Eric Lynn diz facilitar a mudança cultural através das pessoas e com as pessoas. No centro do seu trabalho está a conversação. E por acreditar no poder das conversas e no papel das perguntas como iniciador de conversas Eric Lynn desenvolveu o cultureQs.
Foi justamente através de um conjunto de perguntas que tentei descobrir mais sobre o trabalho deste consultor anglo-canadiano atualmente a residir em Berlim. As suas respostas falam-nos de cultura organizacional, mudança, conversação e confiança.
No seu website diz que “todas as conversas moldam a cultura”. Mas a cultura também molda as conversas. Tem alguma sugestão sobre como as organizações se podem tornar melhores ouvintes das conversas internas e a usar essa informação para entender a cultura organizacional?
Isto é complexo. A cultura é dinâmica e evolui continuamente. A cultura numa sociedade (uma organização é uma sociedade) tal como existe num dado momento certamente influencia a conversa sem que necessariamente a molde. Os participantes da conversa estão a moldá-la continuamente, e por isso vão moldando a cultura à medida que caminham.
Falar em organizações que ouvem as conversas internas é demasiado abstrato para mim. São as pessoas no sistema que interagem, dentro dos seus subsistemas e entre eles. Aprendemos a ouvir ao experimentar este espaço entre subsistemas. Eu chamo-lhe um espaço de diálogo que idealmente evolui para um espaço de confiança. A criação deste espaço é um trabalho contínuo. Quando as pessoas no sistema estão conscientemente em diálogo, elas têm a capacidade de conscientemente moldar a cultura da sua organização, e é assim que aprendem a entendê-la.
Acredita que o engagement é intrínseco, contudo os estudos indicam que as pessoas estão cada vez menos engaged com as suas ocupações e organizações. Porque é que isto está a acontecer?
O engagement é intrínseco, sim. Infelizmente, parece ser verdade que as pessoas estão cada vez mais distantes dos seus trabalhos. O último estudo da Gallup mostra um engagement de apenas 13% nas organizações europeias. Isto não só é chocante como também representa um enorme custo para os empregadores. Para vermos porque é que isto está a acontecer podemos examinar dados estatísticos, mas acredito que esses apenas nos vão dar uma parte das respostas. Vamos olhar mais além…
40 anos de experiência a trabalhar com pessoas ensinaram-me que as pessoas querem mesmo estar engaged; elas procuram razões para se engage. Sentem que o seu trabalho tem um propósito? Sentem-se valorizadas como seres humanos (e não apenas como corpos para trabalhar)? Sentem-se capazes de contribuir livre e construtivamente? O ambiente social encoraja interação generativa? Até que ponto existem orientações claras?
Estas são algumas das Questões que as organizações precisam de se colocar, no sentido de encorajar o engagement. E isto só será verdadeiramente eficaz se envolverem as pessoas nestas conversas. Novamente aqui estamos a falar de moldar uma cultura de trabalho generativa.
Uma Questão que frequentemente coloco às organizações é “O que quer que a sua organização seja?”. Quando esta pergunta é debatida abertamente em grupos que incluem a liderança organizacional conseguem-se evocar conversas muito estimulantes.
Em 2013 lançou o cultureQs. De acordo com o que diz no website, trata-se de um acelerador de mudança e integração que pode ser usado em resposta a múltiplos desafios. Pelo que percebo, assenta em “conversas generativas” em torno de “questões poderosas” que “inspiram os participantes a refletir sobre as fundações das suas crenças, atitudes e comportamentos”. Percebi bem?
Sim, está correto, com uma pequena mas importante diferença. O cultureQs não “assenta” em conversas generativas. São as poderosas Questões, e o foco no negócio, que geram essas conversas. É um processo facilitado e as aptidões do facilitador são críticas para a criação do ambiente – do espaço – que permite que essas conversas tenham lugar.
Temos estado a falar de “conversas generativas”. O que quer dizer quando fala de “conversas generativas”?
Uma conversa generativa é completamente aberta e não tem um objetivo fixo. Os participantes vão fazendo a interação evoluir, abertamente, à medida que vão falando. É aprender em conjunto.
Qual é o produto típico de uma destas conversas?
Esta é uma Questão clássica que resulta de uma perspetiva clássica sobre atividades de grupo. Peço desculpa mas a Questão é enganadora.
Em primeiro lugar, o cultureQs é uma atividade que faz parte de um processo para acelerar e focar o desenvolvimento de um grupo numa situação específica – por exemplo uma equipa de projeto, uma equipa de gestão, uma equipa de inovação. O que se aprende é transferido pelo grupo para as suas interações diárias (uma cultura em evolução). Os benefícios ver-se-ão refletidos nos resultados do negócio. Quaisquer documentos são primeiramente para o grupo de participantes.
Cada conversa tem lugar num contexto específico, num momento específico, entre aqueles que estiveram presentes. A conversa não pode ser repetida. Para que haja uma aprendizagem organizacional mais alargada é necessário que outros grupos tenham as suas próprias conversas dentro de modelos semelhantes. As conversas serão diferentes, obviamente. As aprendizagens podem ser partilhadas.
Como é que as organizações passam do resultado dessas conversas para a realização dos objetivos que despoletaram o processo cultureQs?
As organizações mexem-se quando as pessoas se mexem. O processo clássico reside no caminho do “Precisar” (Need) para o “Fazer” (Doing).

O modelo de aceleração do alinhamento e do engagement com o cultureQs desenvolvido por Eric Lynn (© Eric Lynn, cultureQs, www.cultureQs.com)
Essencialmente:
- Convite;
- Foco (a Questão de Negócio);
- Alinhamento (usando ativamente as cultureQs seguidas de uma sessão intensiva de sensemaking para retirar os insights);
- Engagement (o grupo utiliza os resultados da sessão de alinhamento para desenhar o seu mapa de trabalho);
- Fazer (pôr tudo em prática).
É um processo não-linear que contém ciclos múltiplos. E como as condições sistémicas estão constantemente a mudar, é sempre necessário ajustes e adaptações.
“Mudança” pode ser uma palavra assustadora. Observo frequentemente que, apesar de as pessoas perceberem a necessidade de mudança, raramente aceitam que elas próprias têm de ser parte do processo de mudança. Também vê isso?
Sinto que é importante diferenciar. Não acredito que “mudança” seja uma palavra assustadora. Só se torna assustadora quando é embrulhada de tal forma que as pessoas se sentem ameaçadas. Infelizmente tal acontece demasiadas vezes.
Também sofremos de um entendimento muito errado sobre o conceito de mudança. A mudança é ubíqua. É simplesmente a vida. Estamos constantemente a mudar. É importante que, no nosso papel de Agentes de Mudança e Facilitadores, ajudemos as pessoas a consciencializarem-se disso.
Da minha experiência, as pessoas não têm qualquer problema em participar em iniciativas conscientes de mudança organizacional quando vêem a necessidade, sentem o propósito e se sentem convidadas a engage. Também precisam de ver que os líderes estão a participar. Os líderes que tentarem impor iniciativas ao grupo vão sentir resistência. É uma lei natural.
Diz que os workshops cultureQs conduzem a conversas abertas. Contudo o cultureQs baseia-se num conjunto fixo de perguntas. Isso não entra em conflito com a ideia de uma conversa aberta?
O cultureQs não são as perguntas. O cultureQs é a interação do grupo num espaço dialógico que usa Questões poderosas para iniciar conversas, sempre focadas num desafio real para o negócio. É o espaço dialógico que abre as conversas.
Todas as Questões refletem experiência organizacional real. O cultureQs contém 370 Questões, o que eu dificilmente definiria como um “conjunto fixo”. As Questões são selecionadas para cada grupo de acordo com as suas necessidades.
Pode partilhar um exemplo de sucesso do cultureQs?
Gostaria de referir dois.
Turn-around para o negócio. Neste caso, como o nível de desconfiança era tão alto no início do processo, demorou algum tempo até que eu sentisse que o grupo estava pronto para o trabalho com as cultureQs. Quando o fizemos, o progresso de aceleração foi bem visível.
Transcender os silos. Aqui conseguimos alcançar um profundo nível de ligação entre os membros do grupo. O que é que eu fiz? O grupo confiou em mim como facilitador. O líder participou. Os membros do grupo perceberam muito rapidamente que tinham o espaço de que necessitavam para definir o seu modelo de trabalho. Eu criei e agarrei o espaço – que é como eu defino o meu papel de facilitador.
Os princípios por trás do cultureQs fazem-me pensar na Open Space Technology. E, como o Harrison Owen me disse em 2002 numa entrevista, as pessoas tendem a assumir que nada se pode alcançar sem uma agenda cuidadosamente planeada e sem uma mão forte a moderar a conversa. Também é esta a sua experiência? É difícil vender esta abordagem às chefias?
Ótima Questão. Tenho sido um grande fã do Open Space desde que o experimentei em 1997. Utilizo-o extensivamente com clientes.
Ao contrário do que se costuma pensar, para que uma intervenção de Open Space seja eficaz é preciso não só uma preparação intensiva mas também um facilitador bastante competente.
Existe uma estrutura clara e uma agenda – definida pelo grupo. A ideia de que as conversas precisam de uma mão forte de moderação paradoxalmente produz os efeitos opostos – o grupo pode “concordar” com alguns passos mas é pouco provável que se envolva na sua implementação. Não sentem ownership.
O cultureQs não é fácil de vender aos gestores de topo. Aqueles que se sentem confortáveis em abdicar da ilusão de controlo, gostam. Aqueles que sentem uma forte necessidade de controlar os seus grupos podem perceber o potencial desta abordagem e têm medo. Receiam perder o seu controlo aparente – apesar de que, na realidade, teriam muito mais influência. O paradoxo aqui reside em que, ao dar espaço, estariam a libertar tanto potencial escondido no grupo que o negócio só tem a ganhar – se este potencial for dirigido de forma apropriada.
O trabalho de Theodore Zeldin, do qual tomei conhecimento através de David Gurteen, também vem à mente quando penso no tópico da conversação. Theodore Zeldin diz que é necessário privacidade e tempo para que as conversas possam mesmo revelar as ideias e experiências das pessoas. Li que os workshops do cultureQs têm envolvido grupos de 20 a 200 pessoas e demoram entre 5 a 7 horas. Sente que este formato oferece tempo e privacidade para aflorar os verdadeiros problemas e oportunidades?
Também eu admiro o trabalho de Theodore Zeldin sobre a conversação. Para que se abram, as pessoas precisam de sentir que estão num espaço seguro. Esta não é uma questão de números nem, inicialmente, uma questão de tempo.
Tal como qualquer abordagem para encorajar a interação em grupo, não há garantias de nada. A capacidade do facilitador em criar o espaço é um elemento essencial – e ele, ou ela, precisa de ser capaz de evocar e segurar a confiança do grupo.
A preparação também é essencial – o contexto pode ditar que seria benéfico algum trabalho preliminar com o grupo antes de convidar as pessoas para conversas tão profundas.
Algo que as pessoas invariavelmente me falam é da surpresa com a rapidez com que as conversas se tornam tão profundas.
As cultureQs já foram usadas com grupos de 20 a 200 pessoas – todas na mesma sala. As pessoas sentam-se em mesas de 3 a 6 pessoas. As conversas tornam-se tão íntimas quanto o grupo subsconscientemente decide. Podem precisar de passar de uma mesa para outra – isto reflete mudanças reais nas organizações. Estas conversas íntimas são, elas próprias, uma plataforma para o sensemaking que é feito com todos na mesma sala. Mais uma vez, isto só acontece com uma facilitação muito sensível. A sala torna-se um espaço de confiança. Da minha experiência, os verdadeiros problemas vêm mesmo ao de cima.
Para concluir, quais as duas chaves para que os workshops cultureQs sejam o mais eficazes possível?
Há três pontos críticos.
Primeiro, o trabalho preliminar que inclui garantir que o foco escolhido para o cultureQs é mesmo relevante para os membros do grupo.
Em segundo, a formulação do convite para todos os participantes, para que sintam que é mesmo um convite genuíno.
Em terceiro, uma facilitação que garanta que o grupo tem o espaço para evoluir.
Muito obrigada pelo seu tempo, Eric.
Obrigado eu, pelas suas Questões provocadoras.