Arthur Shelley é um consultor australiano que há muitos anos atua na área da gestão de conhecimento. Atualmente, através da sua empresa Intelligent Answers e de uma rede de embaixadores, ajuda as organizações a melhorar o seu desempenho através de uma maior consciência dos comportamentos individuais de cada pessoa que lá trabalha. Esta entrevista incidiu sobre o The Organizational Zoo, uma ferramenta que desenvolveu para auxiliar este trabalho.
Durante cinco anos, o Arthur foi Global Knowledge Director na Cadbury Schweppes. O que mais o surpreendeu enquanto desempenhou essa função?
Não sou muito de me surpreender com funções até porque lido confortavelmente com ambientes de indefinição e de complexidade emergente. Nós criamos as nossas funções quando as moldamos para que sejam o que consideramos necessário para gerar máximo valor.
De qualquer forma, aquela função reforçou a necessidade que eu já sentia de escrever The Organizational Zoo – porque para influenciar e liderar outras pessoas é preciso entender e saber aplicar adaptabilidade comportamental.
De que forma é que essa experiência profissional informou a sua atual abordagem à gestão de conhecimento (GC) nas organizações?
Em larga medida, a função de Global Knowledge Director era um prolongamento natural daquilo que eu já tinha feito nas minhas funções anteriores. Eu sempre estive focado na melhoria contínua, que requer conhecimento sobre aquilo que sabemos e sobre o que mais precisamos saber.
Os melhores resultados obtêm-se olhando para os desafios como oportunidades com uma mente aberta e uma abordagem inclusiva. Isto é GC eficaz, e eu penso que no geral também é uma demonstração de uma liderança informada pelo conhecimento.
“The Organizational Zoo é um conjunto de metáforas, fruto de um bom trabalho de pesquisa e desenvolvimento, que ajudarão, a si e à sua organização, a melhorar o desempenho e a reduzir o stress.” Como é que um conjunto de metáforas pode ajudar a melhorar o desempenho organizacional e a reduzir o stress?
O stress nas organizações acontece principalmente quando as pessoas não estão a interagir umas com as outras em torno de perspetivas diferentes, ou quando o fazem de forma destrutiva e conflituosa. The Organizational Zoo traz uma forma oblíqua, segura e despolitizada, de abordar as diferenças.
Conversas sobre os animais no jardim zoológico (comportamentos na sua organização, no grupo de stakeholders, na sua família…) fazem com que as pessoas relaxem e troquem perspetivas construtivas sobre como interpretam o comportamento (e não a pessoa) e qual o impacto que este tem na cultura e nas interações. Assim que estas conversas têm início, geram confiança e constróem ligações ao invés de as destruírem.

Barco com personagens do The Zoo Organizacional criado por Arthur Shelley (ilustração de John Szabo)
Há evidência significativas deste poder em muitas histórias de sucesso que recolhi ao longo dos últimos dez anos a facilitar atividades do The Organizational Zoo em muitos países. Aliás, há muitos artigos publicados bem como uma tese de doutoramento que usou o The Organizational Zoo para ajudar com uma mudança cultural e com dinâmicas de grupo. Organizational Zoo Too é um novo livro que está a ser cocriado pelos embaixadores do The Organizational Zoo com o objetivo de partilhar essas histórias.
Do ponto de vista do negócio, qual é a razão para que uma organização avance com um programa do The Organizational Zoo?
A resposta rápida é melhoria de desempenho. A resposta mais elaborada é que, ao criar um melhor ambiente comportamental, constrói-se um melhor entendimento entre as pessoas envolvidas e conseguem-se mais resultados das ideias geradas pelo conjunto diverso de perspetivas disponíveis. Esta abordagem mais alinhada e inclusiva gera confiança, e com mais confiança estimula-se mais colaboração. Ora, nós partilhamos mais conhecimento e ideias com pessoas que conhecemos e em quem confiamos. Um ambiente desses aumenta o fluxo de conhecimento e a cocriação de novo conhecimento o que, em última instância, aumenta o desempenho das pessoas, das equipas e da organização enquanto um todo.
Como usa o The Organizational Zoo numa organização?
As metáforas do The Organizational Zoo são usadas de muitas formas diferentes – geralmente para facilitar insights, reflexões e conversas inclusivas sobre o impacto do comportamento em vários contextos. Todas as situações humanas são influenciadas por comportamento e os resultados são influenciados, de forma positiva ou negativa, pelas interações entre as pessoas envolvidas. De facto, a cultura é o principal produto das interações comportamentais que as pessoas envolvidas desejam, toleram e rejeitam.
“a cultura é o principal produto das interações comportamentais que as pessoas envolvidas desejam, toleram e rejeitam”
Existe um baralho de cartas com as personagens do The Organizational Zoo e há muitos jogos que se podem jogar com elas. Os jogadores partilham perspetivas diferentes sobre os comportamentos que estão presentes ou ausentes e sobre qual o impacto que essa combinação de comportamentos tem numa situação.
Este diálogo sobre os comportamentos observados informa os participantes sobre possíveis melhorias e também sobre como alguns comportamentos podem ser apropriados num contexto mas não noutros. Esta consciencialização dos comportamentos e dos seus impactos ajuda a uma melhor escolha de comportamentos o que aumenta o alinhamento e a adaptabilidade comportamental.
Pode partilhar connosco uma situação em que a utilização do programa The Organizational Zoo tenha tido grande impacto?
Há muitas, mas vou partilhar uma.
Era uma organização que tinha sido criada para realizar um projeto específico durante um período de um ano. Como tal, tinha um foco muito tático. Contudo, durante este projeto desenvolveram-se muitos relacionamentos e capacidades muito fortes. Com o aproximar do final do projeto tornou-se aparente que seria um desperdício dissolver a equipa e a infraestrutura que se haviam criado.
O The Organizational Zoo foi usado para perceber a cultura atual e a cultura necessária para criar uma organização mais estratégica que pudesse continuar para além do projeto em curso. Desse diálogo surgiu uma transformação cultural para toda a organização (várias centenas de pessoas), incluindo a forma como se iriam conseguir os comportamentos necessários para o futuro sustentado da organização. Este plano foi implementado e a equipa apresentou uma proposta aos fundadores dos quais recebeu financiamento suficiente para continuar com outros novos projetos durante vários anos. Esta organização continua a gerar benefícios sociais significativos através de projetos no país.
Recentemente entrevistei o Patrick Lambe e falámos das cartas de cultura organizacional criadas pela Straits Knowledge. Conhece essas cartas? Como é que as personagens do The Organizational Zoo se comparam com as personagens das cartas da Straits Knowledge?
Sim, conheço. As cartas do Patrick são espetaculares e eu próprio tenho vários exemplares dessas cartas. Uso-as em conjunto com as minhas. As cartas do Patrick são arquétipos culturais que representam uma coleção de comportamentos, ou uma persona; as cartas do The Organizational Zoo são comportamentos específicos.
Um jogo que faço consiste em esmiuçar os arquétipos do Patrick pedindo aos participantes para identificar quais os “animais” (comportamentos) que se esperaria ver neles. Como vê, as duas ferramentas são grandes amigas e colaboram imenso, tal como os seus inventores.
O website do The Organizational Zoo tem uma ferramenta que as pessoas podem usar para traçar o seu perfil comportamental – o profiler. Qual o animal do Zoo que melhor representa o seu comportamento, Arthur?
O ponto principal do Zoo é que, ao contrário da maioria das ferramentas comportamentais psicométricas) não caracteriza uma pessoa de acordo com uma personagem (comportamento). As pessoas são seres muito complexos que se comportam de forma diferente em diferentes situações. Para a maioria das pessoas isto acontece de forma subconsciente e, como tal, é limitada e não otimizada.
Queremos que as pessoas compreendam com que comportamentos se sentem mais e menos confortáveis. Se tivermos consciência dos comportamentos que nos causam conforto e desconforto, teremos mais noção dos nossos pontos fortes e fracos e conseguiremos fazer melhores escolhas comportamentais.

A coruja do The Organizational Zoo
A chave é conseguir ser qualquer um dos animais do Zoo, mas conseguir sê-lo de forma otimizada. Quando for capaz de decidir qual o melhor animal numa determinada situação e de o colocar em prática para assegurar o melhor resultado para todos, tornar-se-á um líder influente.
A minha preferência pessoal é a Coruja pois esta representa o sábio mentor, pronto a partilhar e ajudar os outros. Contudo, consigo ser qualquer um dos outros dependendo do que pede a situação e isto é o que me permite ser resiliente e influente – e mais feliz, claro!
Um líder, numa altura calma, teria um perfil de águia, coruja, carvalho, abelha e talvez elementos de gibão. Contudo, numa situação de crise o mesmo líder poderá ter de assumir comportamentos muito mais críticos para assumir o controlo da situação – comportamentos como os do leão, da hiena ou talvez da cascavel se a situação for muito política.
Eu usei a ferramenta que está no site do The Organizacional Zoo para traçar o meu perfil. O que posso fazer com essa informação?
A utilização da ferramenta para traçar o perfil pessoal funciona melhor para avaliar a própria capacidade em objetivamente compreender e refletir sobre os seus próprios comportamentos. Lembre-se que o perfil tem de ser visto num contexto porque as pessoas têm comportamentos diferentes em situações diferentes – pelo menos, assim se espera.
Também é bom para pedir a outros que tracem o nosso perfil (mesmo que de forma anónima) porque isto dá perspetivas que não conseguimos ter de nós próprios – tanto quanto a pontos fortes como prontos fracos. Contudo, isto só deverá ser feito com pessoas em quem confiamos profundamente e que nos conhecem muito bem para evitar joguinhos políticos.
A ferramenta online também serve para que todos os membros de uma equipa avaliem o comportamento da equipa antes de se juntarem a discutir as implicações desse comportamento. Afinal de contas, o grande objetivo da ferramenta e das cartas é estimular a conversa reflexiva sobre capacidade comportamental e alinhamento ao contexto.
Um ponto importante: se as pessoas categorizarem alguém com apenas uma personagem do The Organizational Zoo, isto vai inevitavelmente conduzir a uma fraca capacidade de adaptação. Trata-se de ser capaz de escolher a personagem certa na situação certa, o que requer adaptabilidade.
Qualquer ferramenta pode ser mal usada ou deliberadamente usada para fins impróprios. É por isso que temos a rede de embaixadores do The Organizacional Zoo, uma rede internacional de mentores experimentados que ajudam outras pessoas a usar a ferramenta da melhor maneira.
A ferramenta frisa essa questão do contexto quando pede às pessoas que especifiquem o contexto do perfil de comportamento que pretendem traçar – trabalho, família, ou com amigos, por exemplo. O que é que mais influencia os comportamentos das pessoas?
As pessoas mais bem sucedidas são aquelas que, conscientemente, conseguem adaptar o seu comportamento sem comprometer os seus valores. Às vezes precisamos de ser agressivos e outras vezes ganhamos em ser passivos – depende do contexto e das pessoas envolvidas. O Zoo ajuda-nos a refinar essas decisões porque nos ajuda a entender os comportamentos individuais e a refletir sobre a nossa própria experiência.
“As pessoas mais bem sucedidas são aquelas que, conscientemente, conseguem adaptar o seu comportamento sem comprometer os seus valores.”
Assim que ganharmos esta experiência podemos planear o nosso comportamento antes da atividade, mas sempre preparados para nos adaptarmos se a situação não ocorrer como previsto.
Há muitos exemplos nas organizações e na política em que alguém é bem sucedido porque adotou o comportamento certo no momento certo. Porém esse mesmo comportamento joga contra a pessoa quando, mais tarde, a situação muda mas a pessoa não altera o seu comportamento.
Por exemplo, o Rudy Giuliani revelou-se um grande líder na altura dos ataques do 11 de setembro em Nova Iorque. O seu estilo confiante de comando e controlo foi perfeito para retomar as rédeas da cidade num momento de crise. Foram escritos vários livros sobre o que ele conseguiu naquela situação difícil.
Contudo, nas eleições seguintes, ele perdeu porque alguns consideraram que ele era demasiado controlador mesmo quando tal não era necessário. Talvez se ele tivesse sido capaz de se adaptar melhor ele tivesse permanecido no seu cargo.
Outro exemplo é o da Nokia. A Nokia tornou-se líder de mercado de telefones móveis porque tinha os telefones mais robustos e confiáveis numa altura em que essas características eram das mais importantes. Deveria ter tirado partido da sua liderança e ter-se adaptado para inventar o smartphone. Porém, tentou agarrar-se ao status quo e o smartphone acabou por ser inventado por outros. Isto alterou os desejos e as expetativas dos consumidores e a Nokia não se adaptou suficientemente rápido: perdeu a liderança de mercado e a sua vantagem competitiva.
O Einstein terá dito “Quem sobrevive não é o mais forte nem o mais inteligente da espécie: é o que melhor se adapta à mudança”.
Existe o perigo de as organizações rotularem as pessoas com um “animal” e agirem de acordo com esse rótulo, reforçando esse comportamento?
As personagens do The Organizational Zoo são principalmente animais, mas também lá há uma planta e alguns seres míticos. A verdade é que todas as culturas têm um passado de associação com os animais: símbolos de culto, animais de estimação, para o trabalho de campo ou como emblemas. Quase todos os países têm um animal na sua bandeira ou a representá-lo de alguma forma. As equipas de desporto têm muitas vezes nomes de animais. Já existe uma relação forte entre personagens animais e a cultura. Enquanto que alguns animais inerentemente transmitem uma perspetiva positiva em algumas culturas, noutras são vistos como negativos. Os dragões nas histórias infantis ocidentais são uma personagem má que tem de ser derrotada pelo heroico cavaleiro. Contudo, nas histórias orientais, o dragão é o herói!
À primeira vista isto parece ser uma falha na utilização das metáforas animais, mas na verdade é um dos seus fatores de sucesso. Os comportamentos também são vistos de forma diferente. O que uma pessoa considera um ponto forte (por exemplo, agressividade), outros podem ver como um ponto negativo. Esta é uma parte fundamental da compreensão de que um comportamento não é bom nem mau em termos absolutos. O que o torna apropriado ou inapropriado é a forma como é aplicado e como é percebido num determinado contexto. Este entendimento abre portas para que sejam trocados profundos insights sobre cultura.
Algumas pessoas defendem que é difícil mudar a cultura de uma organização sem que se tragam novas pessoas – para substituir ou para pesar no outro lado da balança. Isto vem da perspetiva de que a cultura organizacional depende das pessoas que lá trabalham e de que é impossível, ou pelo menos extremamente difícil, mudar as pessoas. Qual a sua opinião sobre este assunto? As pessoas podem mudar? É possível mudar a cultura de uma organização sem mudar as pessoas que lá trabalham?
A resposta curta é “sim”, a mudança cultural é um desafio e as pessoas resistem à mudança. Contudo, isso é uma desculpa fácil e a razão pela qual muitas empresas não sobrevivem a longo prazo. O tempo médio de vida das empresas é menos de 7 anos e a maioria das start ups não vai além dos 2 anos. A adaptabilidade é o fator crítico de sucesso que lhes falta e também o fator comum das empresas mais bem sucedidas.
Olhe com atenção para as empresas que dominam o mercado há muito tempo e verá como elas estão a ler e antever os desejos dos consumidores e a adaptarem-se às suas necessidades. Muitas vezes, nem se trata de moldar essas necessidades, apenas adaptarem-se a elas. Isto requer uma cultura altamente ágil e adaptativa e a capacidade de demonstrar comportamentos diferentes à medida que emergem novos contextos.
Para concluir, Arthur, quais os animais ideais para liderar um programa de GC?
A Ana, ou a sua equipa, precisará reconhecer todas personagens e assegurar de que se encontram nos devidos lugares. Isto significa que pode ter de assumir uma variedade de personagens durante uma mesma reunião para garantir que sai de lá com os resultados ótimos. Por exemplo, quando abre uma reunião pode ser um gibão e uma coruja, partilhando histórias para envolver as pessoas; e depois passar para a liderança inspiracional da águia no sentido de aproximar ideias diferentes. Talvez tenha de se ajustar a uma abelha para colaborar e estar aberta às ideias e, à medida que se aproxima o final da reunião, tornar-se leão para assumir o controlo e garantir que todos aceitam responsabilidade pelas tarefas que lhes foram atribuídas. Se inverter esta ordem, sairá da reunião com péssimos resultados. A escolha de comportamentos é importante para o sucesso mesmo em momentos fluidos.
Resumindo, é preciso um alfabeto de animais bem alinhados (o The Organizational Zoo tem uma personagem para cada uma das letras do alfabeto, e uma personagem extra).