel das histórias na conversa?

Eu estudei História durante muitos anos, pelo que não considero as histórias a melhor forma de melhorar a conversa. É importante aprender lições com o passado. Contar episódios pode desviar a nossa atenção. Muitos dos desastres de negócios têm origem na repetição de erros do passado. É mais importante as pessoas saberem para onde vão, e não apenas de onde vieram, e tirar conclusões com base no passado de forma a poderem dizer o que é possível e o que não é possível. Pensar com lucidez é mais importante do que contar histórias.

A organização do espaço de escritório tem um grande impacto na dinâmica social do trabalho. O Theodore defende que o mesmo acontece com a conversa (“A forma como falamos no escritório e na fábrica molda o trabalho que fazemos.”). Como é que os dois se relacionam?

Uma boa conversa requer concentração e interacção sem distração. Os arquitectos que criam pequenas passagens ou escritórios de espaço aberto (open space) na esperança de que tal vá melhorar as relações têm uma ideia muito básica do que são boas relações.

As conversas precisam de privacidade para que as pessoas possam dizer aquilo que normalmente não diriam. As conversas precisam de tempo porque as reflexões mais profundas emergem devagar.

Qual a sua prespectiva relativamente ao papel da tecnologia (por exemplo, telemóveis, televisão, a Internet) na conversa? Ajuda ou empata?

No passado a tecnologia reforçou muitas vezes hábitos e costumes existentes. O fenómeno do Twitter e do Facebook leva a interacções muito curtas e muitas vezes triviais. Estou agora a tentar adaptar a Internet para promover conversas menos superficiais, e o meu website revisto irá, espero eu, assinalar um avanço nos sites existentes. O “novo” website deve estar pronto dentro de um mês.

Se a geografia quase deixou de ser um obstáculo à internacionalização dos negócios, as diferenças culturais são ainda vistas como um grande desafio. E isso é ainda mais importante quando se trata de conversa. Como devem as organizações lidar com esse desafio?

As organizações devem dedicar muito mais atenção às dificuldades de colaboração e à possibilidade de mal-entendidos. Tenho vindo a desenvolver conversas desenhadas para consciencializar as organizações das dificuldades e oportunidades, usando vídeo para ilustrar os obstáculos. Desenvolvi recentemente um curso sobre colaboração com a China, já que esse irá obviamente ser um grande desafio.

Theodore Zeldin - ilustração

Ilustração de Theodore Zeldin

“Birthday of Strangers” em 2007 e “Feast of Strangers” em 2009: dois projectos interessantes que celebram o poder da conversa. Corresponderam às suas expectativas?

Sim. Os resultados foram maravilhosos e geraram grande entusiasmo.

A “Feast of Strangers” no dia 22 de Agosto irá, espero eu, tornar-se num evento internacional, celebrando o facto de que temos tanto para aprender com estranhos.

O turismo organizado tem tido apenas um sucesso muito moderado na melhoria do entendimento intercultural. Gostaria de colaborar com hotéis para introduzir esta ideia aos seus clientes, e desenvolver os hotéis para se tornarem centros culturais, para se tornarem hóteis Muse. Agora que o negócio não está tão bom, é uma boa altura para embarcar nesta modernização.

Faz algum sentido as organizações organizarem eventos, nos mesmos models, para os seus empregados?

Sim, as organizações podem beneficiar de muitas formas da organização de Conversas para os seus colaboradores, executivos, clientes e fornecedores. A minha experiência com o IKEA, por exemplo, tem mostrado que pode ter um profundo impacto não apenas nas relações, mas também na eficiência do contacto com fornecedores, etc..

O seu percurso tem sido fascinante: História, cultura, emoções, conversa. A cadeia é variada mas é fácil ver a relação entre os elos que a compõem. O que se segue?

Fui convidado a dar aulas em escolas de negócio, empresas, governos. O ano passado fui convidada para aconselhar o presidente francês na sua estratégia legislativa, numa comissão que preparou 300 leis que estão agora a passar pelo Parlamento. Mas a política não consegue as mudanças mais profundas que são necessárias: as leis não podem mudar mentalidades enraízadas. A grande revolução do nosso tempo está a acontecer na nossa esfera privada, onde homens e mulheres começam lentamente a tratar-se como iguais (enquanto que na esfera pública a desigualdade está a aumentar e estamos a regressar à idade aristocrática; de acordo com a ONU, 85% da riqueza mundial está na posse de 10% da população). Em privado as pessoas estão a aprender a falar com os seus filhos de uma nova forma. O mundo dos negócios tem muito a aprender com a vida privada.

Por isso, a minha fundação – Oxford Muse – concentra-se na melhoria da conversa e entendimento mútuo, pessoal, profissional e interculturalmente, mas também na introdução de novas abordagens na estratégia de negócio, porque as pessoas passam muito tempo das suas vidas no trabalho, e os líderes têm agora novas oportunidades para uma contribuição mais abrangente para a sociedade. Muitas das profissões foram inventadas há muito tempo. Muitas vezes não dão resposta às aspirações actuais. Essa é a grande agenda.

As pessoas não são mais aquilo que costumavam ser, cada pessoa é única. Isso traz uma grande diferença à forma como trabalham. Cada uma é um enigma. Há seis biliões de pessoas que temos de descobrir. Estamos na mesma posição que os cientistas do século passado, descobrindo os elementos e moléculas diferentes no mundo natural.

Não há necessidade de nos sentirmos perdidos ou sem propósito. Há uma maravilhosa aventura à nossa frente.

3 comments

  1. Sérgio Storch 4 Dezembro, 2009 at 13:46 Responder

    Oi Ana, já que vc provocou nosso espírito crítico, aproveito essa excelente entrevista para cutucar sobre um assunto de fronteira: ontologias da linguagem. Temos pessoas ótimas trabalhando isso aqui no Brasil. E li um artigo na newsletter da Booz Allen sobre isso. Se quiser, discutimos mais longamente esse artigo nesta mesma página: http://www.strategy-business.com/article/09406?gko=ce081

    Ligue do aeroporto:-)

    Um beijo

    • Ana Neves 11 Dezembro, 2009 at 15:24 Responder

      Sérgio, obrigada pela sua resposta à minha provocação também em jeito de provocação 🙂

      Só agora tive oportunidade de ler o texto que sugeriu. Não conhecia o Fernando Flores e adorei ler sobre a sua história e a forma como ele está a tentar mudar a linguagem das organizações como meio para mudar atitudes e melhorar produtividade.

      O tema é fascinante mas posiciona-se numa área distinta das ideias de Theodore Zeldin.

      De facto, Flores defende que se deve mudar a linguagem como forma de condicionar a acção das pessoas. Já Zeldin acredita que o importante é que as pessoas falem. Um parece mais voltado para o conteúdo da fala (vocábulos usados). Outro para o acto de falar.

      Minha vez de deixar uma provocação: quem são os autores que se têm debruçado sobre os canais usados para a fala?

      Não é um teste. É mesmo interesse 🙂

  2. wilma bueno 18 Outubro, 2012 at 04:02 Responder

    Ainda temos muito para aprender na arte de conversar e conviver com as diferenças culturais; e a escrita da história ainda necessita dessa recuperação das experiências pessoais de seus autores.

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