António Alvarenga

António Alvarenga

António Alvarenga trabalha há 16 anos nas áreas da Estratégia, Cenários/Prospetiva e Inovação. É fundador e Diretor Executivo da ALVA Research and Consulting e tem uma vasta experiência na coordenação de projetos, workshops e sessões de formação em métodos de prospetiva estratégica, cenários, ideation e análise de tendências. É Professor Associado Convidado no IST – Instituto Superior Técnico e no ISEG – Instituto Superior de Economia e Gestão (Universidade de Lisboa). Na entrevista que se segue explora-se a relação dos cenários futuros com a (gestão de) informação e conhecimento.

No contexto em que vivemos, sempre em mudança, é fundamental que as organizações estejam preparadas para conseguir reagir rapidamente. A identificação e reflexão sobre cenários futuros é uma das técnicas possíveis para esse trabalho de preparação. Pode explicar-nos o que são cenários futuros e em que consiste esta técnica?

Apesar de no futuro não existirem factos, todas as decisões que tomamos no presente são sobre o futuro. Ou melhor, todas as decisões serão testadas no futuro. Pode parecer um paradoxo irresolúvel mas não é.

Aceitando que não podemos prever o futuro, podemos, no entanto, usar as melhores ferramentas e a melhor informação que já hoje possuímos sobre esse futuro (“evidence based foresight“). Isto é, construir “futuros possíveis”. A ferramenta mais conhecida e utilizada para fazer isso são os Cenários, autênticos “simuladores de voo” que, “em terra”, preparam decisores e gestores para desafios futuros.

O foco dos Cenários assenta na procura das incertezas cruciais para uma determinada questão estratégica, interligando-as com as tendências que partem do passado e que, com algum grau de segurança, é possível projetar no futuro a médio/longo prazo. A partir daí é possível construir diferentes configurações para o contexto estratégico no qual as nossas decisões serão testadas, percebendo e avaliando possíveis consequências das mesmas (deste ponto de vista será mais correto falar de “futuros” do que de “futuro”). Nestes “túneis de vento” é ainda possível testar a nossa visão estratégica, o nosso “plano” e/ou o nosso projeto.

Mas a mais-valia dos Cenários não se fica por aí: entre outras vantagens, fomentam a explicitação dos “pré-conceitos” que os decisores têm sobre o mercado e o contexto global, sendo que alguns desses “pré-conceitos” poderão ter ultrapassado o “prazo de validade” e limitar seriamente o crescimento das empresas. Este processo de questionamento, descoberta e realinhamento é cada vez mais decisivo num mundo global e em mudança acelerada.

O conhecimento passado e presente parece estar na base da construção de cenários futuros, certo? Há algum tipo de conhecimento (ou fontes) que seja especialmente importante para a construção de cenários futuros?

Certo. É conhecimento mas é conhecimento absolutamente provisório (brincando um pouco, atrever-me-ia a dizer que é conhecimento ainda mais provisório do que aquele que temos sobre o passado). Trata-se de um olhar sistemático e desejavelmente contínuo sobre evoluções plausíveis e contrastadas. Muito do seu valor acrescentado vem precisamente do confronto entre os cenários que antecipámos e a evolução da realidade. A sensibilidade para “ver” e retirar significado dessa diferença tem um alto valor estratégico.

A utilização dos Cenários no Planeamento Estratégico por parte da Shell é um dos casos mais conhecidos. Por exemplo, é quase mítica a forma como os Cenários foram utilizados para antecipar o choque petrolífero de 1973 (Pierre Wack contou esta história, já em 1985, em dois artigos na Harvard Business Review) e a queda do muro de Berlim (o caso aparece num capítulo da responsabilidade de Peter Schwartz e Doud Randall no livro “Blindside: How to Anticipate Forcing Events and Wild Cards in Global Politics”, editado por Francis Fukuyama).

Fontes “tradicionais” (oficiais, por exemplo) tendem a dar-nos informação consolidada, as grandes tendências, etc. Para a procura de fenómenos emergentes, disrupções, tendemos a utilizar outro tipo de fontes, também elas mais “fringe“.

Quando trabalhamos em Cenários orientamos o nosso olhar para as forças de mudança e para as suas diferentes caraterísticas e exigências em termos de posicionamento estratégico. Vamos à procura de incertezas cruciais (com elevado impacto no foco e um grande nível de incerteza) que apontam para caminhos diferentes e estrategicamente relevantes; identificamos as tendências que vêm do passado e se prolongam no futuro; damos particular atenção às tendências pesadas e aos seus impactos multidimensionais; examinamos possíveis disrupções (wild cards, cisnes negros); e analisamos sinais fracos, pequenos sinais de potenciais grandes mudanças que convém acompanhar e perceber se estão ou não a ganhar amplitude. É um trabalho que urge sistematizar nas organizações. E é, ao mesmo tempo, apaixonante e divertido.

O mais relevante é a transparência no trabalho com o cliente, isto é, manter sempre a capacidade de saber de onde veio a informação utilizada, confrontar e diversificar fontes (primárias e secundárias; internas e externas) e perceber a sua natureza.

Sente que as organizações têm a preocupação e processos criados para capturar e proteger esse conhecimento (ou fontes) para que estejam disponíveis na altura de idealizar esses cenários?

Depende das organizações. E mesmo dentro de uma organização, quando ela é grande, há situações muito díspares. Podemos ter muita informação estruturada e com potencial estratégico e não a conseguir transformar em capacidade de decisão e alinhamento. Como também podemos ter o essencial da informação “armazenada” na cabeça dos decisores, o que por um lado é positivo pois permite uma operacionalização rápida desse conhecimento, mas por outro é negativo pois torna as organizações demasiado dependentes de pessoas específicas, diminuindo a sua sustentabilidade. Seguindo esta linha de raciocínio, podemos afirmar que um bom líder é aquele que torna a sua organização capaz de funcionar muito bem sem ele. Não sei se estou a dar boas notícias aos bons líderes…

Qual a relação que existe entre a construção de cenários futuros e a inovação organizacional?

Trabalho muito no uso dos Cenários como estímulo (e critério) para a inovação organizacional, desenvolvimento de novas ideias de negócio, desenvolvimento de novos produtos e serviços, etc. A perceção de que teremos de atuar em novos e múltiplos contextos, em novos e múltiplos mercados, é um forte estímulo à geração de ideias e à inovação. Os Cenários dão-nos a estrutura para podermos entender melhor essa mudança e diversidade e atuar de forma integrada, constituindo-se como um forte impulso para mudar atempadamente o que é mais difícil de mudar: os processos que funcionaram bem no passado, em determinadas circunstâncias. Quando as circunstâncias mudam…

Pode dar dois exemplos de organizações ou situações em que tenha colaborado na construção de cenários futuros?

Posso dar dois exemplos, um público (a Universidade de Coimbra) e um privado (o Grupo Esporão). Ambos no âmbito dos seus processos de planeamento estratégico.

Que impacto sente que essa atividade teve para as organizações em causa?

Há consequências mais imediatas: novas ideias, novas oportunidades de desenvolvimento; identificação de oportunidades e barreiras que antes não estavam a ser consideradas. E há consequências mais tácitas e de longo prazo: perceção e aumento da capacidade em lidar com a incerteza nos processos decisionais; agilidade estratégica (sensibilidade: percecionar “o relevante” + unidade e alinhamento organizacional + fluidez na alocação de recursos); etc.

Desconfio que não haja muitas organizações familiarizadas com esta técnica ou, pelo menos, a utilizá-la. Da sua experiência, quais considera serem as razões para tal realidade? Qual o perfil das organizações que, em Portugal, mais recorre a este tipo de técnica?

É mais utilizada do que possa parecer à primeira vista, até porque, pela sua natureza, muito do trabalho não é público (ou só chega ao público parcialmente ou muito tempo mais tarde.

A partir do momento em que aceitamos a imprevisibilidade da evolução a médio/longo prazo do nosso contexto estratégico, os Cenários (e suas derivações no âmbito da Prospetiva Estratégica) são a metodologia de referência como alternativa à “navegação à vista”, eminentemente “seguidora” e reativa. Constituem-se como um ponto de equilíbrio entre assumirmos que não vale a pena preocuparmo-nos com o futuro (lógica reativa) e arrogarmo-nos a capacidade, quase “mágica” nos tempos atuais, de o podermos prever (lógica previsional).

Os Cenários permitem construir diferentes futuros possíveis e estratégicos para, precisamente, sermos capazes de agir rapidamente, se possível em antecipação, quando os acontecimentos se desenrolarem, percebendo as respetivas implicações e as opções que temos disponíveis. O aumento da sua utilização parece-me evidente, tal como é concluído pela Bain & Company no seu estudo anual sobre ferramentas de gestão: “the tool with the greatest forecast increase in use was Scenario and Contingency Planning“.

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