David Gurteen

David Gurteen

O David Gurteen é um dos nomes mais conhecidos da gestão de conhecimento mundial. Nesta entrevista o consultor inglês fala-nos de gestão de conhecimento, claro!, mas também dos seus Knowledge Cafés e do poder da conversa.

David, descreve-se como “escritor, conselheiro, orador e anfitrião conversacional”. Na verdade, depois de tantos anos dedicado à gestão de conhecimento, é agora conhecido em todo o mundo pelo seu processo conversacional, o Knowledge Café. Como descreve o Knowledge Café a alguém que nunca tenha participado num?

Um Knowledge Café reúne entre 12 a 24 pessoas para uma conversa.

Tipicamente consiste numa apresentação de 15-20 minutos sobre um tópico de importância para os participantes. Seguem-se três rondas de conversa de 10 a 20 minutos em grupos de três ou quatro pessoas a partir de uma pergunta.

A dimensão do grupo, o foco num tema e o tempo limite faz com que a conversa floresça e os monólogos acabem por morrer.

De seguida, todos os participantes se sentam em círculo durante cerca de 30 minutos para uma conversa de grupo.

O Knowledge Café pode ser usado para uma variedade de propósitos dependendo do tópico e da questão. A sua grande força é aproximar os participantes para aprenderem uns com os outros, fortalecerem as suas relações, fazerem conexões, descobrirem insights, aflorarem ideias e oportunidades, e experimentarem novas formas de pensar.

Quem costumam ser os seus clientes?

Varia imenso mas são principalmente aqueles com funções mais orientadas às pessoas, como por exemplo Recursos Humanos, Gestão de Conhecimento, Inovação, Formação ou Serviços de Biblioteca. Pessoas que reconhecem o poder da conversa.

Diga-me, o que torna os Knowledge Cafés tão especiais? Porque o deveria contratar para fazer um Knowledge Café na minha organização? Vá lá, venda-me um Knowledge Café!

No nosso mundo cada vez mais complexo, acelerado e ambíguo, nenhum líder ou indivíduo pode saber tudo ou ser suficientemente inteligente para resolver sozinho os problemas que enfrentamos.

Nestas circunstâncias, uma das melhores formas de fazer sentido de um assunto ou desafio e conseguir tomar melhores decisões e inovar é reunir uma diversidade de pessoas numa conversa aberta, em diálogo.

É através da conversação e de relações fortes que nos desafiamos, questionamos o pensamento uns dos outros, apontamos imparcialidades, preenchemos lacunas e rebentamos as bolhas de pensamento em que vivemos.

O Knowledge Café é a ferramenta perfeita para conseguir tudo isto.

Os Knowledge Cafés fazem mais sentido quando há muitos stakeholders e opiniões, e não há respostas certas ou erradas. Por exemplo:

  • conseguir uma luz para um dilema ou problema complicado;
  • lidar com a interação entre pessoas ou departamentos, focando no comportamento;
  • explorar ou fazer brainstorm de problemas, desafios, oportunidades, possibilidades ou riscos.

Apesar de ser uma ideia simples, o Knowledge Café é transformacional!

Pode falar-nos de algumas situações em que o Knowledge Café tenha acrescentado valor a uma organização?

Devido às características do Knowledge Café é geralmente difícil demonstrar valor imediato. Os insights mais profundos que saem de uma conversa podem só dar origem a resultados tangíveis ao fim de muito tempo e, quando isso acontece, o Knowledge Café já pode ter sido esquecido e não recebe os créditos. Mas, partilho dois exemplos onde o Knowledge Café acrescentou valor.

Eu fiz um Knowledge Café para uma pequena organização suiça onde coloquei a questão “Quais são os obstáculos à partilha de conhecimento na vossa organização e como é que os podem superar?”.

Estavam presentes pessoas de três departamentos e aquela era a primeira vez que eles se sentavam juntos para conversar. Como consequência, vieram à superfície muitos assuntos de que eles não tinham consciência.

Alguns meses mais tarde, o chefe que me convidou para fazer o Knowledge Café enviou-me um email em que dizia:

“Devo fazer uma referência particular ao conceito do ‘knowledge café’. Como iniciado pelo David Gurteen e ensinado aos meus colaboradores, conduziu a uma enorme melhoria em termos de diálogo interequipas, colaboração e partilha de conhecimento. Há muitos processos internos que estão a ser melhorados como resultado destes Knowledge Cafés e nós temos assistido a uma explosão de novas ideias e iniciativas por parte de pessoas em todos os níveis da organização. Resumindo, o formato do Knowledge Café empoderou todos os nossos colaboradores para falarem e terem iniciativa no sentido de garantir o sucesso da empresa.”

Penso que o email dele diz tudo.

A segunda história é sobre um Café que fiz para vinte CEO e executivos de empresas de telecomunicação no Kuwait.

O tema do Café era “Quais são as futuras possibilidades para a indústria de telecomunicações móveis no Kuwait?”.

Houve várias conversas interessantes e houve um grande problema que veio à superfície. O Kuwait não tinha um regulador de telecomunicações, o que causava grandes problemas devido a fornecedores sem escrúpulos.

Durante as conversas do Café, esses CEO decidiram que era bom ter um regulador que lhes desse um quadro legal em que pudessem operar mais facilmente. Decidiram então criar uma união de empresas de telecomunicações para fazer pressão sobre o Governo no sentido de que criasse esse regulador.

Eu gosto muito desta história porque é sobre empresas concorrentes que se reúnem para encontrar formas de colaborarem para o bem da sua indústria.

Knowledge Café

David Gurteen durante um Knowledge Café (foto encontrada no site Conversational Leadership)

Porque é necessário ter pessoas como o David, Theodore Zeldin, Harrison Owen, Eric Lynn e outros, a promover conversas e, mais importante ainda, a facilitar conversas? Não temos nós, enquanto seres humanos, conversado desde o início da nossa existência?

Concordo, a conversa tem evoluído como uma parte integral dos seres humanos ao longo dos últimos duzentos mil anos. Os nossos antepassados da Idade da Pedra, há dez mil anos, estavam tão familiarizados com a conversa como nós estamos hoje.

Mas nós assumimos que a conversa está garantida. Nunca nos ensinam a conversar. Absorvemos a conversa naturalmente enquanto crescemos e amadurecemos. Nunca recebemos lições sobre como manter uma conversa, como falar ou como ouvir ou como dialogar.

Será que “a capacidade de nos expressarmos e compreendermos a linguagem falada” não é tão importante como a literacia – “a capacidade de ler e escrever” – e a numeracia – “a capacidade de compreender e trabalhar com números”?

Deveria ser. E tem um nome: oracy. A maioria das pessoas nunca ouviu a palavra. Não achas isso surpreendente?

Precisamos levar a oracy a sério e ter mais consciência do papel que a conversa tem nas nossas vidas. Isso é o que eu e um grupo de outras pessoas tentamos fazer.

A tecnologia está a ajudar ou a prejudicar as conversas dentro das organizações?

A tecnologia está certamente a prejudicar as conversas naqueles locais onde as pessoas trabalham fisicamente próximas. Essas pessoas estão a usar a tecnologia para evitarem falar cara-a-cara.

Por outro lado, em organizações geograficamente distribuídas, a tecnologia permite que as pessoas comuniquem, algo que simplesmente não era possível no passado.

Contudo, penso que uma verdadeira conversa, mesmo que não possa ser cara-a-cara, tem de ser via web, áudio ou vídeo, em tempo real.

O email, as mensagens instantâneas, mesmo as mensagens de voz são invenções recentes e, para mim, são pseudo-conversas que nem podem ser chamadas de conversas porque ficam demasiado aquém das interações pessoais cara-a-cara.

São formas de comunicação muito novas que ainda não dominamos.

Penso que precisamos de fazer três coisas:

  • ser melhores nas conversas cara-a-cara;
  • parar de usar a tecnologia para nos escondermos das conversas cara-a-cara;
  • melhorar o nosso uso da tecnologia para conversas à distância quando estas não podem ser evitadas.

Atualmente está a escrever um blook‘ sobre liderança conversacional. Explica um ‘blook‘ como um cruzamento de um blogue com um livro (book, em inglês). Porque decidiu usar esse formato?

Decidi criar o ‘blook‘ e definir o formato de um ‘blook‘ para mim próprio porque não conseguia encontrar nada que satisfizesse as minhas necessidades.

Normalmente leio tudo online, no meu portátil, iPad ou iPhone. Tenho o Kindle, mas acho que é uma experiência aborrecida e já não o uso.

Um “livro” na web é uma experiência multi-media que inclui texto, fotos, imagens, áudio, vídeo, apresentações PowerPoint, PDFs e outros elementos. Para além disso, através dos hyperlinks, posso fazer ligações para outro material relevante ou interessante na Internet.

Assim, ter o livro no ambiente web é fundamental para que eu possa melhorar a experiência de leitura. Quero poder ler em qualquer lugar, em qualquer momento e em qualquer dispositivo.

O mais importante é que criei um ambiente em que posso ‘trabalhar em voz alta’. Posso publicar uma pequena dose de material que as pessoas podem aceder e ler e enviar feedback e que eu posso ir construindo iterativamente ao longo do tempo.

Quando um livro convencional é publicado, já não muda. Ao contrário, o meu ‘blook‘ muda todos os dias enquanto adiciono material e o edito para o melhorar. Está vivo. E só morrerá quando eu morrer e já não puder continuar a editá-lo.

O meu ‘blook‘ consiste em capítulos tal como um livro normal, mas não tem secções ou páginas. Cada capítulo é uma coleção ordenada de textos (posts). Cada texto é um pouco como uma entrada de um blogue. Daí o nome de ‘blook‘.

Cada texto é curto para que se possa ler em 5 a 10 minutos, e faz sentido em si próprio embora tenha ligações a outros textos no ‘blook‘ para uma leitura mais aprofundada. Para mim é importante esta abordagem modular em que as pessoas podem ligar de outros sites a textos específicos do ‘blook‘. Quero que o material seja fácil de encontrar e aceder.

Os leitores podem também fazer bookmark de um texto ou imprimi-lo – eu facilito isto através de um botão que, no cimo de cada texto, permite impressão do texto em PDF. E é fácil enviar um texto para o Evernote ou para o OneNote.

O ‘blook‘ tem licença Creative Commons que permite às pessoas partilhar ou misturar o material livremente.

O que está a aprender com esta experiência de criação do ‘blook‘?

O que tenho aprendido? Para mim, o poder do ‘blook‘ era poder trabalhar nele quando, por exemplo, estou no carro à espera da minha esposa. Se tenho algum material novo que quero acrescentar ou uma pequena melhoria que quero fazer, posso fazê-lo no meu iPhone. Também acho valiosíssimo receber feedback que posso incorporar no texto à medida que o ‘blook‘ evolui.

Adoro o formato pela liberdade criativa que me dá.

Deixe-me voltar atrás, ao tema do ‘blook‘. O que é liderança conversacional?

Liderança Conversacional é sobre a libertação do poder da conversa no mundo – especialmente nas nossas organizações.

É sobre cada um de nós, enquanto pessoas, adotarmos uma abordagem conversacional na vida – vendo o mundo como uma teia de conversa – e colocarmos a conversação no centro de tudo o que fazemos. Não é só um estilo de trabalho mas uma forma de estar.

É multifacetada. É uma nova e poderosa forma de fazer sentido do nosso mundo complexo, conduzindo a melhores decisões e novas possibilidades. É sobre melhor comunicação, aprendizagem, trabalho e colaboração uns com os outros. Mas, acima de tudo, é sobre interagir com o mundo de uma outra forma, preocupando-nos uns com os outros e criando comunidade.

No seu livro descreve uma comunidade como “um grupo de pessoas que se preocupam umas com as outras e que partilham coisas em comum de que gostam profundamente”. Eu diria que esta ideia de comunidade imediatamente sugere um grupo de pessoas engajadas, concorda?

Totalmente. É muito difícil imaginar uma comunidade verdadeira cujos membros não estejam engajados.

Todos temos consciência dos níveis dramaticamente baixos do engajamento e da satisfação das pessoas no trabalho. Acha que as organizações estão a falhar na criação de comunidades suficientes, ou pelo menos suficientemente boas, no local de trabalho?

Concordo mas acho que o assunto vai mais fundo. Penso que não nos apercebemos que uma organização é uma comunidade.

Nos negócios, falamos de comunidades de prática e comunidades de interesse – redes de pessoas que se auto-organizam com uma agenda, uma causa ou interesse comuns, que colaboram partilhando ideias, informação e outros recursos. Também falamos de comunidades virtuais que consistem em participantes de fóruns online, tais como os grupos LinkedIn onde discutem tópicos de interesse mútuo.

Mas uma organização também pode ser pensada como uma comunidade. Pessoas que trabalham para a mesma empresa têm a empresa e o sucesso dessa empresa como temas de interesse comuns. Se trabalhar para a IBM, por exemplo, é parte da comunidade IBM.

Mas há ainda outro nível no conceito de comunidade – só porque as pessoas têm coisas em comum não significa que sejam uma comunidade no sentido mais profundo.

As pessoas numa comunidade preocupam-se umas com as outras e assumem um papel ativo na construção e manutenção da comunidade a que pertencem.

  • Partilham um propósito comum
  • Têm muitos valores em comum
  • Preocupam-se com os colegas e respeitam-nos
  • Adoram o seu trabalho
  • São leais uns com os outros e com a comunidade enquanto um todo
  • Constróem relacionamentos saudáveis

Também falamos em estar “em comunidade” ou em ter um “sentido de comunidade” ou “espírito de comunidade”. Isto é que significa ser uma comunidade organizacional genuína – um sentimento de pertença e togetherness.

Podem ser membros de uma comunidade no sentido em que têm algo em comum mas não estão “em comunidade” porque simplesmente não se preocupam uns com os outros.

Do que as organizações (gestores e empregados) se esquecem é deste segundo nível. Não estão a conseguir ver a organização como uma comunidade e a cuidar dessa comunidade.

Porque é tão difícil criar e sustentar comunidades relevantes?

Penso que não nos preocupamos o suficiente uns com os outros. Não confiamos uns nos outros e, nós próprios, não somos particularmente de confiança.

Quando temos diferenças de opinião ou as coisas correm mal, somos demasiado rápidos a julgar e a culpar. Raramente damos às pessoas o benefício da dúvida. E não nos esquecemos facilmente.

Penso que precisamos de, por defeito, assumir que as pessoas agem de boa fé até termos evidências do contrário.

Simplesmente não nos preocupamos o suficiente. Temos de falar mais uns com os outros e temos de nos conhecer melhor.

Será que as organizações poderiam abraçar a conversação e as comunidades como formas de aumentar o engajamento?

A pesquisa mostra que apenas uma percentagem surpreendemente baixa de empregados estão engajados e que a maioria dos programas de engajamento não são bem sucedidos.

Não penso que o engajamento seja algo que possa ser explicitamente procurado. O engajamento é emergente.

A motivação e o engajamento estão intimamente associados. Se estiver motivada, está engajada. Mas não se pode motivar alguém. A motivação vem de dentro. Se tentar motivar alguém explicitamente, essa motivação vai desaparecer rapidamente. Não é motivação; é manipulação.

Da forma semelhante, não se consegue engajar alguém ou tornar a pessoa engajada. Essa é a razão pela qual os chamados programas de engajamento fracassam. De facto, eles provavelmente têm um resultado inesperado: reduzir o engajamento porque as pessoas apercebem-se de que estão a ser manipuladas.

Então, o que motiva as pessoas? Muitas coisas, mas fazerem parte de uma comunidade, haver um sentimento de pertença, é um elemento essencial.

Alexander Pentland, Diretor do Human Dynamics Lab do MIT descobriu que o melhor indicador de sucesso futuro num grupo é a quantidade de interação social – independentemente do assunto da conversa.

Por isso, sim, penso que melhorar a conversação e construir uma comunidade organizacional mais forte é uma forma eficaz de aumentar o engajamento.

Que passos sugere para alcançar esse objetivo?

Se se conseguir construir uma comunidade saudável, o engajamento vem automaticamente de arrasto.

Não há uma receita fácil nem uma sequência de passos, mas requer a comunicação uns com os outros e a participação em conversas mais profundas.

É abraçar a Liderança Conversacional e tornar-se um líder conversacional.

Para terminar, o trabalho que tem feito em torno da conversação e das comunidades mudou a sua perceção da gestão de conhecimento organizacional?

Sim, mudou dramaticamente.

Veja a gestão de conhecimento a operar em dois níveis: o tecnológico e o social.

O nível tecnológico diz respeito à melhoria de práticas de captura, armazenamento e transmissão de informação. É só tecnologia.

Por outro lado, o nível social tem a ver com fazer sentido do mundo para melhorar a formulação da estratégia, a tomada de decisão no dia-a-dia, e a inovação. Tem a ver com as pessoas. Só as pessoas podem fazer isto.

O nível social tem a ver com a forma como comunicamos e colaboramos através da conversação.

É necessário um grupo diverso com diferentes perspetivas para se reunir a conversar e fazer sentido do mundo e gerir o nosso conhecimento humano.

Não é que não precisemos do nível tecnológico da gestão de conhecimento – precisamos – precisamos de informação relevante, de alta qualidade e em tempo útil. Mas sem a gestão de conhecimento social, perdemos o potencial transformativo da gestão de conhecimento.

Nas palavras de Doc Cory:

“A conversa é rainha. O conteúdo é apenas algo sobre o qual conversar.”

1 comment

  1. André S 3 Fevereiro, 2018 at 16:34 Responder

    A capacidade de nos expressarmos bem (oracy) é descurada na maioria dos países. Aprendemos a escrever, a fazer apresentações, a falar de um para muitos mas a capacidade de falar e ouvir(!) em grupo é, infelizmente e apenas, um efeito secundário da nossa aprendizagem. Isto resulta, por exemplo, em reuniões em que uns atropelam os outros e se torna mais difícil chegar a bom porto.

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