Patrick Lambe

Patrick Lambe

Patrick Lambe é um dos profissionais de gestão de conhecimento mais conhecidos em todo o mundo. Formado em Ciências da Informação, teve uma carreira na área da formação e desenvolvimento e foi daí que chegou à gestão de conhecimento (GC). É sócio de uma empresa de consultoria em GC com sede em Singapura, esteve recentemente em Portugal para o Social Now 2017, e foi com a sua habitual simpatia que respondeu a algumas questões.

Com base nelas, falou de auditorias de conhecimento, avaliação de GC e cultura organizacional. Não vai querer perder.

Patrick, recentemente escreveu um livro com o Nick Milton – The Knowledge Manager’s Handbook. O livro faz com que a gestão de conhecimento (GC) pareça fácil. Contudo, isso vai contra a perceção generalizada da GC como algo complicado, demorado e dispendioso. Afinal como é: a GC é fácil ou difícil?

É difícil! De facto, a segunda frase do livro contém as seguintes palavras: “implementar GC pode ser extremamente difícil e politicamente desafiante”! A nossa mensagem foi que há conhecidas zonas perigosas na implementação da GC, mas que com uma metodologia clara, bom planeamento e os recursos adequados, se pode evitar ou ultrapassar muitas dessas zonas perigosas.

Capa do livro

The Knowledge Manager’s Handbook, livro de Nick Milton e Patrick Lambe

Nesse vosso livro, apresentam uma abordagem à GC com cinco etapas: estratégia, planeamento, teste e piloto, roll-out e operação. Apesar de falarem da importância de definir métricas de GC e um sistema de monitorização não têm isso como uma fase separada. Porque não? Não teria sido uma forma de indicar claramente a importância da avaliação e de aumentar a probabilidade de que efetivamente é feita no âmbito de uma implementação de GC?

Estou um pouco dividido.

Aceito que colocar a medição e avaliação numa etapa separada lhes daria mais destaque (ainda que no livro lhes dediquemos um capítulo inteiro). Por outro lado, uma vez separado do fenómeno alvo, a medição e a avaliação podem adquirir uma vida própria e acabarem por controlar o resto. As pessoas passam a fazer coisas a pensar nas métricas a atingir e não nos objetivos principais. No livro descrevemos como a medição deve acontecer ao longo do processo de implementação, e tem vários objetivos – um dos quais é apoiar a aprendizagem ao longo da implementação. Não é algo que aconteça depois da implementação.

Pensando bem, penso que prefiro manter a medição e a avaliação integradas em todo o ciclo. A sua importância não se limita ao final do ciclo.

Acabou de dizer que “as pessoas passam a fazer coisas a pensar nas métricas a atingir e não nos objetivos principais”. Mas, se as métricas definidas e os objetivos não estão alinhados, isso não significa que as métricas foram mal definidas?

É fácil tirarmos o foco das atividades e dos objetivos e passarmos a focar nas métricas. É uma questão daquilo que estamos a observar. As métricas devem estar lá para servir, não para conduzir.
Lembra-se de se distrair do estudo perdendo tempo a preparar um plano de estudos?

Sim, entendo bem o que está a dizer.
O Patrick sugere que uma auditoria de conhecimento pode ajudar na fase de planeamento. Será que existe também lugar à repetição da auditoria de conhecimento, mais tarde, para avaliar o impacto da implementação de GC?

Sim, sem dúvida. Uma auditoria de conhecimento ou um KM assessment proporciona, entre outras coisas, um modelo de medição e avaliação. Se for bem construído e usado de forma consistente, começa por dar um ponto de partida que permite planear as intervenções de GC e que, subsequentemente, pode ser usado para determinar o progresso.

Por exemplo, uma auditoria de conhecimento pode identificar riscos e lacunas específicos. A repetição da auditoria, um ou dois anos depois, pode identificar se esses riscos foram evitados e se essas lacunas colmatadas.

O Patrick e os seus colegas da Straits Knowledge são mestres no acompanhamento e orientação de auditorias de conhecimento. Porque considera que as auditorias de conhecimento são tão importantes?

Eu não diria que somos mestres, mas temos muita experiência.

Em primeiro lugar, e voltando ao início desta entrevista, implementar GC numa grande organização é complexo e difícil. A auditoria de conhecimento oferece um sólido entendimento de como a organização trabalha com conhecimento, onde se encontram as suas dependências e prioridades de conhecimento, e onde estão os riscos e as lacunas. Isto ajuda a garantir que o planeamento da GC se baseia em evidências. Ajuda a focar o esforço, reduz a complexidade e os riscos de implementação.

Em segundo lugar, uma boa auditoria de conhecimento é participativa, isto é, os líderes e os colaboradores da organização são envolvidos na identificação de necessidades e prioridades. Isto significa que uma auditoria de conhecimento pode ser um excelente instrumento de gestão de mudança, capaz de alinhar as pessoas em torno de um entendimento comum daquilo que são as necessidades de GC.

Durante a sua fantástica apresentação no Social Now 2017, referiu que o propósito de uma auditoria de conhecimento é garantir que a voz mais alta na sala não é a única voz na sala”. Acrescentou na altura que é chave ouvir as outras vozes de forma a encontrar a origem da dor. Porque disse isso? É comum as organizações ouvirem apenas um dos lados e, como resultado, criarem imagens distorcidas da sua realidade?

Nós notámos que as pessoas têm fome de soluções. Vêem um problema e começam imediatamente a pensar em soluções e ferramentas para o resolver.

Se o problema for bem delimitado e tiver um âmbito reduzido, essa abordagem pode funcionar. Mas se o problema for apenas um sintoma de um conjunto de problemas de GC organizacional, essa abordagem pode ser desastrosa.

Trabalhámos com um cliente onde os colaboradores se queixavam de que nunca conseguiam encontrar o que queriam quando pesquisam na intranet. A resposta do CIO foi propor a compra de um novo motor de pesquisa. Quando realizámos a auditoria, descobrimos que a maioria das interações de partilha de informação e conhecimento acontecia fora das plataformas e dos canais formais – por várias razões. As pessoas não tinham acesso a todo o conteúdo de que precisavam. Algum do conteúdo era tão complexo que as pessoas precisavam de encontrar um “conhecedor” que as ajudasse a navegar e a encontrar a parte de que precisavam. Os colaboradores precisavam de conselhos dos colegas mais experientes sobre como aplicar a informação dos documentos, ou contexto sobre as razões pelas quais as políticas documentadas serem como eram.

Nenhum destes problemas poderia ser resolvido com um novo motor de pesquisa. Um dos problemas era a forma como o conteúdo estava organizado e era disponibilizado; outro desafio era conseguir capturar questões e respostas de forma a que pudessem ser reutilizadas e que não continuassem a ser repetidas vezes sem conta por outras pessoas.

Assim, um dos propósitos de uma auditoria de conhecimento é conseguir uma vista completa da paisagem de acordo com várias perspetivas, para que se possam revelar problemas sistémicos e para que se possam detetar as respostas simplistas. Naquele projeto de que falei, descobrimos que o motor de pesquisa que tinham estava perfeitamente adequado.

Mas há mais propósitos para uma auditoria, certo?

Sim. Descobrimos que as entrevistas, especialmente as entrevistas aos líderes de topo, são o método preferido para fazer auditorias de conhecimento. Porque as entrevistas requerem muito tempo, são apenas realizadas um número reduzido que limita o leque de perspetivas capturadas, perspetivas essas que tendem a ser “as vozes mais altas” – i.e. as vozes daqueles com poder na organização.

Acredito que as entrevistas não sejam o melhor método condutor quando há perspetivas (e políticas) concorrentes, muitos stakeholders diferentes, ou algum risco de parcialidade nos resultados. É difícil resolver perspetivas concorrentes sem algum processo facilitado de sensemaking coletivo que inclua todos os principais grupos de stakeholders.

Nós preferimos recolher evidências no terreno através de exercícios de mapeamento de conhecimento, análise crítica de conteúdo e workshops de sensemaking / diagnóstico. As entrevistas podem ser depois usadas para aprofundar o entendimento ou seguir questões específicas. Esta é uma forma de conseguir diversidade de perspetivas e reduzir o risco de parcialidade.

Quando esteve em Lisboa para o Social Now, inspirou-se no fado e falou muito sobre dores organizacionais. “Precisamos de sentir a tristeza e a dor do cliente”, disse na altura. Isso fez-me pensar que a principal razão para uma organizar se empenhar na GC é quando estão em sofrimento. Qual a dor organizacional que mais vezes é chamado a aliviar?

Cada organização é única e por isso as suas dores podem ser muito diferentes. Usamos uma variedade de modelos para ajudar as pessoas a caracterizar as suas dores de conhecimento e informação – e sempre que trabalhamos com uma pessoa nova emerge uma imagem diferente.

Os pontos de dor mais característicos costumam andar em torno de três tipos de problema:

  • maus fluxos de informação e comunicação o que leva a má coordenação e desalinhamento;
  • falta de consideração pela memória organizacional, o que, ao longo do tempo, conduz a uma perda de continuidade e capacidade;
  • incapacidade de aprender pela experiência ou responder a novas exigências do ambiente externo.

Se tiver de pensar num problema que é comum a todos, é geralmente que têm tantos problemas relacionados com o conhecimento e a informação que não sabem onde começar. Ou pensam que têm de resolver tudo, ou optam pelos “quick wins” mais fáceis. O valor da auditoria de conhecimento é que pode ajudá-los a perceber quais são os problemas que afetam diretamente as suas capacidades estratégicas e que têm de ser resolvidos em primeiro lugar.

Porque é que é tão difícil conseguir que as organizações pensem na GC de forma estratégica e proativa, quando estão “no topo”, como uma forma de proteger os ganhos e não apenas evitar as perdas?

Penso que isso é uma reação humana. Estamos mais habituados a preocupar-nos com a fuga a situações dolorosas do que com a manutenção de situações de vantagem.

Isto não é universal – há algumas organizações que pensam proativamente e estrategicamente. No caso destas, porém, também pensam nos obstáculos à sua estratégia como uma forma de dor!

Para aqueles que não pensam estrategicamente ao nível da liderança, vai ser muito difícil.

Lembro-me de uma vez me encontrar com um CEO que estava aborrecido com a sugestão de que precisavam de mudar a forma como partilhavam conhecimento e informação. Ele disse “Qual é o problema? Quando preciso de encontrar alguma informação, pego no telefone e pergunto à pessoa relevante. Estamo-nos a sair bem.” Um dos problemas que encontrámos nessa organização é que muitos dos colaboradores mais antigos estavam perto da idade da reforma, e os colegas mais novos não sabiam a quem perguntar. O setor em que a empresa deste senhor opera está agora em grande queda. Não sei se a empresa sobreviveu, e se o conseguiu, se continuaria a dizer hoje a mesma coisa.

Se ouvir da direção este tipo de respostas, vai ser muito difícil conseguir fazer algo estratégico. Provavelmente será melhor encontrar aliados na estrutura intermédia e tentar algo pequeno e localizado com pessoas que sentem a necessidade de mudar.

A sua empresa, a Straits Knowledge, criou vários baralhos de cartas que usam em sessões facilitadas. Um é usado para refletir sobre os padrões de comportamento típicos. Os padrões de comportamento são uma causa ou uma consequência da cultura organizacional?

Os padrões de comportamento são uma manifestação da cultura corporativa. Aquilo a que chamamos “cultura” é apenas o que emerge de todos os hábitos de interação e dos valores partilhados que continuamente se partilham e reforçam.

A cultura é gerada dinamicamente na interação diária das pessoas, mas o interessante é que, uma vez estabilizada, a cultura muda devagar. Não é fácil mas é possível uma organização mudar a sua própria cultura. Por vezes a chave está na tomada de consciência de quais os padrões de comportamento dominantes para que os negativos podem ser tratados, ou para que os positivos possam ser reconhecimento e apreciados.

Por vezes uma organização encontra uma alavanca na forma como apoia o trabalho. Nós vimos um exemplo numa organização onde um dos comportamentos dominantes era a desconfiança entre colegas. Isso resultava na relutância em partilhar conhecimento. Na verdade as pessoas não tinham razões para desconfiarem umas das outras: o comportamento resultava da falta de familiaridade entre si porque interagiam muito raramente.

A organização implementou o Yammer na sua intranet e as pessoas começaram a usá-lo para falar da sua atividade e das suas principais reuniões – isto gerou curiosidade e deu origem a conversas entre colegas. Três anos mais tarde, quando repetiram a auditoria, descobriram que a cultura organizacional se mantinha, à exceção daquele elemento de desconfiança que tinha desaparecido totalmente. Uma pequena experiência com o Yammer tinha tido um grande impacto na cultura.

Mudar a cultura trata-se de encontrar pontos de alavancagem: é muito difícil mudar à força bruta.

Carta "The Backstabber"

“The Backstabber” é um dos perfis comportamentais representado no baralho de cartas criado pela Straits Knowledge

Quando falamos de conhecimento, existe algum padrão de conhecimento que se destaque por ser mais perigoso para uma organização?

Aquele que mencionei anteriormente é um deles – chama-se “Backstabber (nota de tradução: em português pode traduzir-se como a pessoa que apunhala pelas costas). Representa o medo de partilhar porque não sabes o que os teus colegas vão fazer com o conhecimento que partilhares. Mas, como em muitas coisas na GC, o contexto conduz as oportunidades e os perigos para uma organização. Se a organização não precisar de colaborar e partilhar, o Backstabber pode não ter um grande impacto.

O impacto dos padrões de comportamento dependem do que a organização precisa de alcançar.

É irlandês mas vive em Singapura há 26 anos. Muitas pessoas dizem que a cultura asiática, e consequentemente a cultura das organizações asiáticas, é muito mais amiga do conhecimento e valoriza muito mais o conhecimento tácito. A sua experiência também mostra isto?

Na verdade acredito que, quando se entra numa organização de qualquer dimensão, as atitudes para com as diferentes formas de conhecimento são essencialmente semelhantes na maior parte das culturas nacionais.

Em relação ao valor do conhecimento tácito, se dirigirmos a atenção das pessoas para a sua própria utilização de conhecimento no trabalho, quase todas as pessoas reconhecerão a importância do conhecimento tácito. Algumas dos pressupostos errados que a gestão faz da GC (como por exemplo que a GC tem sobretudo a ver com gestão documental e plataformas colaborativas) são comuns em várias culturas – e tipicamente evaporam-se quando dirigimos a atenção dos gestores para o seu próprio trabalho.

Onde vemos diferença é na vontade dos indivíduos em partilhar conhecimento em fóruns públicos onde não conhecem toda a gente. As culturas da sul da Ásia são muito abertas a isto; as culturas do sudeste asiático costumam ser mais reticentes se não houver uma facilitação estruturada para os ajudar.

Contudo, no geral, penso que a cultura nacional tem menos impacto que a cultura de trabalho da organização e que a sua liderança, incluindo a dinâmica de poder na organização.

Já trabalhou com muitos, muitos clientes em todo o mundo. Quais os pedidos que mais o irritam?

Algumas pessoas só querem cumprir os passos da GC – i.e. chamam um consultor, fazem algumas entrevistas e workshops, e recebem um relatório. Mas a organização não quer mudar a forma como funciona. Por isso o relatório não pode dizer nada de muito disruptivo. E se o disser, o consultor acaba por receber pedidos de alteração sucessivos que buscam “quick wins” em vez de mudanças mais profundas que possam ser necessárias.

Ou podem ter expetativas completamente irrealistas daquilo que se pode alcançar, como se o consultor pudesse abanar a sua varinha mágica, ou instalar um qualquer software, e tudo pudesse ficar resolvido. Acima de tudo tem a ver com a não vontade de assumir a responsabilidade da implementação e de tudo o que ela implica.

Estamos cada vez melhores a detetar estas organizações cedo no processo, e fugimos dela como da praga. Se se tratar de uma organização pública, que usa fundos públicos para o projeto, é frequente escrevermos-lhes formalmente a explicar porque é que os seus requisitos são irrealistas e provavelmente um desperdício de dinheiro público.

Uma última questão. O Patrick é um desenhador. Posso pedir que escolha um dos seus desenhos e que, inspirado por ele, nos conte uma história relacionada com a gestão de conhecimento?

Eu desenho sobretudo a partir do que estou a ver ou de fotografias. O desenho que escolhi foi feito a partir de uma fotografia a preto e branco tirada por um colega meu.

Um desenho de Patrick Lambe

Um desenho de Patrick Lambe com base numa foto do seu colega Edgar Tan

Um desenho é uma impressão daquilo que vemos. Há um desafio em sermos capazes de traduzir as características do que vemos para uma forma mais simples. Nomeadamente, ensina-nos a melhorar a capacidade de observação, e a evitar julgamentos. No trabalho de consultoria, estamos constantemente a julgar e avaliar o que nos é apresentado, e por vezes é bom só observar, identificar os traços principais do que se está a passar, e ver como tudo se encaixa.

Desenhar é relaxante mas também (eu espero) me ajuda a melhorar a minha capacidade de observação.

Clique aqui para ver o vídeo da apresentação do Patrick Lambe no Social Now 2017

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